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Paulo Figueiredo: Sim, existe vida escolar sem celulares

O dia 05 de Fevereiro de 2025 foi marcado pelo início do ano letivo em Contagem. Neste primeiro dia, o reencontro dos(as) estudantes com seus(as) colegas, professores(as) e servidores(as) da escola foi marcado pelo início de uma nova/velha fase, a “escola sem celular”.

Aprovada em Congresso Nacional em 2024 e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 13 de janeiro de 2025, a lei 15100 veda o uso de aparelhos eletrônicos pessoais portáteis em aula, recreio ou intervalos em todas as etapas da educação básica, tanto em escolas públicas quanto na rede privada. A lei não se aplica ao uso pedagógico desses equipamentos, sendo permitido o uso apenas para casos de necessidade, perigo ou força maior (…) “a lei também assegura o uso desses dispositivos para fins de acessibilidade, inclusão, condições de saúde ou garantia de direitos fundamentais(…)” de acordo com o site do MEC (Ministério da Educação e Cultura).

O recém advento do uso de celulares, não só para as ligações telefônicas, mas também para uso massivo da internet e, consequentemente, das redes sociais, passou a ser realidade no início dos anos 2010. A partir desse momento, a atenção em sala de aula foi dividida entre livros, cadernos, a nossa presença, e os aparelhos celulares, algo, até aquele momento, nunca visto na história do ensino-aprendizado.

O avanço da tecnologia dos smartphones, paralelo à sua popularização, caminhou a passos largos e firmes para invadir as salas de aula, deixando educadores e educadoras apreensivos e sem muita ação para toda aquela transformação.

Em 2012 1,5 bilhões de pessoas no mundo já possuíam telefones celulares com internet. Esse número expressivo foi testemunhado nas escolas com o aumento progressivo dos aparelhos nas mãos das crianças e adolescentes. Nesse mesmo ano foram publicados os primeiros estudos sobre os efeitos maléficos dos celulares para a educação e nos anos seguintes as discussões ganharam mais estudos e mais dados.

O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “(…)que oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países, vinculando dados sobre seus backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem, e também aos principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola(…)”, revelou que 45 % dos estudantes brasileiros, responderam no questionário de avaliação que enquanto usam o aparelho em sala de aula se desconcentram do(a) professor(a), 40,3% dos(as) estudantes disseram que dispersam da aula ao perceberem o colega usando o celular, esses dados são de 2022.

Em 2024, o periódico “ Revista Educação” da RFM Editores, publicada em 30 de Agosto, publicou uma reportagem da jornalista Milena Buarque, intitulada “ O perigo da fragmentação da educação”, nessa publicação Milena entrevista o psicólogo da Faculdade de Filosofia , Ciências e Letras de Riberão Preto da USP Antônio Àlvaro Soares Zunin.

Zunin disse a Milene Buarque que “(..) a presença física nunca foi uma garantia de que alunos iriam focar a atenção nos objetos estudados, se professores e os alunos estão com os focos de atenção para o mesmo objeto, inclusive por meio de aparelhos digitais, e serem articuladas e relacionadas entre si, com seus contextos históricos, possibilita suas transformações em conceitos, gerando produção de conhecimento. Mas se a atenção for fragmentada em vários objetos, aí não existe mais aula.

O livro “ A geração ansiosa- Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” do psicólogo social Jonathan Haidt, após um ano de lançamento aqui no Brasil já é uma referência para o reforço da “escola sem celular”. O escritor americano vai além, ele considera que o uso de celulares pelas nossas crianças, impede o “ brincar livre”, uma forma de socialização e aprendizado cultural importantíssimo para os seres humanos cada vez mais distante da chamada geração Alpha (nascidos a partir de 2010) e consideravelmente abortada na chamada geração Z (nascidos entre 1997 e 2010).

Ainda sobre Jonathan Haidt, ele é taxativo ao dizer que os celulares devem ser proibidos pelos pais e mães para crianças até 14 anos de idade e redes sociais devem ser permitidas a partir dos 16 anos de idade.
Importante ressaltar nessa discussão sobre o uso dos celulares em sala o difícil período da pandemia de Covid-19, período que professores(as) e estudantes tiveram a necessidade do uso de tecnologias digitais. Talvez, naquele momento, numa opinião muito particular, tenhamos vivido o melhor período do uso de celulares e tablets para a educação.

Voltando ao início de Fevereiro deste ano, relato minhas breves experiências e observações sobre a “escola sem celular”. No meu caso, “Funec- Unidade Centec, sem celular”. No dia 04 de Fevereiro, em uma reunião de professores(as), coordenação de cursos (Análises Clínicas, Química Industrial e Farmácia), coordenação pedagógica e direção, a preocupação foi como garantir a aplicação da lei sem discutir sua validade. Nosso coletivo discute incansavelmente, há anos, os prejuízos causados pelo uso dos celulares no ambiente escolar. Definimos naquele momento que os(as) estudantes deixariam seus equipamentos celulares em seus escaninhos, dividindo com eles a responsabilidade da regra e, claro, no ideal que pais e mães também já estivessem cientes e apoiando a nova legislação.

Fomos para o primeiro dia de aula com a regra foi muito clara e, com o passar dos dias e das aulas, percebemos nossos estudantes distantes dos celulares e mais “ conectados” conosco e com eles.

Num certo dia, entre um intervalo e outro, percebi dois estudantes “ zanzando” pelos corredores e perguntei:

– O que está acontecendo, meninos?”

Eles responderam:

–“ Uai professor…conhecendo melhor a escola! Não tem celular, né?”

Responderam dessa forma e revelo a vocês que são alunos do terceiro ano, ou seja, já estão no prédio há tempos…
Nossos(as) estudantes tentarão quebrar as regras, mas o hábito de estarem longe das telas tem uma grande chance de ser estabelecido e, com isso, voltarmos aos velhos tempos da sala de aula sem esse tipo de distração. Ressalto também que a lei não irá “trabalhar” sozinha. É fundamental que pais e mães estejam cientes dos efeitos nocivos dos equipamentos aos seus filhos.

Nós, educadores e educadoras, nos preocupamos com a distração em sala, mas nossa preocupação vai além. Chega na ressocialização das nossas crianças, o “sim” para o brincar na quadra, para as rodas de conversa animadas nos pátios, para a leitura de um livro “físico” enquanto aguardam a próxima aula…

E tudo isso é possível!

Paulo Figueiredo é professor de Análises Clínicas da FUNEC- Unidade Centec.

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