Não só é possível, como também urgente, intervir nos sistemas socioeconômicos para provocar ou acelerar o desenvolvimento (BRITTO, 2024).
O desenvolvimento econômico é o principal objetivo dos países no contexto internacional. Neste cenário, ele envolve variáveis como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e as mais diversas mudanças estruturais, sociais e institucionais, produtoras de avanços consistentes e de longo prazo na qualidade de vida da população (BRITTO, 2024). As principais teorias do desenvolvimento econômico nasceram no pós-Segunda Guerra Mundial, momento em que a aceleração do crescimento dos países era questão de sobrevivência e soberania.
As teorias clássicas associam tal progresso à substituição de setores tradicionais por setores progressivamente mais modernos, ressaltando a importância da diversificação produtiva como forma de elevar as exportações e o crescimento da renda (HAUSMANN; HWANG; RODRIK, 2006). Assim, embora possa ser alcançada por meio de estratégias distintas, a ideia de desenvolvimento econômico está intrinsecamente relacionada à mudança estrutural, isto é, à aprendizagem e domínio de novas atividades econômicas, cada vez mais tecnologicamente especializadas.
No Brasil, a partir da era Vargas, a Substituição de Importações marcou o período desenvolvimentista brasileiro. Essa é uma política em que um país busca independência de bens e serviços estrangeiros, produzindo-os internamente em vez de comprá-los no exterior, enfatizando a industrialização como motor do crescimento (PREBISCH, 1949; FURTADO, 1961). Essa estratégia estimulou a criação de distritos industriais nas periferias urbanas (FURTADO, 1961), momento em que cidades como Contagem, Betim, ABC paulista, Camaçari foram estruturadas na lógica de cidades fábrica.
Em Contagem, a implantação do Distrito Industrial no período marcou o objetivo de construir polos fabris no país. Betim, município vizinho, recebeu a fábrica da Fiat em 1976, consolidando o polo automotivo da RMBH. Essas ações são exemplos de que a expansão industrial no Brasil à época exigiu forte ação estatal em infraestrutura e concentração metropolitana, fato observado por Dulci (1999), que dizia que o Estado agia para preencher os vazios em segmentos importantes, fruto do atraso da região, com o objetivo de propiciar a arrancada econômica via industrialização.
Em momento paralelo, o Desenvolvimentismo Estatal (1950–1970) teve forte influência nas políticas econômicas do Brasil (SCHNEIDER, 2013). Ainda no governo Getúlio e em continuidade com Juscelino e João Goulart, foram criados o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, (BNDE) (anos 1950); uma empresa estatal de petróleo (Petrobras, anos 1953); e as políticas setoriais para a implantação de uma indústria automobilística (anos 1950) (SCHNEIDER, 2013). A partir de 1956 o país iniciou a construção de rodovias em larga escala. O Plano de Metas, projeto desenvolvido no governo de Juscelino, tinha como objetivo investir em transporte rodoviário para atrair as indústrias automobilísticas para o país (ALBERGARIA, 2023).
Neste contexto, o Plano Rodoviário Nacional e o Plano Rodoviário Estadual de Minas foram criados e tinham como objetivo a construção de uma malha de 12 mil quilômetros. Focado nessa meta, o DER-MG transformou Minas Gerais em um grande canteiro de obras para a construção de estradas que ligariam entre si os principais pontos urbanos do estado (DER-MG, 2024). Em Contagem, as BRs 381, 040 e 262 são pontos que representam esse desenvolvimento rodoviário à época. A BR-381, ligação Belo Horizonte e São Paulo, foi iniciada em 1952 e concluída em 1961 (Ministério dos Transportes, 2024). Já a BR-040, chamada BR-3, teve o trecho de Juiz de Fora a Belo Horizonte inaugurado pelo Presidente Kubitschek em 1957 (ESTADO DE MINAS, 2012). Ademais, a BR-262, chamada á época de BR-31 e grande cardinal do brasil, teve sua pavimentação concluída em 1960 do trecho BH-João Monlevade (LIMA, 2023). Em último exemplo, a via-expressa, importante avenida da RMBH, teve o trecho entre Belo Horizonte e Contagem iniciado em 1976 e concluído em 1982, construído pelo DER-MG (DINIZ, 2016).
Anos passados, durante as décadas de 1980 e 1990 o país foi marcado pela crise inflacionária e diversos planos que tentavam malsucedidamente contê-la. Nos anos 80 houve estagnação do nível de atividade, em virtude dos desequilíbrios macroeconômicos e, em especial, pela hiperinflação (PINHEIRO; GIAMBIAGI; GOSTKORZEWICZ, 1999). Em revanche, nos anos 90 o Estado teve sua ação econômica fortemente reformulada, indo de impulsionador direto do desenvolvimento econômico, quando alocador dos fatores de produção, para um Estado regulador e fiscal da economia (idem).
Em Contagem, a partir da metade da década de 1980, houve a redução na ocupação industrial, impulsionada por restrições fundiárias, déficits de infraestrutura e conflitos ambientais, com leve recuperação apenas no início dos anos 1990, em meio à crescente participação do comércio e serviços (DINIZ; FIGUEIREDO, 2000; CONTAGEM, 2012). Paralelamente, observou-se um processo de esvaziamento e reconfiguração das antigas áreas industriais, a partir do enfraquecimento dos mecanismos institucionais de suporte à industrialização que passaram a ser ocupadas por novas atividades urbanas, sobretudo comércio e logística (MAGALHÃES, 2017).
O início dos anos 2000 foi marcado por um ciclo de crescimento associado à estabilidade macroeconômica do Plano Real e ao boom das commodities, que impulsionou as exportações e fortaleceu o mercado interno (BALTAR, 2015). Contudo, ao mesmo tempo em que houve expansão industrial em segmentos vinculados ao consumo e à exportação, registrou-se também uma tendência de terciarização da economia, com o setor de serviços aumentando sua participação relativa no Produto Interno Bruto (IBGE, 2023). A literatura aponta que o país vivenciou um processo de “desindustrialização precoce”, no qual a indústria perdeu espaço sem que tivesse completado plenamente seu ciclo de sofisticação tecnológica, o que levou a uma maior dependência dos serviços e do comércio interno (BONELLI; PESSÔA, 2010).
Esse contexto nacional encontrou ressonância na cidade, já que a indústria tradicional perdeu dinamismo a partir dos anos 2000, com a arrefecimento de áreas da Cidade Industrial Coronel Juventino Dias em detrimento do fortalecimento da logística e atacado (ROSA, 2012; MAGALHÃES, 2017). Assim, o comércio popular consolidou-se, sobretudo no bairro Eldorado, ao lado da expansão de equipamentos formais, como o ItaúPower Shopping (2003) e a rede de atacarejos vinculados ao Ceasa, que ampliaram a função de Contagem como entreposto metropolitano. Segundo o Índice Sebrae de Desenvolvimento Econômico Local – ISDEL(1), em 2018 a cidade ocupava 2ª posição geral no ranking estadual, se destacando como 1º lugar em Minas na Inserção Competitiva (SEBRAE, 2021).
Tudo bem considerado, os setores estratégicos na cidade estiveram fortemente associados à indústria de transformação, ao longo de sua história, em especial à metalurgia, química, alimentos e ao setor automotivo, além da logística vinculada à sua localização privilegiada na malha viária da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essas atividades consolidaram a imagem de Contagem como cidade industrial, sendo responsáveis por grande parte de sua arrecadação e geração de empregos durante o século XX. Entretanto, nas últimas décadas, observa-se uma transição gradual: o setor de comércio e serviços passou a ocupar posição de destaque, tanto em volume de empregos quanto em participação na economia local, refletindo tendências mais amplas da urbanização e da terciarização da economia brasileira. Atualmente, a dinâmica econômica do município combina a herança industrial com o fortalecimento do comércio atacadista, do varejo e de serviços diversos, configurando novos desafios e oportunidades para o desenvolvimento.
Finalmente, como apresentado por José Prata em seu texto “Marília aqui, Lula lá; isto fez toda a diferença para Contagem”, a simultaneidade entre os mandatos de Marília e Lula foram cruciais para o desenvolvimento da cidade. As obras do PAC I, II e III, impulsionaram o investimento público que retroalimentaram a economia da cidade nas últimas duas décadas. Apresentaremos texto futuro sobre os avanços no governo Marília e a situação da diversificação atual.
Amanda Moreira é estudante de Relações Econômicas Internacionais na UFMG. Estagiária da Diretoria de Informações Econômicas e Fiscais na Secretaria de Fazenda de Contagem.
Keith Richard é formado na USP e Mestrando em Economia na UFMG. Diretor de Informações Econômicas e Fiscais na Secretaria Municipal de Fazenda de Contagem
NOTA
(1) O ISDEL é uma ferramenta prática de análise dos territórios, que sintetiza variáveis em 5 dimensões (capital empreendedor, tecido empresarial, governança para o desenvolvimento, organização produtiva e inserção competitiva), a fim de identificar os pontos onde devem ser concentrados os principais esforços para se promover um desenvolvimento econômico sustentável, socialmente inclusivo e com uma visão de futuro estabelecida. A estrutura do índice posiciona os territórios entre uma escala que varia de 0 a 1, sendo 1 o maior o nível de desenvolvimento econômico (SEBRAE, 2021).
REFERÊNCIAS
ALBERGARIA, Danilo. As primeiras estradas de rodagem do Brasil. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 330, ago. 2023. Disponível em:< https://revistapesquisa.fapesp.br/as-primeiras-estradas-de-rodagem-do-brasil/>. Acesso em: 27 ago. 2025.
BALTAR, Paulo. Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil. Brasília, DF: IPEA, 2015. (Texto para Discussão, n. 2036).
BRITTO, Gustavo. Fundamentos da Teoria do Desenvolvimento. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Cedeplar. Apostila do Curso de Atualização em Políticas de Desenvolvimento e Inovação. Belo Horizonte: UFMG, 2024. p. 6-12.
BONELLI, Regis; PESSÔA, Samuel. Desindustrialização no Brasil: fatos e interpretação. Texto para Discussão, IPEA, n. 1587, 2010.
CONTAGEM (MG). Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral. Relatório ODM Contagem e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Contagem, MG: Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral, 2012.
DER-MG – DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DE MINAS GERAIS. História do DER-MG. [S. l.], 2024. Disponível em: <https://www.der.mg.gov.br/institucional/sobre-o-deer-mg/historia-do-deer>. Acesso em: 27 ago. 2025.
DINIZ, Aline. Oito motivos que fizeram da Via Expressa uma ‘avenida perigosa’. O Tempo, [s.l.], 11 jul. 2016. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/cidades/oito-motivos-que-fizeram-da-via-expressa-uma-avenida-perigosa-1.1336046>. Acesso em: 27 ago. 2025.
DINIZ, Clélio Campolina; FIGUEIREDO, Ana Tereza Lanna. Distribuição regional da indústria mineira. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 39-69, dez. 2000.
DULCI, Otavio Soares. Política e Recuperação econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
ESTADO DE MINAS. Cinquentenária, BR-040 mantém importância para o desenvolvimento econômico. Estado de Minas, Belo Horizonte, 5 fev. 2012. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/02/05/internas_economia,276189/cinquentenaria-br-040-mantem-importancia-para-o-desenvolvimento-economico.shtml>. Acesso em: 09 set. 2025.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1961.
HAUSMANN, Ricardo; HWANG, Jason; RODRIK, Dani. What You Export Matters. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2006. 47 p. (NBER Working Paper Series, n. 11956).
IBGE. Produto Interno Bruto dos Municípios: 2002–2021. Rio de Janeiro: IBGE, 2023.
LIMA, M. G. de S. Rodovia e Cidade: a rodovia BR-262 em Minas Gerais e seus aspectos urbano-regionais. 2023. 138 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2023.
MAGALHÃES, Fabiano Rosa de. A Cidade Industrial de Contagem: da produção da metrópole via industrialização à reordenação recente das antigas áreas industriais. Revista de Geografia (Recife), v. 34, n. 1, p. 50-72, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rgf/a/Z5J9Y5J8w5F5L5F5w5F5/?lang=pt
MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. O capítulo final da Rodovia da Morte. 29 ago. 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/noticias/2024/08/o-capitulo-final-da-rodovia-da-morte>. Acesso em: 27 ago. 2025.
PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fabio; GOSTKORZEWICZ, Joana. O Desempenho Macroeconômico do Brasil nos Anos 90. 1999. Tese (Dissertação de Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
PREBISCH, Raúl. El Desarrollo Económico de América Latina y algunos de sus problemas. Santiago: CEPAL, 1949.
ROSA, Cássia de Fátima Silva Oliveira. Território, indústria e desenvolvimento: o caso da Cidade Industrial Coronel Juventino Dias, no município de Contagem (MG). Tese (Doutorado em Geografia) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2012. Disponível em: <https://repositorio.pucminas.br/handle/123456789/14761>. Acesso em: 26 ago. 2025
SCHNEIDER, Ben Ross. O estado desenvolvimentista no Brasil: perspectivas históricas e comparadas. Rio de Janeiro: IPEA, 2013. (Texto para Discussão, n. 1871).
SEBRAE/MG. Notas metodológicas — Índice Sebrae de Desenvolvimento Econômico Local – ISDEL. Belo Horizonte: SEBRAE/MG, 2021. 40 p. Disponível em: <https://www.isdel-sebrae.com/_files/ugd/e95129_fb3820cf8e1946a5b24309682635ce29.pdf>. Acesso em: 2 set. 2025