Romeu Zema ganhou as eleições em primeiro turno com 56,2% dos votos. Seus objetivos políticos prioritários são dois: controlar a Assembleia Legislativa, para deslanchar sua pauta privatista, e se cacifar, através de um governo bem avaliado, para a eleição presidencial de 2026. Os acontecimentos do início de 2023 mostraram grandes dificuldades nos dois grandes objetivos do governador mineiro.
ROMEU ZEMA PERDE E TADEU LEITE SERÁ O PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DE MINAS. O governador sofreu uma grande derrota neste início de ano: o deputado Tadeu Leite (MDB), candidato moderado da oposição, será eleito para a presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Romeu Zema e seu secretário de governo, Igor Eto, literalmente “meteram os pés pelas mãos”. Lançaram a candidatura de Roberto Andrade (Patriota), que, por falta de apoio, acabou sendo “cristianizado”; em um segundo movimento lançaram o nome de Duarte Bechir (PSD), por ser um nome mais “palatável” na ALMG, nome retirado e também “cristianizado”; na reta final das articulações, Romeu Zema ainda sondou os nomes de Antônio Carlos Arantes (PL) e Gustavo Valadares (PMN), que recusaram a empreitada. Sem apoio majoritário na Assembleia Legislativa, Romeu Zema fechou o apoio ao deputado Tadeu Leite como candidato único à presidência da ALMG.(…) No processo de articulação, o secretário de Governo saiu extremamente “queimado”, dentre outras coisas ter indicado candidato sem respaldo político e por ter exigido de um coronel da PM que articulasse um deputado do PL para votar no candidato do governo. Romeu Zema conseguiu a façanha de unir petistas e outros deputados de esquerda com os bolsonaristas do PL em torno de uma mesma candidatura. Por que isto aconteceu? Pode ter pesado os atropelos do secretário de governo, mas o mais provável é que os bolsonaristas se sentem incomodados com Romeu Zema por ele buscar se cacifar como o representante do anti-petismo para ocupar o espaço de Bolsonaro em 2026. Ou seja, a divisão da direita derrotou Romeu Zema.
ROMEU ZEMA “PASSA PANO” PARA OS TERRORISTAS QUE DESTRUIRAM OS PRÉDIOS DOS TRÊS PODERES EM 8 DE JANEIRO. Romeu Zema adota um vale-tudo contra Lula e o PT para se cacifar junto ao eleitorado de direita e de extrema direita visando a eleição presidencial de 2026. Ele declarou a uma rádio gaúcha: “O governo fez vista grossa para ser vítima. Me parece que houve um erro da direita radical, que é minoria. Houve um erro também, talvez até proposital, do governo federal, que fez vista grossa para que o pior acontecesse, e ele se fizesse, posteriormente, de vítima. É uma suposição. Mas as investigações vão apontar se foi isso”.(…) O ministro da Justiça, Flávio Dino, chamou o governador mineiro de “candidato” e que fala é “deplorável”. “Me espanta que o governador Zema tente vestir a roupa do Bolsonaro. Não cabe nele… É preciso que ele tenha algum amigo sincero que diga a ele… Primeiro porque Minas Gerais é a terra de Tiradentes, de Tancredo Neves, é a terra da democracia… Então não é possível que um governador de modo vil se alinhe à extrema direita para proteger terrorista. Um apelo que eu faço ao governador: num momento grave é preciso ter ponderação. Imagine se alguém tivesse dito no dia seguinte à tragédia de Brumadinho que ele sabia e deixou acontecer para poder ganhar dinheiro? Como ele se sentiria? Isso parece aquela história do estupro, que uma mulher é estuprada e ao mesmo tempo é acusada de ser a culpada porque estava de vestido curto… Nós não somos agentes do que aconteceu. Nós somos vítimas… Não é vitimização, nós somos vítimas”. Como vimos no item anterior, não será uma tarefa fácil para Romeu Zema se credenciar como o representante da direita em 2026.
PARTIDO NOVO TEM UM ÚNICO PONTO DO PROGRAMA: “PRIVATIZAR TUDO”; ROMEU ZEMA É O “LIQUIDANTE” DO ESTADO. O Partido Novo é o velho liberalismo do século XIX. Impressionante como o quadro mais ilustre deste Partido, Romeu Zema, não tem qualquer apreço pela coisa pública; não se vê nunca uma declaração do governador de apreço pela educação pública, pela saúde pública, ele só vê defeitos nas estatais. O programa do Romeu Zema nas eleições de 2018, e agora em 2022 repetido novamente ainda que de forma mais genérica, é o mais privatista do Brasil. É uma versão extremada do programa “Uma ponte para o futuro”, de Temer, e do programa de Bolsonaro / Paulo Guedes. A versão do programa entregue à Justiça Eleitoral em 2018 é mais genérica, mas uma versão mais completa, que utilizamos em um estudo que fizemos, por ter suscitado muita polêmica, sumiram com ela da Internet. A cópia que dispomos foi divulgada pelo senador Antônio Anastasia. Mais que empresas estatais, propõe-se privatizar tudo. Privatizar Cemig, Copasa e outras entidades públicas do Estado. Na educação, se propõe acabar com as escolas públicas e conceder bolsas, da pré-escola ao ensino médio, para as escolas privadas. Na saúde, acabar com o SUS e oferecer planos de saúde privados à população. Logo na introdução, Zema defende o Estado mínimo: “Acreditamos que a garantia da liberdade é a única e verdadeira função do estado, e que, por isso, ele deve ser mínimo, pois o indivíduo deve ser dono de si”. Se o Estado deve ser mínimo, basicamente presente na segurança pública para garantir a reprodução do capital, se não serve para quase nada, o que motivou Romeu Zema a se candidatar ao governo do Estado? Para tentar privatizar tudo. Ou seja, Romeu Zema não age como governador dos mineiros, age como grande empresário que tem como única meta vender o Estado e os serviços públicos para os seus amigos grandes empresários do setor privado. É um “liquidante” do Estado. Utilizamos o alfabeto para citar as privatizações de Romeu Zema. Deu o alfabeto completo. Divulgamos, então, um estudo que denominamos “As privatizações de Zema de A a Z”.
O jornal “O Tempo” divulgou, agora em janeiro de 2023, um caderno especial sobre o segundo governo Romeu Zema. O governador repete sua estratégia do “privatiza tudo”. Diz o jornal: “O principal desafio será montar uma base sólida que dê maioria ao Palácio Tiradentes na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e garanta a aprovação de projetos prioritários, como as privatizações de Cemig, Copasa e Codemig”. Outro objetivo do governador é aprovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), onde um dos principais pontos é, exatamente, a exigência de privatização de todas as estatais mineiras; espera-se que o governo Lula reveja o RRF e retire as exigências de privatizações deste plano de recuperação fiscal do Estado. Outros planos de Romeu Zema são concluir as obras dos hospitais regionais, a construção do Rodoanel, recuperação e rodovias estaduais, tudo também para ser entregue ao setor privado.
Romeu Zema tem como uma das estratégias construir no imaginário popular a figura do “homem simples”, que cuida dos serviços domésticos, e que rompeu com os privilégios dos Palácios. Isto, à primeira vista, parece muito com as posturas da prefeita petista Marília Campos de Contagem. Mas são posturas opostas as de Romeu Zema e Marília Campos. Romeu Zema, o “cidadão comum” é pura marquetagem, ele põe o pão de queijo para assar mas não sabe fazer pão de queijo, ele lava vasilhas mas nunca aparece cozinhando; o combate aos privilégios de Romeu Zema é para “desconstruir” a coisa pública e para fortalecer a proposta do “privatiza tudo”; ou seja, sua visão é aumentar a desigualdade ainda mais, “é cada um por si”, é a selvageria do mercado.(…) Já Marília, na expressão popular, “é gente como a gente”, porque seu marketing é autêntico: a cozinheira, a compra na feira, a circulação no meio do povo sempre foi uma prática desde que ela entrou para a vida política; e a recusa aos privilégios é para dar sentido de igualdade à sua militância, porque quem combate de fato os privilégios públicos e privados precisa dar o exemplo de uma vida simples e austera.
A VERDADE SOBRE A SITUAÇÃO DE MINAS: DÍVIDA PÚBLICA DISPARA NO GOVERNO ROMEU ZEMA, DE R$ 113,818 BILHÕES PARA R$ 157 BILHÕES. Temos mostrado em nossos estudos que Minas Gerais tem “desequilíbrios estruturais”, que impossibilitam uma solução duradoura para as finanças públicas estaduais. Mas, quase sempre, os governos estaduais que se sucederam fazem uma politização “rasteira” desta questão e jogaram a culpa pela deterioração fiscal nos governos anteriores. É como se a crise fiscal de Minas se resumisse a uma questão “de gestão”, de “competência administrativa”, e não fosse resultado de desequilíbrios de difícil solução, como no caso da Lei Kandir que desonerou do ICMS as exportações de Minas Gerais. Já se passaram cinco governos – Itamar Franco, Aécio Neves, Antônio Anastasia, Fernando Pimentel, e agora Romeu Zema —, e a dívida de Minas Gerais continua próxima a 200% da receita corrente, limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que a torna inadministrável. Vale dizer que o limite de endividamento de 200% da receita, com os juros altos como temos no Brasil, é insustentável; tudo indica que os legisladores fixaram este limite, e não o limite de 120% dos municípios, porque poderia inviabilizar estados, como Minas Gerais, que deviam, antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, mais de 200% da receita.
Veja na tabela a trajetória da dívida consolidada líquida (dívida consolidada menos as disponibilidades financeiras do Estado), referência da Lei de Responsabilidade fiscal, nos últimos 20 anos: a) a dívida era de 242,80% da receita no início do ciclo tucano em 2003 e fechou em 2014, fim do ciclo tucano, com 178,97%; b) no governo Fernando Pimentel, a dívida ficou quase estável e atingiu 189,93%; c) no governo Romeu Zema, a dívida caiu pouco e, em 2021, atingiu 169,38%; queda que aconteceu pelo forte avanço inflacionário da receita estadual no período. Como se vê não aconteceu uma mudança estrutural na dívida de Minas Gerais que continua rondando os 200% da receita de 30 anos atrás.
O governador Romeu Zema não se cansa de afirmar que arrumou as finanças de Minas. Mentira. A dívida consolidada, em termos nominais, disparou nos quatro últimos anos de R$ 113,818 bilhões para R$ 157,300 bilhões (dados dos segundo quadrimestre de 2022), sendo aproximadamente 92% do total com o governo federal. Romeu Zema conta com uma liminar do Supremo Tribunal Federal – STF, que suspendeu o pagamento da dívida de Minas; sem esta liminar o governo Romeu Zema teria acabado. A disparada da dívida de Minas, não desgastou Romeu Zema porque não tem impacto “ainda” no dia a dia da população; até pelo contrário: foi a moratória da dívida (de R$ 35,6 bilhões), que garantiu os recursos para o pagamento dos servidores e dos municípios. O que isto significa? Quando Minas Gerais voltar a pagar a dívida, seja por decisão judicial ou pela adesão ao plano do governo federal, os encargos da dívida serão tão elevados que irão inviabilizar financeiramente o nosso Estado novamente.
ROMEU ZEMA ESTÁ MUITO FORTE E SERÁ DIFÍCIL ENFRENTÁ-LO NOS PRÓXIMOS ANOS. Romeu Zema venceu as eleições com 56,2% e estará bem mais forte no próximo período e a esquerda precisa se preparar para tempos cada muito mais difíceis, por diversas razões.(…) Primeira: Romeu Zema fez um violento ajuste nas despesas de pessoal. Minas Gerais vem há algum tempo com despesas de pessoal muito acima os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, devido à desaceleração da economia e das receitas públicas a partir de 2013; a uma recessão nos anos 2015 e 2016, que foi a maior da história brasileira; e a uma saída da recessão, a partir de 2017 que foi a pior também da história brasileira, com taxas médias de crescimento de 1%; e de outro lado alguma evolução das despesas, sobretudo na área de segurança e educação, além do chamado crescimento vegetativo. As despesas de pessoal tinham números subestimados; a partir de 2011, no governo Anastasia, se passou a excluir dos gastos de pessoal, grande parte das despesas com aposentados. Romeu Zema venceu as eleições em 2018, e já a partir daquele ano passou a contabilizar despesas de pessoal de acordo com as orientação da Secretaria do Tesouro Nacional, o que elevou as despesas de pessoal naquele ano, para 66,65% da receita no Poder Executivo (acima do limite de 49%) e no consolidado dos poderes as despesas chegaram a 76,48% da receita (acima do limite de 60%). Romeu Zema fez então um fortíssimo ajuste inflacionário com o congelamento dos salários dos servidores: a receita subiu em seu governo de 56,345 bilhões para R$ 89,048 bilhões (até o segundo quadrimestre de 2022), um avanço de 58%; já as despesas de pessoal (Poder Executivo) passaram, no mesmo período, de R$ 37,556 bilhões para R$ 43,503 bilhões, um avanço de apenas 15,8%; no consolidado dos Poderes, as despesas passaram entre 2018 e 2021 (não temos os dados de 2022) de 43,095 bilhões para R$ 47,020 bilhões, um avanço também modesto de 9%. Resultado deste arrocho radical: as despesas de pessoal em 2022 estão em 48,86% da receita (Poder Executivo) e em 57,04% da receita (no consolidado dos poderes).(…) Segunda e importante: a suspensão do pagamento da dívida de Minas pela liminar do STF reduziu as despesas do Estado em R$ 9 bilhões ano, foi com esse não pagamento, e não com a eficiência como os novistas afirmam, que Zema pagou os servidores, fez os repasses aos municípios e pagou valores não repassados em tempo certo; neste novo mandato, seja através da manutenção de liminar ou com acordo com o governo Lula, Minas continuará com o pagamento da dívida suspenso, e, mesmo com o retorno gradual do pagamento a partir do segundo ano, os recursos economizados poderão ser investimentos em custeio e obras.(…) Terceira: os acordos com a mineração pelos crimes com o desabamento das barragens injetarão recursos expressivos de R$ 37 bilhões no Estado para grandes obras como o Rodoanel, além de possibilidade de mais muitos bilhões com o eventual acordo de Mariana.(…) Quarta: é de se esperar que no governo Lula o crescimento de nossa economia passe da média de 1,5% do governo Bolsonaro para uma média de pelo menos 2,5% a 3% ao ano, o que trará novas receitas para o Estado e novos investimentos federais.(…) Quinta: não se sabe ainda de quantos deputados será a base do governo Romeu Zema na ALMG, mas com certeza será muito maior do que aquela que o governador contou no primeiro mandato; mesmo perdendo a eleição para a presidência da ALMG, o governador fará de tudo para reunir uma base de apoio que lhe dê maioria em Emendas Constitucionais, para, por exemplo, privatizar a Copasa e Cemig.(…) Sexta, é preciso também se preparar para enfrentar o governador nas eleições municipais de 2024, pois sem a vitória de novistas e aliados nas principais cidades dificilmente ele se cacifará para a presidência em 2026; isso será uma forma para, inclusive, ele compensar o fracasso do Partido Novo nas urnas, onde recuou, no plano nacional, de oito deputados federais para apenas três, com a derrota dos dois novistas de Minas Gerais.
José Prata de Araújo é economista