Neste ano, Contagem celebra 114 anos de emancipação política. Mas a história desse território vai muito além dessa data oficial! Antes de se tornar cidade, a região era conhecida como Arraial de São Gonçalo da Contagem das Abóboras, um nome curioso que carrega as marcas do passado. “Contagem” fazia referência ao posto de fiscalização por onde passavam mercadorias e viajantes. Já São Gonçalo de Amarante, o santo protetor dos viajantes, deu nome à igreja que se tornou o ponto central do vilarejo.
Um dos registros materiais mais antigos que ajudam a contar essa história é o cajado de São Gonçalo, peça que guarda em sua estrutura marcas do tempo e da fé. O objeto possui inscrições reveladoras: de um lado lê-se “Feito em Dezembro de 1725 anos” e, do outro, “São Gonçalo da Contage” — essa última grafia nos remete diretamente ao nome antigo da cidade. Na parte inferior do cajado, ainda está gravado “30 oitavas”, o que provavelmente indicava o valor atribuído à peça na época de sua confecção.
Pesquisas e estudos técnicos sobre o cajado indicam que ele foi produzido antes mesmo da imagem do santo, o que explica o fato de não se encaixar perfeitamente na mão da escultura. Mas, mais do que um detalhe, isso revela o quanto esse cajado é um dos símbolos mais antigos do início do povoamento da região, datando aproximadamente da primeira metade do século XVIII no processo formativo do que seria Contagem.
A imagem do santo é uma escultura sacra esculpida em madeira, pintada com tinta a óleo e detalhes em “pastiglio” (uma técnica de relevo decorativo), além de ter elaborados trabalhos em dourado e olhos de vidro. Estudos sobre imagens sacras indicam que a técnica de olhos de vidro começou a aparecer em Minas Gerais por volta de 1748, o que ajuda a datar a peça. Além disso, conta com dois acessórios: um esplendor de prata removível, que é colocado no topo da cabeça do santo (onde há um orifício específico para encaixá-lo), e um cajado de prata, que fica em sua mão direita. Esses detalhes enriquecem ainda mais o valor artístico e histórico dessa representação de São Gonçalo do Amarante.
Neste domingo, dia 6, um importante capítulo da nossa história será celebrado. Será entregue à comunidade da Paróquia São Gonçalo, à Comunidade Quilombola dos Arturos e a toda a população de Contagem o tão esperado dossiê de tombamento, produzido em 2024. Esse momento é muito mais do que uma entrega formal — é o reconhecimento oficial da importância cultural, histórica e simbólica desse território e de suas tradições. É o resultado do trabalho coletivo, da resistência e do orgulho de um povo que preserva sua fé, suas memórias e sua identidade.
A produção do dossiê de tombamento da Imagem de São Gonçalo foi viabilizada durante o Governo Marília, que tem como compromisso permanente a preservação e salvaguarda da história e do patrimônio de Contagem. No mesmo período, foram realizadas mais de 110 visitas técnicas por toda a cidade, com o objetivo de registrar e documentar outros bens culturais de relevância para o município. Destaca-se, ainda, a importante parceria com a comunidade Paróquia São Gonçalo, que tem contribuído ativamente tanto no processo de pesquisa e construção do dossiê quanto na divulgação desse trabalho em conjunto com a Prefeitura.
O tombamento é um instrumento legal criado para proteger o patrimônio cultural brasileiro, reconhecendo sua importância histórica, artística ou natural. Ele pode ser aplicado a prédios, objetos, documentos, obras de arte e até paisagens que tenham valor especial para a sociedade. Esse mecanismo foi estabelecido em 1937 pelo Decreto-Lei nº 25, tornando-se a primeira lei de preservação do patrimônio não só no Brasil, mas em toda a América. No Brasil, o termo passou a ser usado para designar o ato de registrar e proteger bens culturais em livros específicos, chamados Livros do Tombo.
No âmbito municipal, a Lei nº 4.647/2013 regulamenta como o tombamento deve ser feito, definindo regras para a preservação de bens de acordo com sua natureza. O processo pode ser iniciado pelo proprietário do bem, pelo prefeito, pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAC) ou até mesmo por qualquer cidadão que reconheça o valor do patrimônio e queira garantir sua proteção. Dependendo do tipo de bem – como um prédio histórico, uma obra de arte ou uma área natural –, o registro é feito em livros diferentes.
Em resumo, o tombamento é uma forma de assegurar que a memória e a identidade cultural dos locais sejam preservadas, evitando que construções, objetos ou paisagens importantes sejam perdidos ou destruídos. A partir disso, a Diretoria de Memória e Patrimônio em parceria com a Igreja Matriz São Gonçalo, após um extenso diálogo, optaram por realizar o tombamento da Imagem de São Gonçalo do Amarante, uma das imagens mais antigas do município e da comunidade pelo seu valor histórico, artístico e simbólico para a população contagense.
Estamos prestes a vivenciar mais um importante momento de celebração e de construção coletiva em prol da preservação da história de Contagem. Compartilhamos, acima, o convite para que você esteja conosco nesse marco tão significativo!
Gabrielle Vaz é formada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, nas modalidades de Licenciatura e Bacharel. Pós-graduação lato sensu em Gestão e Projetos de Patrimônio Cultural pelo IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e a UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais. Atua como gerente de museologia, arqueologia e bens patrimoniados na Secretaria de Cultura de Contagem.
Rafael Braga é graduando do 8º período em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, nas modalidades de Licenciatura e Bacharel. Atua como gerente do Centro de Memória do Trabalhador Industrial de Contagem na Secretaria de Cultura de Contagem.