A mobilidade urbana vem se tornando cada vez mais uma grande preocupação da população em geral, sobretudo nas médias e grandes cidades. Essa preocupação transforma-se em desafio para os gestores públicos e técnicos que têm que buscar soluções de forma a garantir que os deslocamentos das pessoas nas cidades ocorram com o máximo de segurança, fluidez, conforto e acessibilidade.
Os problemas e desafios da mobilidade urbana tornam-se ainda maiores quando se trata de questões em regiões metropolitanas, como é o caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. O assunto não é novidade e, de uma forma ou de outra, vem sendo objeto de reuniões e tratativas envolvendo diversas Prefeituras da RMBH com o Governo Estadual e em alguns casos até o Governo Federal. Salvo raras exceções, a mobilidade urbana em uma região metropolitana envolve interesses e aspectos que podem e devem ser tratados dentro de um contexto mais abrangente, pois praticamente todas as ações e projetos de uma cidade acabam por interferir na cidade vizinha e, por sua vez, acabam por envolver também os Governos Estadual e Federal.
Não há como obter pleno sucesso nas iniciativas para resolver os problemas de mobilidade se os entes federativos não dialogarem e não buscarem a união de esforços para atender ao cidadão e cidadã que moram, trabalham, estudam e fazem todas suas atividades na RMBH.
Quando falamos em mobilidade urbana integrada, estamos trazendo para o contexto todas as questões que envolvem o trânsito de veículos e pedestres; o transporte de passageiros, seja público ou privado; o transporte de carga; a mobilidade ativa e todos s demais aspectos que envolvem os deslocamentos das pessoas e das cargas nas cidades.
Estamos, portanto, falando da vida cotidiana de cada um de nós, quer sejamos motoristas, quer sejamos passageiros, quer sejamos pedestres, quer sejamos os beneficiários e destinatários finais das cargas que circulam na RMBH, abastecendo o comércio, a indústria e os setores de prestação de serviços.
Fundamental também entender que os deslocamentos acontecem na RMBH sem respeitar os limites municipais, ou melhor seria dizer, independentemente das divisas municipais. Parcela significativa da população da RMBH mora em uma cidade, trabalha em outra, estuda em uma terceira e assim sucessivamente. Alguns moram em Contagem, trabalham em Belo Horizonte e estudam em Betim; outros moram em Nova Lima, trabalham em Vespasiano e estudam em Belo Horizonte; outros tantos moram em Betim, estudam em Contagem e trabalham em Santa Luzia; outros trabalham em Betim, moram em Ibirité e namoram em Contagem; outros moram em Pedro Leopoldo e vão à Capital Belo Horizonte para fazer um tratamento de saúde; vários moram nas cidades vizinhas à Capital e se deslocam para Belo Horizonte para assistir a um evento esportivo ou a um a show no Mineirão, no Estádio Independência ou na Arena MRV, por exemplo; e por aí vai…. Com estes exemplos estamos apenas mostrando que os deslocamentos na RMBH ocorrem para atender as necessidades das pessoas que não têm como realizar todas as suas atividades na cidade onde moram, o que as obriga a ir de uma cidade a outra no seu dia a dia.
E para realizar esses deslocamentos as pessoas enfrentam situações de toda sorte e imensas dificuldades, seja na questão viária seja na questão do transporte público de passageiros, pois não há, ou pelo menos não houve até agora, um alinhamento das soluções e possibilidades efetivas para ofertar ao cidadão alternativas de deslocamento seguras, acessíveis e confortáveis.
Voltemos ao título deste artigo para refletirmos um pouco mais sobre a provocação a que ele nos remete: “Mobilidade urbana integrada na RMBH: do sonho à realidade”.
Fato é que o cidadão e cidadã que vive na RMBH sempre “sonhou” em ter um transporte integrado, seja sob o ponto de vista da tarifa seja sob o aspecto da integração física. Também “sonha” em dispor de soluções viárias que efetivamente integrem as cidades e facilitem assim o deslocamento, seja ele feito por ônibus, por metrô ou outro modo de transporte.
Não é razoável que em pleno século XXI, já quase findando o primeiro quarto do século, ano de 2025, ainda tenhamos que ver uma pessoa que circula de ônibus em Belo Horizonte e Contagem, por exemplo, tendo que ter dois ou três cartões diferentes para usar os ônibus do transporte público, pois em cada cidade há um sistema municipal de transporte com bilhetagem eletrônica próprias e elas não “conversam entre si”.
Não é razoável que tenhamos uma mesma via, que apenas muda de nome em alguns casos, mas que exerce a mesma função e tem o mesmo uso na prática, sendo regulamentada com velocidades diferentes simplesmente porque passam de um município para o outro.
É estranho demais, e chega a ser até bizarra a situação, ver que linhas de ônibus urbanos que “adentram poucos metros em uma outra cidade”, muitas vezes apenas para fazer um retorno ou um atendimento de interesse da população, serem enquadradas como “linhas metropolitanas” e sendo assim imputar aos usuários uma passagem mais cara do que seria a passagem caso fossem, como de fato são na prática, uma linha municipal.
Todas essas questões citadas anteriormente e outras tantas no mesmo contexto ocorrem por diversos motivos, dentre os quais ressaltamos dois deles:
• a falta de diálogo e alinhamento efetivo e objetivo entre os entes federativos, sobretudo entre os municípios da RMBH e o Governo do Estado de Minas Gerais; e
• o equívoco em pensar na mobilidade urbana como um “negócio” que precisa gerar apenas lucros para os empresários que operam os sistemas de transporte público de passageiros.
Cabe esclarecer que não estamos aqui defendendo que os municípios deixem de ter sua autonomia para resolver seus problemas e desafios, bem como não estamos dizendo que o Governo do Estado tem sido omisso em não resolver assuntos da RMBH, pois não se trata disso. Não estamos dizendo que os empresários que operam os sistemas de ônibus e o metrô não devam ter lucros e a justa remuneração pelos seus serviços.
Estamos dizendo apenas que não há como resolver um problema de tamanha complexidade, como é o caso da mobilidade urbana na RMBH, se não houver uma mudança de paradigma e uma mudança de postura, que coloque o usuário, o cidadão e cidadã, como o foco da questão. E esse usuário, esse cidadão e essa cidadã “vivem e têm suas atividades não apenas na sua cidade, mas também em diversas outras”, ele é metropolitano.
Não se pode imputar mais tantos custos e outros ônus e desgastes para a população da RMBH para ela poder realizar seus deslocamentos cotidianos. Não se pode tratar as questões de mobilidade urbana na região como se fossem problemas apenas de caráter municipal, pois não são.
Dito isso, é alentador perceber que o sonho de uma mobilidade integrada na RMBH está caminhando a passos firmes para se tornar realidade, o que nunca aconteceu de fato, exceto iniciativas isoladas ocorridas em décadas passadas, mas que, via de regra, foram apenas de intervenções de sistema viário, como é o caso da implantação da Via Urbana Leste Oeste – VULO, inaugurada em 1982, conhecida popularmente como Via Expressa, interligando Belo Horizonte a Betim, passando por Contagem, para criar uma alternativa viária à BR 381 – Rodovia Fernão Dias no vetor oeste da RMBH.
Por que razão estamos afirmando que o sonho de uma mobilidade urbana integrada na RMBH caminha para se tornar realidade?
Falamos isso pois há uma percepção clara de que, talvez, pela primeira vez em décadas, os municípios estão de fato começando a dialogar de forma mais efetiva e buscando parcerias entre si em prol de uma mobilidade urbana melhor; e, mais ainda, dialogando de forma mais intensa com o Governo do Estado, e juntos todos com o Governo Federal.
Acima de questões político partidárias, estamos vendo que há efetivamente diálogo entre os gestores públicos na busca de soluções integradas para a mobilidade na RMBH. Estamos diante de uma oportunidade única de efetivamente avançar e conseguir superar desafios até então emperrados pela falta de diálogo, pela disputa de poder e até pelas vaidades pessoais. Finalmente, parece que todos perceberam que a questão da mobilidade urbana na RMBH não pode ser tratada com iniciativas isoladas ou apenas com intervenções pontuais sem considerar o contexto metropolitano.
Pode até ser que você que lê agora esse artigo considere que estou sendo otimista demais ou quem sabe até ingênuo em acreditar na união de esforços para resolver os problemas acima das questões político partidárias. Respeito e não vou criticar a sua opinião, caso seja essa a sua percepção! Afinal em muitos momentos ao longo da história aqui na RMBH parecia que as “coisas iriam acontecer e nada ou quase nada avançou”, corroendo em grande parte a esperança de dias melhores para a mobilidade urbana.
Contudo, o que vemos agora é muito mais que percepções e esperanças renovadas, sobretudo após a pandemia da COVID 19, que fez com que pudéssemos refletir melhor sobre todos os assuntos da vida cotidiana, dentre eles a mobilidade urbana.
Vemos ações práticas e projetos “saindo do papel e se concretizando de fato”, como é o caso da modernização e expansão do metrô, sob responsabilidade do Governo do Estado; da implantação do sistema integrado de mobilidade, o SIM, pela Prefeitura de Contagem; da implementação do BRT Amazonas, pela Prefeitura de Belo Horizonte, atualmente em fase de estudos e projetos, mas já com recursos assegurados para as obras de implantação; da municipalização do Anel Rodoviário, agora gerenciado pela Prefeitura de Belo Horizonte; das intervenções viárias na região do Belvedere e Vila da Serra, na divisa entre BH e Nova Lima; e outras tantas.
Para além da importância intrínseca de cada um destes projetos, o mais relevante é que os Municípios da RMBH e o Governo do Estado estão dialogando e buscando soluções para integrar essas intervenções sob os diversos aspectos, principalmente na integração física e tarifária.
Sem ufanismo e sem nutrir falsas esperanças, vale mencionar o que ocorreu em Contagem no último dia 27 de junho. Nesta data, a convite da Prefeita Marília Campos, houve um evento e uma visita técnica às obras de implantação do SIM – Sistema Integrado de Mobilidade, com a participação de diversos Prefeitos e várias outras autoridades, quando ficou nítida a intenção de todos em lutar e promover a integração da mobilidade urbana na RMBH. Dentre as muitas autoridades, técnicos e populares presentes ao evento, destacamos, além da Prefeita de Contagem, Marília Campos; o Prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião; o Prefeito de Betim, Heron Guimarães; o Secretário de Estado de Infraestrutura Mobilidade e Parcerias, Pedro Bruno; o Prefeito de Florestal, representando o Presidente da Granbel, João Marcelo; o Deputado Estadual João Vitor Xavier; o Vereador Bruno Barreiro, Presidente da Camâra Municipal de Contagem; o Presidente da TransCon, Rodrigo Tomaz; o Superintendente de Mobilidade de Belo Horizonte, Rafael Murta; a Presidente da BHTrans, Deusuite Mattos; o Presidente do SINTRAM, Rubens Lessa; representantes do METRÔ BH, al. Letícia; dentre outros. No evento houve a apresentação do sistema SIM e também a assinatura do Termo de Cooperação entre BH e Contagem para repasse de recursos de BH para contribuir com as obras de construção da alça viária que ligará a Av. Babita Camargos a Via Expressa de Contagem, no sentido Betim, intervenção necessária para o sistema SIM de Contagem, mas que beneficiará também Belo Horizonte, sobretudo aos usuários da região do bairro Camargos e Arena MRV. Oportuno ainda dizer que todas as Prefeituras presentes ao evento vieram acompanhadas de diversos técnicos e dirigentes dos órgãos que cuidam da mobilidade urbana em seus municípios.
Tomamos a liberdade de citar nominalmente aqui no artigo os nomes e cargos de algumas pessoas presentes ao evento, para ilustrar o quão representativo e significativo foi aquela manhã do dia 27 de junho de 2025. Naquela oportunidade, em cada fala, em cada pronunciamento e em cada olhar, inclusive durante a visita técnica que ocorreu às estações e terminais do SIM, ficou nítido o verdadeiro compromisso de todos e todas em lutar e promover ações para efetivamente integrar as ações de mobilidade urbana na RMBH.
Há coisas na vida que carregam um simbolismo muito importante e que marcam a vida das pessoas. Foi o que ocorreu no dia 27 de junho de 2025! Acredito que nessa data, coroando algumas ações e iniciativas que já vinham sendo construídas, nossas esperanças se renovaram e vale apostar e lutar juntos para que a mobilidade urbana na RMBH seja de fato integrada e promova de fato uma vida melhor para todos e todas que moram nessa região.
Sabemos todos e reafirmo que essa não é uma tarefa fácil, como escrevi recentemente aqui nesse mesmo espaço, mas é perfeitamente possível lutarmos e avançarmos nas soluções para termos uma mobilidade urbana mais integrada e um transporte público de passageiros mais seguro, confortável e acessível para toda a população da RMBH.
Retomando mais uma vez a provocação contida no título deste artigo, “Mobilidade urbana integrada na RMBH: do sonho à realidade”, pergunto a você que nos leu até aqui: O sonho pode virar realidade? SIM.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes