Quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Rejeito (PF, gov.br), muitos tentaram vender a ideia de que se tratava apenas de um caso isolado de corrupção, envolvendo servidores de segundo escalão e algumas empresas de fachada.
Mas a verdade é que este é o maior escândalo de corrupção da mineração em Minas Gerais e revela, de forma incontestável, a falência de um projeto político que vem sendo implementado em nosso estado desde que Romeu Zema assumiu o governo. Não estamos diante de um “desvio individual”, mas do resultado previsível de um governo que decidiu colocar o aparato estatal a serviço das mineradoras e do grande capital.
O esquema revelado
Os números falam por si: mais de 20 prisões preventivas, 79 mandados de busca e apreensão, servidores da Semad e da Feam afastados, além de R$ 1,5 bilhão bloqueados pela Justiça (PF, gov.br). Empresas ligadas ao projeto da Serra do Curral, como a Tamisa Mineradora e a Fleurs Global Mineração, aparecem nas investigações (O Tempo, Brasil de Fato), envolvidas em licenças ambientais concedidas de maneira irregular. Estamos falando de uma engrenagem que movimentava bilhões em licenças fraudulentas, às custas da destruição de territórios e do sofrimento das comunidades atingidas.
Mas é preciso insistir: esse esquema não nasceu sozinho. Ele só floresceu porque havia um terreno fértil preparado por um governo que sempre enxergou a proteção ambiental como “entrave burocrático” e a mineração como única via de (sub)desenvolvimento para Minas.
Zema e o desmonte do licenciamento ambiental
Desde o início, Romeu Zema fez questão de afirmar que seu objetivo era “desburocratizar” o estado. Na prática, isso significou flexibilizar o licenciamento ambiental e enfraquecer os órgãos de fiscalização. Não é coincidência que, nos últimos anos, propriedades rurais de até mil hectares tenham sido isentadas de licenciamento (Agro Pujante) e empreendimentos minerários tenham recebido licenças relâmpago em áreas de altíssimo valor ambiental.
Ao mesmo tempo, a Semad foi sucateada: falta de pessoal, orçamentos reduzidos, técnicos pressionados (O Tempo). O resultado é um sistema em que a fiscalização deixa de ser um instrumento de proteção coletiva para virar moeda de troca nas mesas do poder econômico. O que a Operação Rejeito revelou a captura do Estado promovida por setores corruptos da mineração.
O discurso da eficiência e a prática da corrupção
Zema gosta de se apresentar como gestor eficiente, avesso à corrupção e defensor do “bom uso do dinheiro público”. Mas como conciliar esse discurso com o fato de que o maior escândalo de corrupção da mineração em Minas aconteceu justamente em seu governo? Não é apenas uma questão de “casos isolados”. Trata-se de uma contradição estrutural: um governo que desmonta a regulação e abre mão do controle social está criando as condições perfeitas para que esquemas bilionários de corrupção prosperem.
Não é possível defender a transparência e, ao mesmo tempo, governar em aliança com os interesses mais predatórios da mineração. Não é possível falar em eficiência quando se trata o meio ambiente como entrave, as comunidades atingidas como estorvo e o patrimônio coletivo como moeda de troca.
Diante deste cenário de terra arrasada até mesmo no campo em que Zema acreditava se sentir confortável, o que se percebe é a queda na sua popularidade antes mesmo dos escândalos de corrupção aparecerem , como mostra a pesquisa Quaest de setembro , de 7 pontos percentuais (de 62 para 55% de aprovação). Sua desaprovação também aumentou, passando de 30 para 35%, se comparados aos números do mês de agosto. Além disso, o capital político de Zema é cada vez mais contestado, uma vez que 48% dos eleitores não deseja que o próximo governador seja indicado por ele.
O velho modelo: dependência e submissão
O escândalo da Operação Rejeito também escancara outro problema central: a dependência histórica de Minas Gerais da mineração. Essa dependência foi aprofundada no governo Zema, que não apresentou nenhuma alternativa de desenvolvimento para além da lógica extrativista. Zema só reforça esse quadro de dependência, que acredita que o minério de ferro é um recurso inesgotável, sem pensar, contudo, em reversões na nossa cadeia produtiva. A mineração segue sendo a principal atividade econômica , gerando 46 mil empregos e um total de R$ 113,3 bilhões em investimentos. Em contraste, vemos que setores que poderiam garantir um impulsionamento do nosso desenvolvimento, aumentar nossa produtividade e facilitar o transporte da população mineiras seguem tímidas. No caso do investimento em malhas ferroviárias, este setor emprega 24 vezes menos que a mineração, empregando somente 1,9 mil trabalhadores e trabalhadoras, com um investimento de R$ 33,9 bilhões, ou seja, 3 vezes menos que o setor da mineração.
Seguimos presos a um ciclo que já conhecemos: mineração intensa, devastação ambiental, lucros concentrados em poucas mãos e, por fim, comunidades abandonadas quando a riqueza do subsolo se esgota. Zema reforçou esse modelo, apostando todas as fichas em mais licenciamento, mais privatização, mais entrega de nossos bens comuns. Sem contar que, durante sua gestão a dívida pública de Minas com a União aumentou consideravelmente, passando de R$ 124,7 bilhões para R$ 188,7 bilhões (dados de janeiro de 2025, Brasil de Fato e Estado de Minas), atingindo o montante de mais de 51%. O resultado é o que estamos vendo: corrupção, degradação ambiental e ausência de futuro.
As contradições do projeto neocolonial
O ultraliberalismo de Zema se revela aqui em toda sua face: um Estado mínimo para o povo, mas um Estado máximo para as mineradoras que gera um vetor de desenvolvimento para os grandes centros de acumulação mundial, ao invés de criar um vetor interno de desenvolvimento para o nosso mercado nacional e o povo em geral. Quando se trata de garantir saúde, educação e proteção ambiental, o governo alega falta de recursos. Mas quando se trata de entregar licenças, isenções fiscais e facilidades normativas, o Estado se mobiliza de imediato. Esse é o projeto em curso: um governo privatista, capturado e cúmplice dos interesses empresariais de costas para Minas e de frente para a bolsa de ações em Nova Iorque e Pequim.
A Operação Rejeito não é apenas uma investigação criminal. Ela é a prova de que Minas Gerais chegou a um limite. Ou aceitamos continuar sendo reféns de um modelo que nos condena à dependência neocolonial, à corrupção e à destruição ambiental, ou construímos um novo caminho. E esse novo caminho passa necessariamente por:
1. Responsabilizar politicamente o governador Romeu Zema, que criou as condições para o esquema prosperar. Não basta punir servidores; é preciso ir até o topo da cadeia de comando.
2. Rever todas as licenças concedidas nos últimos anos, especialmente aquelas ligadas à Serra do Curral e a outros territórios sensíveis. Onde houver fraude, que se anule imediatamente.
3. Reconstruir os órgãos ambientais com autonomia, recursos e servidores concursados. Sem fiscalização independente, a mineração seguirá sendo terra de ninguém.
4. Suspender as medidas de flexibilização do licenciamento, como a DN 258 e decretos que reduzem a proteção ambiental (ALMG). É preciso devolver ao povo o direito de decidir sobre seu território.
5. Construir um projeto de desenvolvimento sustentável para Minas, que não dependa exclusivamente da mineração. Precisamos investir em energias renováveis, agroecologia, turismo cultural e tecnológico. Minas é muito mais que minério.
O que está em jogo com a Operação Rejeito não é apenas o julgamento de alguns indivíduos, mas a possibilidade de virar a página de um modelo de estado submisso e saqueado. Minas Gerais precisa de coragem para romper com o ultraliberalismo que nos aprisiona à lógica da mineração predatória e à uma lógica de modelo econômico neocolonial. Se antes a extração mineral era o ouro para enriquecer os bancos europeus, e em especial os bancos ingleses através do pacto colonial português nos séculos XVIII e XIX, Minas Gerais hoje ainda se vê preso a essa lógica de abastecimento de minério dos grandes centros de acumulação capitalista e suas indústrias, como China e Estados Unidos, nossos dois grandes mercados de exportação. Ao invés de conseguirmos valores maiores para nossas commodities e criar condições para empregos de maior qualidade e valor no mercado mineiro, deixamos populações inteiras reféns desta estrutura que reproduz um desenvolvimento submisso aos interesses alheios às necessidades do povo mineiro. Nesse sentido, praticamos um modelo econômico que reforça e amplia ainda mais nossa condição dependente, gerando um ciclo vicioso de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”.
Não aceitaremos que o maior escândalo de corrupção da mineração em Minas seja tratado somente como caso de polícia e não de política. Este é um escândalo que fala diretamente do projeto de estado que Zema representa: um estado mínimo para o povo, mas totalmente disponível para os negócios das mineradoras e sua subserviência neocolonial.
Cabe a nós, como povo, movimentos sociais e representantes comprometidos, assumir a tarefa de denunciar, resistir e propor outro caminho. Um caminho que coloque a vida acima do lucro, a justiça acima da ganância e o futuro de Minas acima dos interesses das mineradoras.
Minas Gerais não pode ser sinônimo de rejeito. Minas precisa ser sinônimo de resistência, de memória e de futuro. E essa luta, nós não vamos abandonar.
Adriana Souza é graduada em história e vereadora de Contagem (PT)
Fontes consultadas:
• Polícia Federal: PF e CGU investigam esquema bilionário de corrupção e danos ambientais em Minas Gerais • O Tempo: Denúncias e alertas de irregularidades foram ignorados pelo governo, avalia oposição
• Brasil de Fato: A teia da destruição: corrupção, mineração e poluição convergem para a aniquilação de MG
• Agro Pujante: Licenciamento ambiental flexibilizado: Zema amplia isenção para produtores com até mil hectares
• ALMG: Mudança em licenciamento ambiental de atividades rurais é alvo de críticas
• Estado de Minas e Brasil de Fato: Dívida de Minas cresceu mais de 51% desde 2020; Com Zema, dívida de Minas com a União cresceu mais de 50% – Brasil de Fato.