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João Batista Mares Guia: Brasil e Democracia: das sombras de agosto às luzes da primavera

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Os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 a setembro de 2025 dispõem-se como uma crônica da incredulidade moldando a realidade. Após a frustrada tentativa de golpe em 8 de janeiro, viu-se um impressionante fortalecimento político da extrema direita. Sob a liderança do Partido Liberal (PL), capturou-se o centrão, impondo uma agenda política e ideológica. Derrotados, exibiam-se vitoriosos.

Jair Bolsonaro, então indiciado e investigado pela Polícia Federal, impusera-se aos extremistas como líder e pré-candidato em 2026. Vitimizando-se como perseguido político pelo Supremo Tribunal Federal (STF), arregimentou as legiões do bolsonarismo, que, adiante, iria celebrar como sua a vitória do presidente Trump nos EUA. Pela ação do deputado federal Eduardo Bolsonaro, o bolsonarismo estabelecera forte conexão com a extrema direita norte-americana e internacional.

Aqui, as instituições democráticas, a sociedade civil, a imprensa e o presidente Lula haviam derrotado a trama golpista. Bolsonaro apostara no apoio militar e de legiões civis verde-amarelas. Embora derrotados, politicamente empoderados, apostaram na ação implacável e destrutiva no limite da legalidade e na recandidatura do “mito” em 2026.

Então, Bolsonaro cobrou subordinação e acoplou “seus” governadores, entre eles os de MG, SP, PR, RJ, GO, DF e SC. Acusado de cinco graves tipos penais, podendo chegar a 40 anos de reclusão, uniu seu núcleo político nas ruas pela anistia. Enquanto isso, no final de 2024, o governo Lula e o progressismo pareciam “nas cordas”, onde permaneceriam até meados de 2025. Perplexos e desorientados, percebiam-se em “resistência democrática” sob a democracia e com Lula presidente, enquanto o extremismo triunfava. A democracia dependeria crucialmente da Procuradoria Geral da República (PGR) e do STF.

Ungido pelo ex-presidente à posição de porta-voz da campanha para 2026, o pastor Silas Malafaia expulsara Jesus Cristo de sua igreja pentecostal para entronizar Bolsonaro. Atacando o Supremo e o ministro Alexandre de Moraes, a extrema direita volta às ruas por “anistia ampla, geral e irrestrita”, com força semelhante à campanha das “Diretas Já”, em 1984. O delírio faz par ao triunfalismo!

O cientista político Felipe Nunes, em “Biografia do Abismo”, parecia ver confirmada a tese de seu livro: a sociedade brasileira teria se cindido ao meio e encontrar-se-ia em estado estruturado de “calcificação” de antagonismos. Surpreendente é que esquerdas começaram a antecipar o prognóstico de que Lula perderia as eleições e anteviam o colapso do futuro e da democracia no Brasil! O medo parecia triunfar sobre a esperança.

As Tentações dos Progressistas e a Ascensão de Satã

A crise se devia a causas endógenas, remotas e recentes. As paixões do progressismo parlamentar haviam cedido à administração reeleitoral das emendas parlamentares. Na ocasião, reiterados bons resultados da economia passaram a conviver com preocupantes indicadores. Um discreto e persistente declínio na aprovação pessoal do presidente

Lula oscilara de 43% no início de 2023 a 27% no final de 2024 (PoderData, 14 a 16/12/2024). Não era a economia. Uma vez mais, era a política. Estávamos sob o cerco do extremismo parlamentar. Instigado por Eduardo Bolsonaro, eis que Trump decide taxar em 50% parte das exportações aos EUA e sancionar o ministro Alexandre de Moraes.

O triunfalismo e a insensatez dos extremistas os conduziriam ao 7 de setembro na avenida Paulista com a gigantesca bandeira dos EUA. Em oposição, o progressismo tomou a camisa da Seleção e, definitivamente, a bandeira do Brasil. Sob o manto da soberania nacional, o governo Lula começara a “sair das cordas”.

Não obstante, semelhante a Satã, a extrema direita parlamentar decidiu-se pelo “assalto ao céu”: sequestrou a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, obstruindo o legislativo e desmoralizando o presidente da Casa, deputado Hugo Motta. À maneira de chantagem, exigiu-se dele pautar: i) a “PEC da Blindagem”, com voto secreto para o legislativo autorizar o STF a acionar a Polícia Federal e investigar deputados; ii) a “urgência” na tramitação do projeto-de-lei de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro. Ou seja, para Bolsonaro concorrer em 2026.

O povo brasileiro, por sua vez, ocupou as ruas no domingo, 20 de setembro, em defesa da democracia, contra a PEC e a Anistia. Na semana seguinte, em completa desmoralização do bolsonarismo, a Comissão de Comissão e Justiça do Senado sepultou por 25 a zero a PEC. Em seu lugar, esboçou-se uma “dosimetria das penas” aos envolvidos na tentativa de golpe.

Lula, em triunfo, brilhou na sessão de abertura da ONU como liderança “Internacional da Democracia” e recebeu público elogio de Trump, seguido de convite para conversa. Ao irromper a primavera vimos florescer a esperança vencer o medo. Com uma ressalva, vez que ela reside na impressionante capacidade política do presidente Lula, na resiliência do STF e decisivamente, na força das ruas. Quanto ao progressismo, espera-se que as luzes penetrem seu espírito, afinal as “tentações” habitam entre nós: doze deputados federais do PT, e tantos outros do PDT e do PSB, votaram a favor da PEC. Quanto às Sombras, a cadeia reserva lugar cativo ao “Príncipe” e a seu coroado séquito, com o centrão sendo centrão, distanciando-se do bolsonarismo. Os governadores do extremismo, por sua vez, parecem presos na Caverna de Virgílio, sem rumo, credibilidade, reputação e esperança. É o preço pago pela escolha: o convívio “fraterno” com Satã na “Nau dos Insensatos”.

Passado e presente: as sombras de agosto

Em agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas (1951-1954) deixou a vida para entrar na história e salvar a democracia. O povo brasileiro tomou as ruas e impediu o golpe tramado pelos coronéis do Exército e seu Manifesto ao golpismo. Sete anos depois, em 1961, Jânio Quadros, conservador, opositor e sucessor de Juscelino Kubitschek (1956-1960), renunciara à presidência da República à espera dos ausentes apoios das Forças Armadas e do povo. Caricato, deixaria o poder para ingressar na crônica do ridículo. O povo tomaria as ruas para exigir a posse do vice-presidente João Goulart, do PTB e de esquerda democrática. Do artificial parlamentarismo à volta do presidencialismo em janeiro de 1963, a democracia aguardaria quase dois anos.

Em tempos recentes, derrotada nas eleições de 2022, a nova extrema direita brasileira apossara-se do Partido Liberal, com Bolsonaro à frente liderando o “centrão”, as bancadas do “boi”, da “bala” e da “bíblia” e os seus governadores. Por essa via, o bolsonarismo iria ressurgir das cinzas e acossar o governo do presidente Lula. Com efeito, do segundo semestre de 2024 até meados de 2025, o progressismo assistia desorientado o extremismo.

Primeiro, queria impor a anistia para ter Bolsonaro eleito em 2026 e cercear o STF, o Legislativo e a liberdade de imprensa, controlar os meios de comunicação e perseguir líderes democráticos. Eis o script Trump, que, então, decide impor o “tarifaço”, com efeitos a partir de 1º de agosto. Uma vez mais, agosto!

A condenação de Bolsonaro lançou governadores de direita a ambições presidenciais, com Tarcísio de Freitas sendo o preferencial do mercado financeiro, Ronaldo Caiado, do agronegócio e Romeu Zema, candidato sem nada ter a dizer. Bolsonaro, que do barro os elegera, era condenado ao ostracismo. Estavam abertas as portas do inferno do canibalismo político. Nos EUA, Eduardo Bolsonaro, após acusar Tarcísio de “traidor”, era duplamente atacado pelo pai e por Malafaia.

Tarcísio e Zema saíram em louvores a Trump, salvador da democracia brasileira. Em gestos de covardia moral, exibiram-se colonizados orgulhosos de sua vassalagem. Enrubesceram o cadáver de Silvério dos Reis depositado em seu túmulo de gelo! A cena inteira do ridículo iria exibir o cadáver insepulto de Bolsonaro. Ao contrário de Vargas, a Fênix do extremismo entrara na vida com tornozeleira na perna!

Seja como for, Bolsonaro e o filho Eduardo, o Partido Liberal, o Novo e o centrão travaram uma luta para impor a PEC da anistia ampla, geral e irrestrita. O centrão, por padrão, cobrou seu preço: a “PEC da Blindagem”, sepultada nas ruas, no primaveril domingo de 20 de setembro, sob o nome de “PEC da Bandidagem”. Ensandecido, o centrão assaltou a Mesa da Câmara, bloqueou a pauta e somente liberou a Mesa após intervenção do deputado Arthur Lira: tramitação da PEC em regime de urgência. A calamidade: mais de 350 votos a favor. A resposta: Brasil nas ruas. Em desgraça caíram a PEC e seus promotores. Na semana seguinte, declarada inconstitucional, foi arquivada no Senado. Com ela, o ex-futuro projeto da anistia transformou-se em “PEC da Dosimetria”.

O governo, agora à frente da iniciativa política, pautou a “PEC da Segurança Pública”, a PEC da isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil, aprovou o projeto-de-lei do gás para todos e, por unanimidade, a Reforma Tributária II, taxando os mais ricos e reduzindo desonerações fiscais.

Epílogo

A democracia precisa de democratas. Ameaçada, nossa democracia esteve na borda do abismo. Todavia, como surpreendentemente estamos comprovando nos EUA, não há democracia consolidada.

João Batista Mares Guia é professor de Sociologia da UFMG. Primeiro Deputado Estadual do PT em MG. Secretário Municipal em Contagem por 8 anos. Ex-secretário de Estado de Educação de MG. Consultor do Banco Mundial. Foi coordenador da campanha pelas “Diretas Já” em MG.

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