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A morfina golpista desmoraliza o achaque, por Maria Cristina Fernandes

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Desculpa risível de Bolsonaro fragiliza aposta do Centrão

VALOR ECONÔMICO, 27/04/2023

Estava tudo pronto para o início da temporada de achaques. O terraplanismo era apenas a cereja do bolo. A CPMI do 8/1 foi montada por interesses mais do que terrenos.

Concretíssimos. Tantos que se multiplicaram. Planejam-se filhotes de comissões. Uma para achacar os bilionários da Americanas, outra para tirar, do MST, as superintendências regionais do Incra. Saíram do planejamento para ações concretas como o aval da comissão de Segurança da Câmara ao restabelecimento do liberou geral das armas.

Eis que, neste momento, uma picada de morfina golpista, tirou o foco da turma. O ex-presidente disse à Polícia Federal que veiculou, por engano, no Facebook, um vídeo de incitação ao golpe que se destinava ao WhatsApp. E que o fez por estar sob o efeito de morfina ministrada num hospital, em Orlando, onde se internara com obstrução intestinal.

O meme já tinha viralizado nas redes sociais – “foi mal, tava doidão” – quando o deputado federal, André Fufuca (PP-MA), entrevistado ao vivo na GloboNews, com o rubor natural das maçãs de seu rosto acentuado, disse não ter fatos concretos para acreditar que Jair Bolsonaro tenha estado por trás dos atos de 8/1. Dois dias antes, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), havia dito, no “Roda Viva”, que nenhum dos três filhos parlamentares do ex-presidente lhe era tão leal quanto ele.

O opioide golpista é uma má notícia para a turma do achaque.

Não afasta a responsabilidade penal do “tô doidão”. Nem mesmo o dolo. Não explica o genocídio dos Yanomamis, as centenas de milhares de mortos da gestão criminosa da pandemia nem a interdição das estradas do Nordeste no dia da eleição. Tampouco é um alucinógeno capaz de transformar as joias árabes numa miragem. No limite, prova a dependência do ex-presidente dos fármacos – da cloroquina à morfina.

Fica difícil para o PP de Ciro Nogueira, Arthur Lira e André Fufuca sustentar a lucrativa empreitada. A CPMI é uma tentativa de prorrogar as engrenagens da era bolsonarista, que associa a capacidade do ex-presidente de fabricar mentiras e influenciar eleitores com a caixa registradora do Centrão. Na medida em que o ex-presidente se mostra desarmado frente ao inquérito do Supremo Tribunal Federal, não é na CPMI que encontrará meios de manter a chama acesa do capital eleitoral do bolsonarismo.

É bem verdade que é cedo para reduzir a trinca Ciro-Lira-Fufuca a uma nota de R$ 3. Com um ano e meio de antecedência, Lira só pensa nas composições de que precisará para fazer seu sucessor e, assim, se manter influente. Já não tem nem metade dos 464 votos que o elegeram em fevereiro. No limite, os 173 de seu bloco. Qualquer oportunidade que tenha para emparedar o governo e arrancar vantagens para aqueles que pretende arregimentar, tanto melhor. Um exemplo? Danilo Forte (União Brasil-CE) na relatoria da LDO.

Nunca foram próximos, mas o cargo evita fissuras no partido que espera manter ao seu lado.

Tome-se, ainda, o que se passa com a CPI da Americanas. A ameaça é requentada. Quando apareceu, dois meses atrás, os sócios do 3G ainda relutavam em fechar acordo com os bancos credores. Apareceu uma cifra de R$ 10 bilhões, a CPI refluiu. A pedida subiu para R$ 12 bilhões. A CPI reapareceu e, com ela, a descrença de que qualquer empreitada do gênero é indiferente à proximidade entre André Esteves, presidente do conselho de administração de um dos credores (BTG) e Arthur Lira.

Ex-parlamentares com bom trânsito no Congresso foram arregimentados ao longo desta quarta-feira para tentar abortar a CPI da Americanas. E no que uma comissão do gênero pode ser danosa ao governo? Como a turma do achaque tem a boca torta, apareceu um novo cachimbo, o dos IPOs cujos acionistas tiveram prejuízos nos últimos anos. É uma maneira de tentar contaminar o mercado que, até aqui, tem se mantido quieto na expectativa de salvar, pelo menos, o arcabouço fiscal.

A sorte do governo é que o Judiciário hoje está tão empenhado em cortar a ameaça à democracia pela raiz quanto o Executivo. Vide a cena protagonizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que adentrou ao Senado nesta quarta-feira sob incandescentes holofotes.

Foi entregar ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a sugestão para que os perfis de redes sociais que veiculem mentiras sejam imediatamente suspensos. A votação da urgência para o projeto de lei das “fake news” na Câmara havia sido a resposta de Lira para as gritantes evidências de que o achaque vinha sendo gestado na paralisia legislativa da Casa. Moraes foi lá e mostrou que era pouco.

É este embate entre Legislativo e o Judiciário que levou Lira a correr com a votação do marco temporal para a demarcação das terras indígenas. O tema foi pautado para junho e a presidente do Supremo, Rosa Weber, pretende fazer dele um dos paradigmas de sua gestão, mas enfrenta a disposição de Lira de agradar seu curral ruralista.

A retaguarda no Judiciário ainda pode ajudar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a alcançar uma parte da receita que precisa para manter o arcabouço fiscal em pé. As reiteradas declarações de confiança em Lira não fizeram o presidente da Câmara engolir a descriminalização do não cumprimento da LRF. Tampouco impediram a resistência do arquialiado de Lira, Felipe Carreras (PSB-PE), líder do blocão da Câmara, à redução nos subsídios para o setor de eventos.

Depois de tantos revezes à sua intenção de reduzir as desonerações, resta a Haddad refazer as contas e se fiar em decisões como a da 1a seção do Superior Tribunal de Justiça que seguiu o relator, Benedito Gonçalves, e aprovou a tributação de IR e CSLL de empresas que recebem incentivos fiscais de ICMS. A medida, cujo potencial foi definido pelo ministro como o de “mudar completamente o horizonte fiscal do país”, ainda terá que enfrentar o STF.

A retaguarda do Judiciário não desobriga o governo de fazer maioria na CPMI. Mas o inquérito no STF – e aquele que corre sobre a elegibilidade do ex-presidente no TSE – têm um peso inestimável para ajudar o Executivo a desidratar o achaque em curso no Congresso. Como tudo, tem um preço, mas, por ora, é o mais baixo a pagar.

Maria Cristina Fernandes é jornalista.

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