Desde que assumiu o governo de Minas, Romeu Zema se apresenta como o gestor da “eficiência”, o empresário que aplicaria ao Estado a lógica da planilha e do lucro. Mas, por trás desse discurso de austeridade e tecnicismo, o que se desenha é um projeto de desmonte do Estado mineiro — um roteiro de privatizações que ameaça direitos, empregos e a soberania sobre os bens públicos.
O impasse do Regime de Recuperação Fiscal
É importante ressaltar: Minas Gerais nunca consolidou sua adesão efetiva ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O governo de Zema tentou emplacar o plano, que previa medidas duríssimas de contenção de gastos e congelamento de investimentos, mas o processo emperrou. Houve resistência social e política, questionamentos na Assembleia Legislativa e, ao fim, o regime não foi votado.
Ainda assim, o governo seguiu aplicando na prática a lógica do RRF — cortando despesas, engessando serviços públicos e apresentando as privatizações como “ajustes inevitáveis”. Trata-se de uma adesão forçada ao receituário neoliberal, sem debate público e sem transparência. Zema manteve o discurso do “Estado quebrado” para justificar a entrega do patrimônio do povo mineiro.
PROPAG: o novo nome da velha cartilha
Em 2025, o governo federal criou o PROPAG – Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados, um mecanismo de renegociação de débitos com prazos mais longos e juros reduzidos. Minas Gerais foi rápida em tentar se enquadrar, vendendo a narrativa de que a adesão traria “fôlego financeiro”. O problema é que, mais uma vez, Zema apresenta o PROPAG como um atalho para as privatizações.
Na prática, o governador tenta vincular o abatimento da dívida à venda de estatais — Copasa, Cemig, Gasmig e Codemig/Codemge —, como se o único caminho para o equilíbrio fiscal fosse abrir mão daquilo que garante nossa autonomia econômica. A Copasa e a Cemig não são lojinhas do Zema; são patrimônios construídos pelo povo mineiro, pilares da infraestrutura e da capacidade de planejamento do Estado.
Referendo popular sob ataque
A Constituição mineira, desde 2001, estabelece que a privatização de empresas de energia, gás e saneamento depende de referendo popular. É uma conquista democrática, fruto da luta de movimentos sociais, sindicatos e parlamentares comprometidos com a soberania popular.
Mas, em 2023, Zema apresentou a PEC 24/2023, que tenta eliminar essa exigência. Ao mesmo tempo, o governo enviou o PL 4.380/2025, autorizando a venda da Copasa — condicionado ao avanço da PEC. Ou seja: Zema quer vender uma empresa pública lucrativa e essencial sem ouvir quem paga a conta.
Em outubro de 2025, quando a proposta foi pautada na ALMG, o povo respondeu com força. Mais de seis mil trabalhadoras e trabalhadores lotaram o plenário em defesa do referendo. Movimentos populares, sindicatos, estudantes e parlamentares da oposição mostraram que Minas não está à venda. A pressão conseguiu adiar temporariamente a votação e desmascarar a tentativa de Zema de fazer passar, às pressas, um projeto de entrega.
Porém, a ofensiva de Zema contra o referendo popular deu mais um passo na madrugada de 24 de outubro de 2025, quando a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou em 1º turno a PEC 24/2023 — proposta do governador que dispensa a consulta popular para autorizar a privatização da Copasa. A sessão começou às seis da tarde e atravessou a madrugada, marcada por intensa obstrução da oposição que resistiram até o amanhecer. Foram 52 votos favoráveis e 18 contrários, em uma votação que expôs a pressa do governo em entregar o patrimônio público e o descaso com a ideia de submeter sua proposta ao debate com o povo via referendo. Zema tem medo da opinião dos mineiros e mineiras, que são majoritariamente contrários à privatização da COPASA. A base de Zema pode ter vencido uma votação, mas o povo de Minas segue mobilizado — porque o que está em jogo não é apenas uma empresa, é o direito do povo decidir sobre o seu futuro.
O sigilo da Codemig e o preço do silêncio
Outro capítulo desse processo é o sigilo imposto pelo governo sobre os laudos de avaliação das estatais, especialmente da Codemig/Codemge — empresas que administram ativos valiosos, como as participações no nióbio. Reportagens apontam que a avaliação da Goldman Sachs estimou o valor entre R$ 22 e R$ 32 bilhões, mas o governo tenta esconder os documentos.
Essa falta de transparência é mais do que uma falha administrativa: é um ato de desrespeito à democracia. Como justificar a transferência de um patrimônio bilionário para a União — ou para o mercado — sem prestar contas à sociedade mineira? A oposição, com o apoio de movimentos sociais, tem exigido o fim do sigilo e acesso aos dados.
A precarização como política de Estado
Enquanto desmonta o patrimônio público, o governo de Zema também enfraquece a educação pública. A UEMG enfrentou uma greve histórica em 2024, motivada pela precarização dos vínculos e pela falta de valorização docente. No mesmo período, o Executivo ampliou as contratações temporárias no magistério, substituindo concursos por contratos frágeis.
Essa é uma estratégia deliberada: sucatear para privatizar. Quando o Estado se desresponsabiliza, abre espaço para o avanço das terceirizações, das fundações privadas e dos “acordos de cooperação” com entidades que driblam a lei de licitações. É o mesmo projeto de Estado mínimo que Zema tenta aplicar em todas as áreas — e que ameaça transformar a educação em mercadoria.
Um modelo de desenvolvimento neocolonial
O que está em jogo vai muito além de uma planilha de dívidas. A disputa é sobre que tipo de desenvolvimento queremos para Minas Gerais.
De um lado, está o projeto de um Estado ativo, com empresas públicas estratégicas, capaz de planejar o futuro, investir em tecnologia, garantir energia limpa e universalizar o saneamento. Um Estado que integra economia e cidadania, emprego e dignidade.
Do outro, o que Zema propõe é um modelo neocolonial, baseado na dependência e na submissão aos grandes interesses financeiros. É vender barato o que é nosso, submeter Minas à lógica do rentismo e transformar o Estado num balcão de negócios. É entregar a água, a energia e o nióbio — nossas riquezas — para reforçar o lucro de poucos e retirar do povo a capacidade de decidir sobre seu próprio destino.
Como já disse em nossos debates: a Copasa e a Cemig não são lojinhas do Zema. São parte da história e da soberania do povo mineiro. São ferramentas de um projeto de futuro que não cabe nas contas de um aplicativo de gestão.
Minas precisa de outro caminho
A resistência popular mostrou sua força. Audiências públicas, mobilizações e paralisações barraram tentativas de votação e impuseram o debate. Esse é o caminho: defender o referendo, garantir transparência e construir alternativas de ajuste que não passem pela venda do patrimônio público.
O desafio é pensar o desenvolvimento de Minas de forma soberana, com base na transição energética justa, na universalização do saneamento, na valorização da educação e no fortalecimento das empresas públicas.
Enquanto o governo Zema escolhe a submissão, nós escolhemos a autonomia. Enquanto eles pregam a eficiência do mercado, nós afirmamos a eficiência da solidariedade e do planejamento público.
Minas não está à venda. Minas resiste — e vai continuar resistindo, com o povo nas ruas e nas urnas, defendendo o que é nosso por direito.
Adriana Souza é graduada em história e vereadora de Contagem (PT)