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Aniele Fernandes e Gabrielle Vaz: patrimônio que se reinventa – memórias do Casarão de Contagem

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Quando pensamos em Contagem, é quase inevitável que a Cidade Industrial venha à mente. Embora o município tenha suas origens lá no período colonial, no século XVIII, foi na década de 1940 que ele começou a ganhar o formato que conhecemos hoje, especialmente em 1948, quando se tornou uma cidade autônoma, separando-se de Betim, conforme a Lei Estadual n.º 336, de 27 de dezembro daquele ano. Um pouco antes, em 1947, nascia a “Cidade Industrial Coronel Juventino Dias”, um projeto ambicioso que transformaria para sempre o território e a vida de seus moradores.

Segundo o Atlas Escolar, Histórico, Geográfico e Cultural do Município de Contagem, a tradição oral conta que o traçado da Cidade Industrial foi inspirado na capital australiana, Camberra, com seu formato hexagonal. No site do Arquivo Nacional, ainda é possível ver fotos de Getúlio Vargas visitando a região, que à época prometia se tornar um dos maiores polos industriais do país. Em 1947, Contagem já contava com 10 indústrias e cerca de mil operários; em 1960, esse número saltou para 82 indústrias e quase 15 mil trabalhadores. Em 1996, o famoso “hexágono” já estava praticamente ocupado, com mais de uma centena de fábricas em funcionamento.

Dentro desse cenário de crescimento e transformação urbana, surge um dos marcos mais simbólicos da história de Contagem: a Companhia Cimento Portland Itaú. Foi a primeira grande fábrica a se instalar na Cidade Industrial Juventino Dias. Além dos galpões e máquinas, a empresa criou uma vila operária com cerca de 240 casas, pensada para abrigar seus funcionários e suas famílias. Essa vila, conhecida como “Comunidade Itaú”, tinha clube, cinema, farmácia, armazém, capela, posto médico e uma cooperativa.

Com o passar dos anos, o tempo e as mudanças econômicas alteraram o cenário. Em 1998, a Atrium Consultoria apresentou o projeto do “Itaú Power Center”, e no dia 15 de dezembro daquele ano, grande parte das antigas edificações foi demolida para dar lugar ao novo empreendimento. Ainda assim, algumas partes foram preservadas — as quatro chaminés e o prédio administrativo permaneceram de pé, como símbolos da memória industrial de Contagem e do trabalho de tantas pessoas que ajudaram a construir a cidade. Esses elementos se tornaram parte do patrimônio cultural material do município, guardando, em cada tijolo, um pouco da história contagense.

Reconhecendo essa importância, as chaminés da antiga Fábrica de Cimento Portland Itaú S/A foram tombadas como patrimônio histórico municipal pelo Decreto nº 10.186, de 17 de junho de 1999. Mas a história não parou por aí. Entre 2023 e 2024, a Secretaria de Cultura e membros do COMPAC – Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, acompanharam uma nova dinâmica de uso do espaço. Mesmo sendo uma área privada, o local continua tendo um papel público importante, representando parte da identidade da cidade.

Hoje, o antigo casarão da fábrica ganhou uma nova função: além de abrigar uma churrascaria, ele mantém viva a memória do lugar. Suas paredes guardam fotos e histórias sobre a formação de Contagem, e das janelas ainda é possível ver as antigas chaminés, um lembrete visível de que, entre o passado industrial e o presente urbano, a cidade segue encontrando formas de preservar sua história enquanto continua em movimento.

(Casarão da Antiga fábrica do Itaú. 2023.Autoria: Evandro Parreiras)

Essa valorização do patrimônio industrial de Contagem não aconteceu por acaso. A preservação do casarão da Fábrica Itaú foi viabilizada durante o Governo Marília, que tem como compromisso permanente a salvaguarda da história e do patrimônio do município. Apenas no ano passado foram realizadas mais de 110 visitas técnicas por toda a cidade em todas as regionais, com o objetivo de registrar e documentar outros bens culturais de relevância para a memória contagense.

Afinal, preservar a memória não significa apenas guardar o passado, mas reconhecer que ela segue viva no presente. A cultura, conforme estabelecem os artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, é um direito de todos e deve ser acessível, plural e conectada aos anseios da população. Nesse sentido, o antigo casarão da fábrica, hoje reocupado e ressignificado, é um exemplo concreto de como é possível preservar e utilizar o patrimônio de forma responsável, respeitando sua história e abrindo novas possibilidades de uso, um verdadeiro encontro entre memória, identidade e futuro.

Vale destacar que todas as questões relacionadas à ocupação e ao uso do espaço foram acompanhadas por análises técnicas da Secretaria de Cultura e do COMPAC, de acordo com as diretrizes jurídicas, garantindo que cada decisão fosse tomada com base na preservação do valor histórico e cultural do local. Esse cuidado demonstra o compromisso do município em conciliar desenvolvimento urbano e respeito à memória coletiva, assegurando que o passado continue presente nas paisagens e nas vivências de Contagem.

Aniele Fernandes de Sousa Leão é doutora em Educação, pela UFMG. Mestre em Educação (CEFET), Especialista em Gestão de Projetos (USP); Graduada em História (UNIBH) e Pedagogia (UNINTER).

Gabrielle Vaz é formada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, nas modalidades de Licenciatura e Bacharel. Pós-graduação lato sensu em Gestão e Projetos de Patrimônio Cultural pelo IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e a UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais. Atua como Diretora de Memória e Patrimônio na Secretaria de Cultura de Contagem.

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