A confiança é um sentimento necessário para que indivíduos se aproximem, instituições funcionem e que haja união, mesmo em um contexto plural de comunicação. É necessário confiar em um médico para se submeter a uma cirurgia, bem como é necessário confiar em um jornalista ou em um veículo de comunicação para acreditar na informação que é repassada. Se o jornal ou o jornalista, por exemplo, perde credibilidade, em quem acreditar? O resultado da desconfiança em torno das instituições gera o retorno ao seguro, às autoridades próximas, conhecidas que dividem o mesmo espaço social, valores e compõem o igual grupo social, ou seja: família, líderes religiosos e até mesmo aquele companheiro do buteco que fala sobre política com a mesma segurança que segura o copo de cerveja.
O processo de comunicação sempre foi complexo. Várias fontes abasteciam as pessoas de ideais formavam opiniões e despertavam dúvidas. O que mudou no decorrer dos tempos foi a velocidade e a quantidade de informações que chegam até nós, diariamente, despertando dúvidas, angústia e até cansaço mental.
Historicamente, os movimentos sociais dependem da existência de mecanismos de comunicação específicos: boatos, sermões, panfletos e manifestos passados de pessoa a pessoa, a partir do púlpito, da imprensa ou por meio de qualquer meio de comunicação disponível. Em nossa época, as redes digitais, multimodais, de comunicação horizontal são os veículos mais rápidos e mais autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda história. As características dos processos de comunicação entre indivíduos engajados em movimentos socias determinam as características organizacionais do próprio movimento: quanto mais interativo e autoconfigurável for a comunicação, menos hierárquico será e mais participativo o movimento. É por isso que os movimentos sociais em rede da era digital representam uma nova espécie em seu gênero.[1]
Inocência pensar que comunicação se resume a mera transmissão de informações. Existe comunicação quando se cria significado no processo de troca de informações ou quando uma das partes consegue convencer a outra que existe sentido em seu argumento ou processo racional.
A questão é: dentro de um processo de construção de comunicação, quem hoje consegue construir sentido na cabeça do seu interlocutor? Em um passado recente jornais, a grande mídia, figuras conhecidas como formadoras de opiniões, algumas até reconhecidas como intelectuais, pareciam bastar para que grupos sociais assimilassem o sentido de algum conceito, ação ou acontecimento político. É bom ressaltar que pareciam, porque tinhamos poucos meios para analisar as reações dos expectadores como temos hoje com as redes sociais.
É importante, na atualidade, que o comunicador tenha consciência que interlocutor interpretar a mensagem e seus próprios termos, levando em consideração que a alteração do público e do ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de produção de significado.
Nos Estados Unidos, o movimento Occupy Wall Sttreet, tão espontâneo quanto os outros e igualmente conectados em redes no ciberespaço e no espaço urbano, tornou-se o evento do ano e afetou a maior do país a ponto, a ponto de a revista Time atribuir ao “ Manifestante” o título de personalidade do ano. E o lema dos 99%, cujo bem- estar ora sacrificado em benefício do 1% que controla 23% das riquezas do país, tornou-se tema regular na vida política americana. Em 15 de outubro de 2011,, uma rede global de movimento Occupy, sob a bandeira “Unidos pela mudança global”, mobilizou centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando justiça social e democracia real. E todos os casos, os movimentos ignoram partidos políticos, desconfiam da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e em assembleias locais parao debate coletivo e as tomadas de decisões. (CASTELLS, 2017. p.19)[2]
Em uma sociedade formada de maneira multidimensional, ou seja a partir de vários grupos, se torna uma tarefa difícil, para não dizer quase impossível, a um governo, ou a um candidato, pautar um discurso. É difícil dizer o que vai ocupar o imaginário das pessoas com milhares de apostas nas redes sociais: pode ser um conflito entre Ellon Musk e Alexandre de Moraes em torno de divergências sobre concepções de liberdade ou a música “Chico se tu me quiseres”, que a senhora Luisa Sonsa fez para o abençoado do ex namorado e que desdes então tem tornado a vida desse semi homônimo que vos escreve um verdadeiro inferno sobre a terra.
Lembrando, também, que os movimentos sociais são afetivos. (…) Segundo a teoria da inteligência afetiva as emoções mais relevantes para a mobilização social e o comportamento político são o medo (um afeto negativo) e o entusiasmo (um afeto positivo).[3]
Sendo assim, não estamos tratando de ações racionais, com fórmulas prontas, mas de elementos trazem a tona toda complexidade humana. Se comunicar é saber, dentre diversas coisas, que a recepção da mensagem vai variar de acordo com o estado emocional dos interlocutores.
Uma coisa é certa, como diria Chacrinha, o velho guerreiro: “Quem não comunica se trumbica” mas o protagonista na construção da narrativa não é mais do candidato mas sim da população. Pedindo licença para apelar à minha memória, em 2013 eu estive presente nas manifestações que aconteceram em Belo Horizonte. Eram milhões de pessoas nas ruas defendendo as mais diversas causas. Não tenho dúvidas que tamanha diversidade unida Belo Horizonte afora, até hoje confunde, angústia e coloca para raciocinar muitos especialistas. Mas uma coisa todas e todos que estavam nas ruas naquele momento tinham em comum: queriam ter suas vozes ecoadas sem mediação. Não servia repórter, não servia lideranças sindicais. Era povo e governo. A negação da mediação era evidente e, até então, parece um caminho sem volta.
Não há dúvidas de que esse novo meio de se comunicar muda a forma de se fazer política. Fica a questão: as alianças políticas que servem para aproximar um candidato dos eleitores da base de outro eleitor continua tendo o mesmo efeito ou é só um vício político do qual muitos não conseguem se livrar. Claro, não se governa sem alianças, mas uma aliança é mais importante do que saber “falar” a linguagem da população?
E, por fim, ainda deixo a questão: falar a linguagem da população se resume a distribuição de cards ou mobilizar lideranças locais e junto a essas lideranças,usando os termos corretos e no tempo adequado oferecer respostas que alentem as pessoas e cujos motivos do sofrimento, muitas vezes, fogem a compreensão de quem mora em espaços privilegiados ou tem mais oportunidades do que outros.
Chico Samarino é Graduado em Historia pela UFOP, Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje é servidor na público da Prefeitura de Contagem.
NOTAS
[1]CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: movimento social na era da internet. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. p.19
[2]Idem.
[3]CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: movimento social na era da internet. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. p.30