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Emenda Constitucional 95/2016: O maior plano de arrocho do mundo, pois prevê congelamento real dos gastos públicos; duração de 20 anos e está na Constituição

A Emenda Constitucional 95/2016 (ex-PEC 241), congela, em termos reais, as despesas públicas não financeiras nos próximos 20 anos. Isto vai ter impactos dramáticos nos gastos com saúde, educação, assistência social, trabalho, previdência, remuneração dos servidores federais. O objetivo claro destas propostas, como demonstraremos neste texto, não é um ajuste com a estabilização das contas públicas, é uma redução radical em nosso “Estado do Bem Estar Social” com a minimização do papel do Estado.

Congelamento dos gastos públicos, em termos reais, por 20 longos anos. A Emenda Constitucional 95/2016 congela, em termos reais, as despesas públicas não financeiras (não estão incluídos os juros da dívida) nos próximos 20 anos. Isto vai ter impactos dramáticos nos gastos com saúde, educação, assistência social, trabalho, previdência e remuneração dos servidores federais. O teto de gastos equivalerá ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. O Presidente da República poderá propor, a partir do décimo exercício da vigência do Novo Regime Fiscal, projeto de lei complementar para alteração apenas do método de correção dos limites de gastos da Emenda Constitucional 95. Será admitida apenas uma alteração do método de correção dos limites por mandato presidencial.

Emenda Constitucional 95 é anti-Robin Hood: tira dos pobres e dá para os ricos. Portanto, pela Emenda Constitucional 95, a cada ano, as despesas públicas só podem crescer na proporção da inflação do ano anterior. O governo mente quando afirma que as despesas públicas não serão congeladas, porque elas serão reajustadas todo ano pela inflação. Vale esclarecer, que a inflação apenas repõe as perdas do passado, mas não aumenta os gastos para o futuro; só existe aumento quando, além da inflação, os gastos públicos incorporam também o crescimento real da economia. Com a Emenda Constitucional 95, os gastos públicos irão encolher enquanto proporção do Produto Interno Bruto – PIB, com a retomada do crescimento da economia. Já os gastos com juros da dívida pública não estarão limitados pela inflação e continuarão com uma gorda remuneração real, mantido com um superávit primário elevado. Ou seja, a Emenda 95 tira dos pobres e aumenta ainda mais os privilégios dos ricos, como os maiores juros do mundo e uma tributação regressiva. A Emenda Constitucional 95 é o mais violento plano de arrocho e de austeridade do mundo, pois não repete o regime adotado por nenhuma outra nação, tendo como principais diferenças o longo prazo (20 anos), a correção do teto de gastos apenas pela inflação e a inclusão da norma na Constituição.

SUS poderá enfrentar uma situação de colapso no atendimento. O congelamento dos gastos reais com saúde por 20 anos, previsto na Emenda Constitucional 95, é uma tragédia anunciada do SUS. Os gastos com saúde crescem acima da inflação, por diversas razões, dentre elas o crescimento da população; o envelhecimento da sociedade; os gastos com incorporação de novas tecnologias e a migração para o SUS de milhões de pessoas de planos privados, em função do desemprego e da redução da renda. Veja a seguir números do estudo realizado pelo economista João Sicsú considerando qual seria a evolução dos gastos com saúde pela Emenda Constitucional 95. No período de 2006 a 2015, nos governos Lula e Dilma, os gastos com saúde pública tiveram um incremento acima da inflação de 52%, passando de R$ 40,6 bilhões para R$ 102,1 bilhões. Se já estivesse em vigor a regra da Emenda Constitucional 95, os gastos com saúde, no período de 2006 a 2015, teriam passando de R$ 40,6 bilhões para apenas R$ 65,2 bilhões. Ou seja, pela regra Temer o Brasil estaria investindo R$ 36,9 bilhões menos na saúde atualmente, sendo que as perdas acumuladas teriam sido de R$ 178,8 bilhões. Se o SUS já enfrenta enormes dificuldades, com a Emenda Constitucional 95, a perspectiva é de caos e colapso no atendimento.

O exemplo da saúde mostra a hipocrisia das elites. Dizem que o problema é de gestão e congelam os gastos, mas nos planos privados tem-se tarifaço todo ano. As contradições são gritantes dos privatistas na questão da saúde em nosso país. No SUS, eles aprovaram a Emenda Constitucional 95/2016 que congela os gastos, em termos reais, por assombrosos 20 anos (duas décadas). Na saúde pública, onde o gasto por pessoa é baixo de R$ 1.420,00 por ano, por determinação constitucional, portanto, o reajuste das verbas foi de apenas 3% em 2018. Este arrocho inaceitável é justificado com os argumentos manjados em relação ao setor público: “dá para fazer muito mais com menos”; “gastar menos com a máquina e mais com os cidadãos”.(…) Já nos planos privados, onde o gasto anual por pessoa é de R$ 3.120,00, aplicaram um tarifaço de 10% nos planos individuais e de 19% nos planos empresariais; em cinco anos a alta dos planos privados foi, respectivamente, de 158,35% e 92,59% para uma inflação acumulada de 41,93%. Repugnante: no SUS, que gasta apenas R$ 1.420,00 por pessoa, dizem que dá para “fazer mais com menos”; nos planos privados, com gastos de R$ 3.120,00 por pessoa, alegam que estão aplicando a “inflação da saúde”. Se não dá para congelar os gastos, em termos reais, com saúde privada por que daria para congelar os gastos no setor público? O certo é que é escandaloso congelar as verbas para o SUS e aplicar um tarifaço nos planos de saúde privados. Portanto, os privatistas querem destruir o SUS, sufocando-o financeiramente, e querem maximizar os lucros nos planos privados, com reajustes incompatíveis com os aumentos de renda dos usuários, sobretudo de classe média. Em todas as demais áreas a hipocrisia é a mesma. Na educação, por exemplo, os privatistas detonam a educação pública por “má gestão”, e exaltam os resultados obtidos no setor privado, onde o custo aluno é muito superior ao setor público.

Educação terá grandes retrocessos. Com a aprovação da Emenda Constitucional 95, serão frustrados os planos aprovados no Congresso Nacional para a evolução das despesas públicas – federais, estaduais e municipais – em educação, como é caso do Plano Nacional de Educação. Veja a seguir números do estudo realizado pelo economista João Sicsú considerando qual seria a evolução dos gastos com educação pela Emenda Constitucional 95. Os gastos efetivos com educação em 2015 foram da ordem de R$ 103,8 bilhões, um avanço importante em relação aos R$ 19,7 bilhões gastos em 2006. Na regra anti-social de Temer, teria sido de apenas R$ 31,5 bilhões – uma diferença para menor de R$ 72,3 bilhões-, e as perdas nominais de 2006 a 2015 teriam sido da ordem de R$ 321,3 bilhões. Com estes dados passados, fica claro que futuramente a Emenda Constitucional 95 terá consequências graves na melhoria da educação no Brasil. Quem já não ouviu críticas do tipo: o PT, “dá o peixe (Bolsa Família), mas não ensina a pescar (educação)”. Esta crítica não tem fundamento pois os governos do PT investiram na educação “da creche até ao pós-graduação”, como dizemos. Agora com a Emenda Constitucional 95, os chamados “meritocratas” querem congelar os gastos reais com educação por 20 anos, o que mostra que a tese de que não se deve “dar o peixe”, mas “ensinar a pescar” era demagogia.

Direita considera que o principal problema da Previdência e da Assistência foi ter garantido proteção quase universal para os idosos. Um estudo feito por Milko Matijascic e Stephen J. Kay afirma o que a direita brasileira pensa sobre nossa previdência, mas não tem coragem de assumir publicamente: “Para os autores do estudo, um dos desafios do sistema de aposentadoria no Brasil decorre da combinação de seguro social com assistência social, onde a cobertura é quase universal para idosos, o que torna impossível um equilíbrio entre contribuições e benefícios”. (Valor Econômico, 10/10/2016). Outra diretriz da Emenda Constitucional 95 é criar mecanismos para que o “crescimento vegetativo” dos benefícios – novos aposentados e pensionistas e novos beneficiários do BPC, seguro-desemprego e abono salarial – não inviabilizem o teto de gastos. Portanto, em relação aos benefícios sociais, o que está em discussão não é apenas o congelamento global dos gastos, mas a redução e o corte generalizado de direitos. Existem seis alternativas que estão sendo discutidas, ou a combinação das seis: 1) uma reforma da previdência ultrarradical da previdência, bem como mudanças também radicais nas regras de acesso aos outros benefícios; 2) desvinculação dos novos benefícios do salário mínimo, podendo a previdência praticar um piso mínimo inferior ao salário mínimo, como está sendo proposto nos casos da pensão e do BPC; 3) desvinculação dos benefícios já concedidos do salário mínimo, seja através da desvinculação constitucional ou mesmo da supressão do reajuste real por lei para todos, sejam ativos ou aposentados; 4) reajuste dos aposentados e pensionistas abaixo da inflação, com perdas reais, para abrir espaço para os gastos com os novos aposentados; 5) supressão de alguns benefícios sociais, como parece ser caso do abono salarial; 6) compensação do aumento dos gastos previdenciários acima da inflação em outras áreas, o que poderá sufocar os gastos com investimentos, folha dos servidores federais e outras áreas.

Duríssimo arrocho aos servidores federais. A Emenda Constitucional 95 é um arraso para os servidores federais, especialmente para as categorias mais frágeis politicamente, pois existe o crescimento vegetativo que consumirá boa parte do aumento da inflação: PCCV já existentes e aqueles com mudanças previstas para os próximos anos e novos aposentados e pensionistas. Para manter as despesas com os servidores no limite da inflação, as alternativas são a redução dos serviços públicos federais com a não substituição de servidores aposentados; e reajustes abaixo da inflação ou até mesmo zero.

Emenda 95/2016 poderá congelar, em termos reais, salário mínimo dos trabalhadores em atividade. A Emenda Constitucional 95 também inclui um mecanismo que pode levar ao congelamento do valor do salário mínimo, que seria reajustado apenas segundo a inflação. O texto prevê que, se o Estado não cumprir o teto de gastos da Emenda 95, fica vetado a dar aumento acima da inflação com impacto nas despesas obrigatórias. Como o salário mínimo está vinculado atualmente a benefícios da Previdência, o aumento real ficaria proibido. A regra em vigor possibilitou aumento real (acima da inflação), um fator que ajudou a reduzir o nível de desigualdade dos últimos anos.

Instalaram o teto para depois construir a casa. Marcos Nobre, do Valor Econômico, explica a esperteza da dupla Temer / Meirelles: “A esperteza da tática do teto é outra. Embute no texto enxuto da PEC o anexo implícito de todo o catálogo de reformas: previdenciária, trabalhista, benefícios sociais e assim por diante. Instala o teto e só depois constrói a casa. Aprova-se primeiro a trava constitucional e depois se põe o Congresso diante do inevitável: ou faz as reformas ou inviabiliza a execução do orçamento que aprovou”. O teto, além de prejudicar os trabalhadores, poderá instalar o caos no setor público brasileiro.

Uma redução radical do embrionário Estado do Bem Estar Social. O Blog Dinheiro Público fez um estudo afirmando que os gastos públicos primários com políticas públicas – saúde, educação, previdência, assistência social e trabalho – subiram de 2005 a 2015, 93% acima da inflação atingindo R$ 1,16 trilhão. Se aplicado o critério do Plano Temer, o montante seria de apenas R$ 600,7 bilhões. Vinicius Torres Freire, colunista da Folha, fez estudo que mostra que as despesas públicas não financeiras, que em 2016 representam 19,60% do PIB recuariam em 2026 para 15,46% do PIB, valor equivalente ao que o Brasil gastava em 2004, de 15,60% do PIB. Em 2036, os gastos seriam de 12,08% do PIB, menos dois pontos percentuais do PIB em relação aos gastos sociais de 40 anos atrás, em 1997. Portanto, a Emenda Constitucional 95 tem como finalidade, não somente um ajuste fiscal de curto prazo, mas uma radical redução do embrionário Estado do Bem Estar Social no Brasil. Com a Emenda Constitucional 95, o sistema político abrirá mão de seu poder e o governo político é substituído por um “Comitê de intervenção do capital financeiro”.

Especificidades de nosso Estado do Bem Estar Social que a direita critica e a esquerda não entende. Não existe termo de comparação do Estado do Bem Estar Social brasileiro com o que existe na Europa. É muito comum que segmentos de classe média, mesmo de esquerda, afirmem que temos carga tributária de primeiro mundo – de fato os 33% do Brasil é a média da carga tributária na OCDE -, e serviços públicos de quinto mundo. Não é bem assim. Nossa carga tributária incide sobre um patamar de riqueza muito inferior ao dos países europeus e dos Estados Unidos. Se analisarmos o PIB per capita dá para ver que a carga tributária per capita no Brasil é muito pequena e isso implica em enormes diferenças na capacidade de oferta de serviços públicos. A carga tributária per capita, em dólares, nos países escandinavos, onde o Estado do Bem Estar Social é mais desenvolvido, é cinco a dez vezes maior que no Brasil; na Alemanha e França, ela é quatro a cinco vezes maior que a nossa; e mesmo em países mais liberais, como Estados Unidos e Reino Unido, a carga tributária per capita é quatro vezes maior que aquela do Brasil.(…) Quando comparamos o Brasil com outros países emergentes dos BRICS e da América Latina, fica claro que nosso país é, disparado, o que tem mais direitos sociais. Segmentos da esquerda fazem muitas vezes comparações que subestimam enormemente o nosso Estado do Bem Estar Social. Temos no Brasil uma tradição de considerar política social somente aquela da assistência social, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Social, mas as políticas sociais estão em diversos ministérios – o próprio Desenvolvimento Social, Previdência, Saúde, Educação, Cultura, Desenvolvimento Agrário – e nos Estados e municípios estão espalhadas em diversas secretarias. É muito comum a comparação entre os gastos com o Bolsa Família, da ordem de R$ 25 bilhões, e os gastos com juros, da ordem de R$ 379 bilhões atualmente. Não é bem assim. No Brasil, os gastos públicos não financeiros (que exclui os juros da dívida) são da ordem de 32% do PIB, em grande parte direcionados para as políticas sociais. Este percentual é quase o dobro da carga tributária dos demais países dos BRICS (China, Rússia, Índia, e África do Sul) e da maioria dos países da América Latina. Pela dimensão dos cortes propostos pela Emenda 95 fica claro o alcance de nosso Estado do Bem Estar Social, que se está, de fato, muito distante dos países europeus, não tem nada parecido em outros países emergentes.

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