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Ivanir Corgosinho: a defesa da democracia no governo Marília Campos

Ivanir Corgosinho

É possível confrontar a Nova Direita de modo prático via a adoção de políticas governamentais que recuperem a credibilidade dos governos democráticos e a esperança numa “promessa de emancipação” vinda da esquerda.

A recente ascensão de movimentos políticos e sociais conservadores, de direita e de extrema direita em escala global, e a chegada ao poder governamental de alguns de seus representantes — como no emblemático caso de Donald Trump, nos EUA — recolocou em pauta o debate sobre a democracia liberal como forma de governo capaz de processar positivamente os conflitos de interesses e divergências de opiniões existentes no interior das sociedades ocidentais. Estaríamos, assim, em mais uma crise da democracia que, para alguns observadores, pode ser terminal dada a natureza antidemocrática da assim denominada “Nova Direita”.

No Brasil, a emergência da Nova Direita costuma ser datada de 2013, quando das ondas de manifestações que varreram o país e ambientaram o surgimento de movimentos como “Vem Pra Rua” e o “Brasil Livre” no ano seguinte, 2014. Em 2016, ao cabo de um traumático processo de impeachment juridicamente forjado, houve a parlamentada que apeou a presidenta Dilma do poder. Assumiu Michel Temer, que iniciou a um pesado ataque a direitos sociais do povo brasileiro, muitos dos quais conquistados em décadas de lutas sindicais e populares e que estão na base de nosso Estado de Bem Estar Social. As reformas trabalhista e da Previdência são exemplos desta ofensiva que continuou a partir de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. Desde então, o país tem assistido ao que o jornal El País chamou de “assalto em câmera lenta à democracia”.

Manifestantes bolsonaristas pedem golpe em frente ao Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. Foto: Zanone Fraissat – 15.abr.2021/Folhapress

Jair Bolsonaro jamais escondeu suas preferências políticas e ideológicas, sua adesão ao autoritarismo como método e estilo, nem sua insatisfação com o desenho político vigente no país. “Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil”, disse ele em fevereiro último, em uma formatura de cadetes do Exército(1). Ainda bem que não depende.

Sem forças suficientes para realizar o sonho de um golpe militar à moda antiga, com tanques nas ruas, congresso fechado, mobilização dos quartéis e patrulhas de milicianos, o presidente perpetra uma sequência interminável de ataque às instituições democráticas nacionais. O rol é bem conhecido. Vai da permanente hostilização ao Supremo Tribunal Federal (STF) até a extinção do sistema nacional de participação de representantes da sociedade civil em decisões sobre políticas públicas, passando pelas crescentes ameaças à liberdade de imprensa; pela disseminação de boatos e notícias falsas; pelo incentivo ao armamento da população; pela promoção de manifestações favoráveis a uma ditadura; pela interferência ilegal nas nomeações internas da PF a fim de promover seus interesses pessoais; pela decretação de sigilo por cem anos dos registros relativos aos acessos de seus filhos ao palácio governamental e dos processos sofridos pelo general Eduardo Pazuello, etc.

Este “assalto em câmera lenta à democracia”, que Bolsonaro exercita de modo sistemático e com grande habilidade é, de certa forma, a grande novidade da luta pelo poder político no mundo ocidental neste início do século XXI. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no já clássico “Como as democracias morrem”, buscam demonstrar como as democracias podem, e frequentemente são, instabilizadas por dentro pela ação de lideranças conservadoras que, uma vez eleitas pelo voto direto do povo, passam a modificar o funcionamento das instituições democráticas tendo em vista colocá-las a serviço de um projeto autocrático de poder, inclusive via golpes parlamentares como ocorreu no Brasil e no Paraguai em 2012. Por outro lado, a via do “assalto em câmera lenta à democracia” tornou-se uma opção preferencial das oligarquias, em contraposição aos golpes militares clássicos, tanto porque os golpes militares se tornam de difícil realização nas complexas sociedades atuais (entre elas o Brasil) quanto porque, como têm demostrado os resultados de eleições em todo o mundo, os partidos e candidaturas conservadores, de direita e até fascistas, podem ser fortemente competitivos nas disputas eleitorais, como argumentou Wanderley Guilherme dos Santos(2).

Embora exista um grande debate sobre as características da nova direita, me parece mais relevante investigar sobre os motivos que levaram à inédita e assustadora popularidade que movimentos e lideranças deste campo têm obtido nas últimas décadas. Neste caso, sugiro seguir os passos de Norberto Bobbio quando alerta para as “promessas não cumpridas da democracia”(3).

É imperativo reconhecer que, após a II Guerra, houve um exponencial aumento dos espaços democráticos no mundo. O direito de votar e ser votado foi universalizado junto com a adoção do sistema de eleições periódicas; multiplicaram-se os partidos em concorrência entre si dando vazão às múltiplas perspectivas ideológicas existentes na base das sociedades; foram ampliados os principais direitos de liberdade e avançou-se bastante no reconhecimento dos direitos das minorias, entre outros progressos. Entretanto — é para este ponto que Bobbio aponta — permanece um hiato profundo, e cada vez maior, entre aquilo que foi imaginado pelos liberais e iluministas do novecentos e o que foi efetivamente entregue pelo que podemos chamar de “sistema de vida”, ou seja, a junção do capitalismo como modo de produção e distribuição de bens e serviços e a democracia como modo de escolha de nossos governantes.

Resumidamente, Bobbio denuncia que essa junção, longe de entregar o reino de fraternidade, igualdade e liberdade prometido, levaram à persistência dos poderes oligárquicos e à predominância de interesses particulares sobre as necessidades gerais da sociedade. Esse poder oligárquico não está presente apenas no mundo dos ricos, mas pode ser observado também na ação dos partidos, sindicatos e outros grupos organizados que, na prática, se tornaram os verdadeiros protagonistas da vida política em substituição aos indivíduos soberanos. Estes, por sua vez, vêm seu espaço de participação cada vez mais restrito ao voto nos momentos autorizados pelo sistema. Dessa forma, sugere Bobbio, o caminho para a interferência do chamado “poder invisível” (lobbies corporativos, pressão de grupos criminosos, etc.) sobre os fóruns de decisões governamentais vem sendo muito facilitado, favorecendo a corrupção e a opacidade nas relações entre os governos e o cidadão. Ao fim e ao cabo, todos esses fatores contribuem para a formação de uma cultura que descrê da política e não contribui para o ensinamento das virtudes e necessidades da cidadania.
Saliento que este conjunto de variantes conforma o mecanismo social de produção e reprodução das desigualdades sociais e, de modo particular, da desigualdade de renda, num processo que aumenta continuamente as distâncias sociais, como registrou o economista francês Thomas Piketty(4).

A democracia e o capitalismo deixaram um fosso entre o que foi entregue e as promessas de liberdade, fraternidade e igualdade feitas nas revoluções burguesas. “A liberdade guiando o povo”, pintura de Delacroix.

É neste ambiente que a Nova Direita opera, apresentando uma interpretação da realidade que faz muito sentido aos olhos do cidadão comum: os flagelos que ele vive em seu cotidiano são “culpa” de um “sistema corrupto”, elitista e inacessível que precisa ser mudado, nem que seja “no tapa”. Dai o sucesso dos “outsiders”, os novatos sem vínculos conhecidos com algum dos aparatos de poder politico mais característicos. A popularidade da nova direita vem dessa crítica radical à esfera política e de uma rebeldia contestatória que dialoga vivamente com sentimentos de indignação e frustração presentes entre o povo.

A esse respeito, o historiador argentino Pablo Stefanoni lançou ano passado um livro bastante provocador e que, infelizmente, ainda não tem edição em português: “La rebeldía se volvió de derecha?” (A rebeldia passou a ser de direita?, em tradução livre), pergunta ele logo no título. Stefanoni argumenta que essas direitas captaram a frustração da época e se tornaram canais de protesto contra governos e formas de fazer política. Um exemplo inquietante nesse sentido diz respeito à bandeira da liberdade que é, tipicamente, é uma consigna progressista e até mesmo de esquerda. Stefanoni lembra que, historicamente, a direita usou o tema da liberdade para se opor ao comunismo. Entretanto, durante a pandemia, os conservadores e negacionistas ressignificaram esse conceito e adotaram um “libertarismo pandêmico” em oposição às restrições de circulação e medidas de vigilância impostas por diversos governos que, com isso, aumentaram drasticamente sua capacidade de controle policial sobre a cidadania. Com a anuência da esquerda. “No passado, a esquerda era quem oferecia um futuro, uma promessa de emancipação. Isso se quebrou, e nessa ruptura essas direitas passaram a prometer utopias relacionadas a um passado de grandeza. Prometem fechar fronteiras, pregam a ideia de que houve um momento de glória e que depois dele veio a decadência(5)”, disse ele numa entrevista ao jornal O Globo.

O renomado sociólogo português Boaventura Sousa Santos argumenta no mesmo sentido. Para ele, estes movimentos exploram o “mal-estar social que a subordinação crescente da democracia ao capitalismo provoca. Ou seja, exploram as mesmas condições sociais que mobilizam os movimentos anti-sistêmicos de esquerda. Mas, enquanto para estes o mal-estar social decorre precisamente da sujeição da democracia às exigências do capitalismo, exigências cada vez mais incompatíveis com o jogo democrático, para os movimentos de extrema-direita o mal-estar decorre da democracia e não do capitalismo. É, por isso, que, tal como na década de 1930, a extrema-direita é acarinhada, protegida e financiada por setores do capital, sobretudo pelo capital financeiro, o mais anti-social de todos os setores do capital”(6).

Na campanha eleitoral de 2020, a campanha da candidata petista Marília Campos à prefeitura de Contagem, sustentou que a solução para a crise da democracia é mais democracia(7), numa demarcação franca e clara com o discurso golpista de Jair Bolsonaro. Esta convicção foi refletida no Programa de Governo que elaboramos num capítulo exclusivamente dedicado a este tema, com uma abordagem política abrangente em termos de medidas a serem adotadas pelo futuro governo. Reproduzo a seguir a íntegra do capítulo:

PARTICIPAÇÃO POPULAR

Uma cultura democrática e transformadora na vida pública

• Aproximar a administração municipal da população. Garantir o acesso da população à prefeita e ao secretariado por meio de audiências públicas presenciais ou via internet, lives; programas de comunicação do estilo “A prefeita responde” e reuniões nos bairros e nas regionais para discussão de projetos e dos problemas da comunidade;

• Incentivar a auto-organização da sociedade civil e instituir o Sistema Municipal de Participação Popular e Cidadã, a ser formado pelas organizações, movimentos, conselhos e fóruns representativos dos diversos grupos e segmentos sociais;

• Valorizar e fortalecer os Conselhos das diferentes áreas como espaços de participação e de controle social;

• Garantir a transparência na Prefeitura e popularizar, através das redes sociais e do Jornal da Prefeitura, as informações do interesse da população; valorizar, fortalecer e facilitar o acesso ao Portal da Transparência, aos Serviços de Atendimento ao Cidadão, e à Ouvidoria Geral do Município;

• Publicação, dentro dos prazos legais, na internet dos relatórios fiscais e demais informações exigidos em lei; edição de cartilhas e realização de cursos para a comunidade, em especial para os segmentos organizados, das finanças públicas; divulgação de forma didática nos jornais da Prefeitura das principais informações financeiras da Prefeitura: receitas, despesas, dívida, investimentos, remuneração dos servidores, dentre outras;

• Fortalecer as administrações regionais visando colocar a prefeitura mais próxima do cidadão, descentralizar a prestação de serviços e agilizar as respostas do poder público nas diversas regiões da cidade;

• Usar a internet para simplificar, agilizar e desburocratizar o diálogo entre governo e sociedade, a relação direta da população com a prefeita e a melhoria do atendimento ao cidadão;

• Elaborar, regulamentar e implementar o Plano Municipal de Informática com o objetivo de instituir os princípios, diretrizes, estruturas e normas da Politica Municipal de Tecnologia da Informação e Comunicação; fomentar a inovação tecnológica na economia municipal; aumentar a transparência das ações do executivo municipal; facilitar a participação cidadã e promover a cidadania e a inclusão digital;

• Governar respeitando a autonomia do poder Legislativo.

A leitura do texto não deixa dúvidas quanto aos objetivos pretendidos pela candidata: reduzir as distâncias entre governo e cidadania e tornar a Prefeitura mais presente na vida das pessoas; dar transparência aos atos do governo e assumir a prestação de contas como uma dimensão inarredável do processo de responsabilização dos governantes e, finalmente, incentivar a participação organizada dos moradores nas decisões do governo.

Não é propósito deste artigo balancear esses compromissos, por mais que a apuração seja amplamente favorável ao governo Marília Campos. O objetivo aqui, depois das longas considerações preliminares, é sustentar que possível confrontar a Nova Direita de modo prático via a adoção de políticas governamentais que recuperem a credibilidade dos governos democráticos e a esperança numa “promessa de emancipação” vinda da esquerda.

O balanço que proponho abrange três dimensões sem as quais, a meu ver, não é possível a sustentabilidade da democracia a longo prazo. Trata-se das questões da igualdade, da transparência e da prestação de contas e, finalmente, da participação.

A IGUALDADE — Por igualdade não devemos entender apenas a isonomia de todos perante as leis, tal como consagrado pela declaração dos direitos humanos e outros documentos fundamentais das revoluções burguesas. A lei apenas diz, por exemplo, que você tem o direito de ir e vir, mas não te diz qual meio de transporte usar. Assim, a igualdade deve ser contemplada também no plano material, ou dos recursos e oportunidades à disposição da cidadania para o exercício de uma vida plena.

Os efeitos perversos de uma distribuição desproporcionalmente desigual dos recursos sociais são conhecidos desde, praticamente, o início da civilização. Há mais de dois mil anos, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.)(8) chamava a atenção para a luta entre pobres e ricos na velha Atenas que levava a constantes revoluções. Por essa razão, o filósofo propunha que o estado fomentasse a formação de uma sólida “classe média” que amortizasse o conflito entre os dois extremos.

Já nas origens das revoluções burguesas, iluministas como Jean-Jacques Rousseau Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o Marquês de Condorcet (1743-1794) alertaram para os graves efeitos das desigualdades sobre a ordem política.

No caso de Rousseau, a desigualdade econômica e política entre as pessoas, era vista como uma consequência das convenções que regem a vida social. A convenção da propriedade privada, para o filósofo, seria a principal responsável não apenas por essa desigualdade mas, também, pela feroz competição entre as pessoas numa busca constante de poder e riquezas para subjugar seus semelhantes. Dai que a desigualdade crescente representaria uma ameaça à própria liberdade humana (9).

Quanto ao Marquês, embora fosse favorável à propriedade privada e ao livre comércio, por outro lado era um enérgico defensor da igualdade – e não somente da igualdade de todos os cidadãos perante as leis, mas da igualdade de fato, a ser assegurada via a promoção pelo Poder Público de oportunidades para todos, fossem ricos ou pobres, homens ou mulheres, negros ou brancos, etc. Como se sabe, é dele a autoria de um projeto de lei apresentado na Assembleia Nacional da França em 21 de abril de 1791,propondo a implantação da “instrução pública”, gratuita e universal, vista como base para uma acepção mais complexa e mais sólida de cidadania(10).

Finalmente, não é demais lembrar a crítica à desigualdade social nas raízes mais antigas e profundas dos movimentos de esquerda, socialistas e comunistas. Décadas antes de Marx, o jornalista francês Gracchus Babeuf (1760-1797), liderou a chamada “Conspiração dos Iguais” cujo objetivo era alcançar a igualdade de fato entre as pessoas e não apenas a igualdade perante a lei. No Manifesto dos Iguais, redigido em 1796, Babeuf declara: “Desde a própria existência da sociedade civil, o atributo mais belo do homem vem sendo reconhecido sem oposição, mas nem uma só vez pôde ver-se convertido em realidade: a igualdade nunca foi mais do que uma bela e estéril ficção da lei. E hoje, quando essa igualdade é exigida numa voz mais forte do que nunca, a resposta é esta: ‘Calai-vos, miseráveis! A igualdade não é realmente mais do que uma quimera; contentai-vos com a igualdade relativa: todos sois iguais em face da lei. Que quereis mais, miseráveis?” (11)

Em resumo, a desigualdade – especialmente quando extremamente desproporcional – foi vista com preocupação e objeto de cuidados por ideólogos de distintas linhagens, seja com o propósito de assegurar a estabilidade da ordem e preservar o status quo, seja no sentido de promover revoluções ou reformas estruturais que levassem a uma maior igualdade entre os homens.

Neste sentido, é necessário registrar que a petista Marília Campos voltou ao governo de Contagem em meio a um dos mais radicais processos de concentração de rendas já visto na história brasileira. As políticas econômicas contracionistas iniciadas pelo presidente Temer tiveram continuidade com Bolsonaro e foram agravadas pela pandemia da Covid-19 que impôs severas restrições de mobilidade, fechamento do comércio, etc. Como corolário, o país vive uma dramática crise econômica que gera desemprego em larga escalda e fomenta tanto o aumento da pobreza e da miséria quanto uma concentração ainda maior da riqueza socialmente produzida.

De acordo com um levantamento realizado pela Oxfam Brasil, o país ganhou 10 novos bilionários desde março de 2020, quando a pandemia foi declarada. O aumento da riqueza dos bilionários neste período foi de 30% (US$ 39,6 bilhões), enquanto 90% da população teve uma retração de seus rendimentos igual a 0,2% entre 2019 e 2021(12).

O governo Marília Campos vem enfrentando esta tragédia atuando em duas frentes. Em primeiro lugar com medidas de incentivo à economia local. Este tópico contempla ações como a forte retomada dos investimentos públicos que levaram à abertura de um significativo número de vagas de trabalho na cidade (cerca de 1600 em 2021); o patrocínio aos empreendimentos da Economia Solidária; a melhoria do relacionamento com o setor de RH das empresas via a reorganização do SINE e consequente melhoria da capacidade de oferta e intermediação de vagas; retomada dos concursos públicos (como no caso do concurso para professores que aprovou cerca de 1.500 inscritos); a aprovação da lei Complementar 318, deste ano, que prevê a concessão de vantagens aos Microempreendedores Individuais (MEIs), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) nos processos de compras governamentais; a adoção de sistemas informatizados para oferecer mais transparência, agilidade e eficiência aos processos de licenciamento ambiental, liberação de alvarás e ações de fiscalização e, finalmente, o fim da política de arrocho sobre os vencimentos dos servidores com a retomada da política reajuste dos salários.

Entrega do Cartão Social da Prefeitura – 10/02/2022. Foto: Luci Sallum/PMC

Esse conjunto de iniciativas repercute positivamente sobre todo o ambiente de negócios do município e sinaliza aos investidores que a cidade é uma alternativa segura tanto para ampliações da base instalada e quanto para novos empreendimentos. Neste sentido, o Mapa de Empresas do Governo Federal registrou um crescimento de 12,21% no número de novas empresas abertas na cidade em 2021, na comparação com o ano de 2020. O município foi destaque em Minas Gerais na geração de empregos de carteira assinada em 2021, com 11.732 novos vagas abertas e a somatória dos investimentos privados anunciados para os próximos anos chega a 7 bilhões de reais, conforme os cálculos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico.

A segunda linha de ação está relacionada à assistência às populações mais vulneráveis. Dados da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social indicam que Contagem possuía, em junho de 2021, cerca de 78.878 pessoas vivendo na linha da extrema pobreza (29.097 famílias), 15.539 pessoas na faixa da pobreza (6.397 famílias) e 41.100 pessoas de baixa renda (ou 14.356 famílias).

O município tem um sem número de serviços que significam ou a transferência de recursos públicos diretos para essas pessoas ou, pelo menos, alguma economia para o bolso do beneficiado. São exemplos o Programa Sem Limite (de transporte para pessoas com graves necessidades motoras); a oferta do cartão BH Bus; ajuda na emissão de documentos, distribuição regular de cestas básicas, albergues e outros equipamentos para a atenção à população de rua; o programa de hortas comunitárias e os restaurantes populares que servem cerca de 3.500 refeições diárias, a preços fortemente subsidiados.

Dentre todos, destaco dois programas municipais com forte capacidade de proteção e de impacto sobre a economia local: a merenda escolar e o Cartão social.

Suspensa durante a Pandemia, quando foi substituída por um vale, a oferta da merenda foi retomada em outubro de 2020 e atende cerca de 57.200 mil crianças todos os dias a um custo mensal médio de R$ 1.900.000,00. O vale foi oferecido entre janeiro e outubro de 2020 para todos os estudantes da rede com renda familiar igual ou inferior a três salários-mínimos, num investimento total de R$ 28.122.700,00.

Já o Cartão Social é destinado às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social temporária, inclusive devido a questões de calamidade pública. Ele corresponde a um benefício no valor de R$ 100 mensais concedidos pelo município e substitui a cesta básica já recebida pelas famílias referenciadas pela Assistência Social. O cartão (ao contrário da cesta) dá a essas pessoas a autonomia para comprar produtos que realmente precisam, inclusive, materiais de limpeza e gás de cozinha. O investimento é de R$ 2.536.920,00.

A PARTICIPAÇÃO — Durante a campanha eleitoral de 2020, escrevemos o seguinte panfleto:

“Na democracia representativa, a escolha dos representantes do povo para os diferentes níveis do poder político está baseada na vontade da maioria, expressa pelo voto. Mas, o que um povo espera de seus representantes é que façam por onde garantir a liberdade, a segurança e o bem-estar de todos e cada um dos cidadãos e cidadãs, quer estejam ou não representados no Legislativo e no Executivo.

A regra da vontade da maioria, portanto, não é suficiente para justificar nem as decisões de governo, nem as leis aprovadas pelo Parlamento. A história está repleta de governos que “democraticamente” desprezam as opiniões minoritárias. Num mundo com sociedades cada vez mais diversas e plurais, essa é uma das razões para a crescente crise de legitimidade das democracias representativas.

A solução para esta crise é mais democracia. A participação política é a melhor garantia contra todas as formas de tirania. Quanto não ouve e não cria as condições para que as minorias eleitorais possam participar e influir sobre as decisões, a regra da maioria, em sua essência, leva à “ditadura da maioria” — um governo tão distante dos ideais de justiça quanto o governo de qualquer ditador.

Quanto mais espaço tivermos para participar e influir sobre os espaços de poder, mais nossos governos poderão agir no melhor interesse de todas as camadas e segmentos da comunidade” (13).

Pre-conferência de Políticas Urbanas regional Nacional – 23/10/2021. Foto: Fábio Silva/PMC

Este compromisso de campanha tem se tornado uma das principais marcas do governo, assegurando tanto para aqueles que votaram na candidata vitoriosa quanto para os que preferiam o outro candidato, as mesmas oportunidades de influenciar nas decisões. Mesmo durante o período mais grave da Pandemia da Covid-19, que impôs severas restrições de mobilidade e para a realização de encontros e reuniões presenciais, o governo conseguiu manter uma importante agenda de articulações e de mobilização na busca de soluções pactuadas seja para o enfrentamento da própria pandemia, seja para o exercício da gestão, para a condução de obras e políticas públicas e para a busca de recursos que ajudem no financiamento das demandas das comunidades.

O chamado “Pacto pela vida”, por exemplo, foi o principal instrumento de mobilização social da Prefeitura no combate à pandemia envolvendo a Câmara dos Vereadores, denominações religiosas, segmentos empresariais e a população de conjunto. Além da busca permanente por este engajamento, o governo vem fortalecendo os fóruns e instâncias populares de dois modos. Primeiro, autorizando e implementando os Conselhos de Políticas Públicas, que são as instâncias de participação popular previstas em lei. Além disso, deu início à construção do Sistema Municipal de Participação Popular — SMPPC, composto por várias das iniciativas formais e informais de promoção da participação e do controle social.

Terminamos o ano de 2021 com 29 conselhos municipais de políticas públicas em atividade, mobilizando cerca de 826 conselheiros, entre representantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da sociedade civil. Quanto ao SMPPC, trata-se de uma iniciativa municipal que implicou a eleição por território de oito conselhos em reuniões plenárias com ampla participação dos moradores.

Esses conselhos reúnem um total de 618 Conselheiros (354 titulares e 264 suplentes), já empossados pela prefeita Marília Campos. Sua função é assessorar o governo na definição de políticas, serviços e obras prioritários para a região e fiscalizar o andamento dos trabalhos. Fazem parte do sistema, as Comissões de acompanhamento de obras, que são mecanismos temporários formadas por moradores para acompanhar o andamento dos investimentos em infraestrutura da cidade e ajudar na difusão de esclarecimentos em caso de revisão de projetos, paralisia dos trabalhos, entre outros problemas. Atualmente 20 dessas comissões estão ativas.

O governo também busca mobilizar fóruns intersetoriais de políticas Públicas, formados por representantes da sociedade civil e das diversas secretarias para tratar de temas específicos. Até o momento estão em funcionamento cinco deles: o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População Imigrante; a Comissão Paritária da Feira de Arte e Artesanato do Bairro Eldorado; o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher; o Comitê municipal de gestão dos distritos industriais de Contagem e a Comissão de parcelamento, ocupação e uso do solo.

Marília nas ruas — Este é um destaque valioso. A prefeita tem uma extensa agenda de visita às obras, equipamentos públicos e comunidades. Nessas ocasiões, ela é diretamente abordada pelos moradores que, invariavelmente, agradecem pelo que foi feito, mas sempre apresentam novas demandas. É comum que essas reivindicações sejam atendidas com Marília determinando a realização dos estudos de viabilidade e a inclusão da intervenção no planejamento do governo. A agenda da prefeita é, com certeza, uma importante oportunidade de participação à disposição dos moradores da cidade.

A TRANSPARÊNCIA — Ao refletir sobre a legitimidade do poder e os fundamentos de autoridade das instituições políticas, Hanna Arendt nos inicia num interessante debate sobre o conceito de realidade. O que é, afinal de contas, o real? Em “A condição humana”, a filósofa sugere que, no mundo dos negócios humanos, a definição, a existência e continuidade do real depende, em primeiro lugar, da presença de testemunhas, ou seja, de outros que compartilham do que foi visto e ouvido e que, posteriormente, haverão de se lembrar dos eventos narrados. Neste sentido, na esfera politica, aquilo que entendemos como realidade requer a dimensão da visibilidade, vale dizer, da publicidade, ou ainda, deve ser público. Público significa “tudo que pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência – aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos – constitui a realidade” (14).

A questão da transparência deve ser vista nesta perspectiva e é muito mais que uma vacina contra a corrupção ou contra a roubalheira dos cofres públicos, como pretende o moralismo udenista – muito embora não deixe de ser, também, a melhor maneira de solucionar o desacordo entre a moral e a política. “A presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garantem-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”(15), escreve Hanna na página seguinte, deixando ainda mais explicita a dimensão mais radical do problema. Só é possível a construção do comum por meio de experiências tangíveis, que possam ser vistas e ouvidas pelo maior número de pessoas e comunicáveis.

Trazendo o debate para o terreno da construção de políticas públicas democráticas, resta evidente a existência de um conflito entre a democracia e o segredo. É genial, neste sentindo, a definição de Norberto Bobbio para quem a democracia é o governo do poder público exercício em público, ou seja, o poder público não é privado e nem é secreto(16). Por esta razão, para Bobbio, o segredo de Estado é um dos maiores obstáculos à implementação de uma democracia plena.

Numa democracia, portanto, a visibilidade e a publicidade do poder são elementos básicos que tanto permitem o importante mecanismo de controle da população sobre a conduta dos governantes assegurando a correspondência entre as promessas e as entregas, quanto a construção de uma compreensão comum sobre a realidade socialmente construída e, por consequência, o adensamento da base social que pode oferecer sustentação ao projeto democrático. Estou falando, naturalmente, de uma governabilidade que não depende apenas do esforço, nem sempre fácil, de manter boas relações com a Câmara dos Vereadores.

Em Contagem, sob o governo Marília Campos, existe um amplo leque de iniciativas tendo em visa aumentar a visibilidade das ações do poder público e facilitar o acesso aos canais de expressão dos moradores. Essas iniciativas atendem tanto ao princípio da transparência ativa, aquela na qual o Poder Público toma a iniciativa de dar publicidade a seus atos independentemente da pressão por informações por parte da cidadania e, também, da transparência passiva – aquela em que a Administração Pública libera informações à medida que instada por terceiros. Dentre elas, devem ser listadas o Portal da Transparência, a Ouvidoria Municipal com seus seus vários canais de comunicação com o usuário (e-mail, WhatsApp, telefone, o canal E-OUV e o E-SIC) e o Diário Oficial do Município, que tem publicação regular.

São dois, entretanto, os pontos fortes dessa política. O primeiro é a política de comunicação, ajustada às especificidades do município. Como escrevemos no caderno Contagem iluminada, “Por sua proximidade com Belo Horizonte, Contagem sempre dependeu da boa vontade dos veículos de comunicação estadual para cobrir os seus principais acontecimentos. No município, ao contrário do que ocorre nas capitais e cidades polo, não vicejou um ecossistema comunicacional pujante, formado por jornais, revistas, rádio ou TV comercial ou educativa. A cidade não tem nenhuma experiência bem-sucedida na área. Essa ausência é um dificultador para que se dê vazão às demandas da comunicação pública. A mídia estadual tende a cobrir, com maior ênfase, as pautas negativas, dedicando menor espaço para as boas práticas administrativas e para o que de bom acontece na cidade, de maneira geral. Já a veiculação de campanhas educativas e informativas por parte da Prefeitura, esbarra em custos proibitivos, em especial no caso da TV, para serem feitos de forma frequente”(17).

Por essas razões, a política de comunicação da prefeitura é composta por um mix de produtos tendo em vista facilitar o acesso ao morador em todas as regiões. Faixas, carro de som, cartazes, panfletos, busdoor, jornais e boletins impressos e outras formas de comunicação mais “tradicionais” ganham uma importância fundamental, ao lado de meios modernos como as redes sociais e das campanhas publicitárias veiculadas no rádio e na TV quando possível. O Jornal `Prefeitura Faz, cuja publicação foi retomada no atual governo teve duas edições em 2021, com tiragens de 200 mil exemplares cada, distribuídas de casa em casa e nos principais corredores comerciais. A Secretaria de Comunicação também retomou a edição de jornais regionais. Foram feitos oito, uma para cada região administrativa, com tiragem somada de 66 mil exemplares.

Jornal Prefeitura Faz: 200 mil exemplares entregues e casa em casa.

Também cabe destacar neste tópico a comunicação realizada diretamente pela prefeita Marília Campos via suas redes sociais onde dá ampla divulgação de sua agenda de trabalho, reporta seus os encontros com a população e, regularmente, presta contas de seus vencimentos.

Finalmente, cabe destacar as políticas que visam tornar a Prefeitura fisicamente mais próxima dos moradores e aquelas que, investindo na modernização tecnológica da gestão, tornam os processos tantos mais ágeis quanto mais transparentes. No primeiro grupo de ações, está o fortalecimento das Administrações Regionais com a ampliação da carteira de serviços que podem ser solicitados pelo cidadão e pela cidadã sem a necessidade de recorrerem a uma secretaria específica, No segundo caso, está a adoção de sistemas que permitem a solicitação do serviço e o monitoramento do processo pela Administração e pelo usuário. São exemplos. o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) adotado pela Controladoria e o Programa Governo Digital, de iniciativa da Secretaria de Tecnologia da Informação e Inclusão Digital, Como parte deste programa, a prefeitura está investido na inclusão digital da população, ampliando e democratizando o acesso dos moradores à internet tanto via as escolas municipais quanto com a implantação de wi-fi nas praças da cidade.

 

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

NOTAS
(1) “Se tudo depender de mim, não seria este regime”, diz Bolsonaro – https://oglobo.globo.com/politica/se-tudo-depender-de-mim-nao-seria-este-regime-diz-bolsonaro-24891463
(2) SANTOS, W. G. A democracia impedida: o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
(3) BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia (uma defesa das regras do jogo). Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 171 p.
(4) PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014
(5) “Nova direita se tornou canal de protesto contra os governos e a política’’, diz historiador argentino Pablo Stefanoni – https://oglobo.globo.com/mundo/nova-direita-se-tornou-canal-de-protesto-contra-os-governos-a-politica-diz-historiador-argentino-pablo-stefanoni-25267351
(6) O anti-sistema (por Boaventura de Sousa Santos) – https://sul21.com.br/opiniao/2021/02/o-anti-sistema-por-boaventura-de-sousa-santos
(7) A solução para a crise da democracia é mais democracia – https://www.facebook.com/profile/100044641920108/search/?q=crise%20da%20democracia
(8) ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2002
(9) ROUSSEAU, Jean Jacques – Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens / Jean Jacques Rousseau; [introdução de João Carlos Brum Torres]; tradução de Paulo Neves. – Porto Alegre, RS : L&PM, 2008.
(10) CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, Marquis. Esboço de Um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993, p. 191.
(11) BABEUF, Gracchus. Manifesto dos Iguais, 1796. Disponível em: https://www.fafich.ufmg.br/hist_discip_grad/Babeuf_ManifIguais.pdf
(12) A Desigualdade Mata – https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/a-desigualdade-mata/
(13)A solução para a crise da democracia é mais democracia – https://www.facebook.com/profile/100044641920108/search/?q=crise%20da%20democracia
(14) ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
(15) idem.
(16) BOBBIO, op. cit.
(17) ARAÚJO, Prata; CORGOSINHO, Ivanir. Contagem Iluminada. Um balanço do primeiro ano do primeiro ano do governo Marília Campos e perspectivas pra os próximos três anos, 2022. 127 p.

 

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