UOL – 04/08/2022
Em meu retorno nesta semana aos escritórios da ONU, em Genebra, esbarrei com um velho conhecido. Um daqueles diplomatas estrangeiros que acompanhou negociações de paz que entraram para a história e que faz parte de um grupo seleto de embaixadores que são verdadeiros acervos vivos dos nossos tempos.
Ao me avistar, ele abriu um sorriso e brincou sobre o calor que abala a Europa: e você que pensava que vinha de um país tropical…
Mas o motivo de sua aproximação era outro: a eleição no Brasil. Assim como dezenas de governos pelo mundo, ele não escondia sua preocupação com o que uma ruptura democrática no país poderia significar para a região. O negociador, porém, se despediu com um tom positivo. Eu espero que vocês deem uma bela surra no movimento autoritário no mundo , disse o negociador. Tem muita gente na torcida , completou, com os punhos fechados que se contrastavam com a sofisticada abotoadura que exibia em seu terno impecável.
De fato, todos os estudos apontam na mesma direção: a autocratização do mundo é uma realidade. Hoje, a democracia plena é um luxo que atinge apenas 6% da população mundial, a menor taxa em mais de 30 anos.
Mas, nas próximas semanas, se o Brasil superar a ameaça autoritária, o país entrará na agenda internacional como um sinal de resistência diante de um movimento de desmonte da democracia.
Se resistir às tentações de um golpe, o processo eleitoral no Brasil passará a ser citado como uma espécie de esperança de que, mesmo em sociedades em desenvolvimento, existem caminhos para a sobrevivência da democracia.
Fácil? Certamente não. Mas superar a crise poderá mostrar ao mundo do que é capaz uma sociedade civil mobilizada, uma imprensa profissional livre, plataformas digitais responsáveis, militares que sabem seu lugar e uma Justiça capaz de dar respostas.
Não é por acaso, portanto, que forças democráticas olham para as eleições no Brasil em 2022 como uma das mais importantes do ano. Seja para frear o avanço da extrema-direita ou para revelar a dimensão dos problemas que a democracia enfrenta.
No maior teste da história de nossa jovem democracia, o que está em jogo é também nossa posição no mundo. Quem somos e de que forma queremos ser considerados.
A legitimidade não vem apenas dos resultados das urnas. Mas do funcionamento das instituições, da capacidade de frear a mentira e do poder de dar às minorias garantias de sua sobrevivência.
A aventura democrática estará garantida? Certamente não. Mas, aos olhos do mundo, uma Primavera Brasileira credenciaria o país como um importante foco de resistência diante de uma das maiores ameaças às liberdades fundamentais e aos direitos humanos em décadas.
Jamil Chade é jornalista.