Na entrevista na Rede Globo, Lula disse que quer ser presidente e acabar com o semipresidencialismo do Centrão. São duas grandes tarefas nesta eleição portanto: vencer com Lula e recuperar as bases do presidencialismo de coalizão.
O Brasil tem um sistema político eleitoral praticamente único nos grandes países do mundo: o sistema eleitoral proporcional de lista aberta, onde o eleitor vota no candidato e as cadeiras são ocupados pela proporção de votos nominais e de legenda de cada partido. No mundo, os sistemas mais comuns são: a) proporcional de lista fechada, onde o eleitor vota na lista partidária; b) distrital puro: onde o eleitor vota no candidato do distrito e o eleito é o mais votado; d) distrital misto: o eleitor dá dois votos, sendo um na lista partidária proporcional e outro no modelo majoritário distrital.
O modelo brasileiro é problemático, nenhum país grande o adota no mundo, mas ele não vai mudar porque os deputados não querem e porque o povo de forma amplamente majoritária gosta de “votar na pessoa e não no partido”. Este modelo proporcional de lista aberta gera: a) despolitização da representação e um partido elege um cargo majoritário de prefeito, governador e presidente, e quando muito, o partido não chega a 20% da representação dos parlamentares; b) trata-se de um modelo eleitoral que gera uma enorme autofagia, pois na lista aberta “o adversário” não é político do partido concorrente, mas o candidato do próprio partido, que disputa uma das vagas do partido; c) trata-se de um modelo eleitoral muito caro, já que, além da campanha majoritária, se tem dezenas, centenas de campanhas proporcionais (na lista fechada se teria uma única campanha proporcional); d) a lista aberta mantém muito baixa a representação das mulheres, que tem menos poder e dinheiro; em todos os países em que as mulheres tem grande participação, é porque as listas partidárias tem algum tipo de proporcionalidade e, mesmo no voto majoritário, as mulheres tem mais chances porque se vinculam a projetos políticos mais amplos.(…) O sistema de lista aberta brasileiro está sendo melhorado em minha opinião com as seguintes medidas: fim das coligações proporcionais; adoção de cláusula de barreira; federações partidárias; financiamento público de campanha.
No modelo de lista aberta, que não tem perspectiva de mudar, nenhum partido terá mais que 20% dos parlamentares eleitos, na melhor das hipóteses, o que coloca como condição a articulação de governos de coalizão. Veja quanto deputados federais (no total são 513) são necessários: 171 para barrar “impeachment”; 257 para aprovar projetos de lei; e 308 para aprovar emendas constitucionais; e isso sem falar na composição do Senado (total 81 senadores).
Eleição para a Câmara dos Deputados poderá recuperar as bases para o presidencialismo de coalizão. Não temos no Brasil grandes partidos como tivemos no passado, PSDB e PFL nos governos FHC, e PT e PMDB, nos governos Lula, com bancadas próximas a 100 deputados, que ancoravam grandes coalizões para as eleições presidenciais e para os governos de coalizão; a realidade hoje é de fragmentação, onde tem-se 10 partidos com 30 a 50 deputados. Foi nesta “terra sem dono”, que se tornou a Câmara dos Deputados, que se articulou o “Centrão”, uma espécie de federação dos partidos médios de centro, que impôs, na prática, um governo semipresidencialista. Pode parecer pouco, mas o máximo que podemos almejar neste sistema eleitoral proporcional de lista aberta é recuperar as bases do governo de coalizão, onde tenhamos dois a três partidos, que ancoram o governo, com aproximadamente 200 deputados; o fim das coligações proporcionais poderá ajudar nisto, com os votos populares dados a candidatos de um partido serão contabilizados para a eleição de parlamentares deste partido, e não mais para eleger candidatos também de partidos coligados; a cláusula de barreira, também poderá levar a uma fusão de partidos médios ou constituição de federações partidárias de partidos pequenos.
Estudo do DIAP, sobre o fim das coligações, mostra que as coligações reduzem a representação, sobretudo dos partidos mais competitivos nas disputas majoritárias, que são exatamente aqueles que para fechar apoio aos nomes majoritários “trocam” o apoio pelas coligações proporcionais. Na eleição de 2018, se não tivesse coligação, o PSL, ao invés de 52, teria eleito 68 deputados (mais 16 vagas), e o PT, ao invés de 54, teria eleito 66 deputados (mais 12 vagas). Na eleição anterior, de 2014, se fosse sem coligação os resultados teriam sido ainda mais expressivos para três partidos: o MDB, ao invés de 65 deputados, teria eleito 102 deputados (mais 37 vagas); o PT, ao invés de 69 deputados, teria eleito 102 deputados (mais 33 vagas) e o PSDB, ao invés de 54 deputados, teria eleito 68 deputados (mais 14 vagas). Nesta eleição, o PT poderá eleger entre 70 e 80 deputados, pois não terá mais coligação, Lula vai puxar muito o voto no 13, e boas perspectivas eleitorais animam muitos petistas a serem candidatos e poderá atrair lideranças sociais e de outros partidos para o PT; outros partidos também poderão ter grande crescimento, como o PSB e o PSD, que é o partido mais propenso a se afastar do “Centrão” e contribuir para ancorar uma coligação de um governo de centro esquerda. Estou falando aqui da governabilidade institucional, mas é evidente que a sociedade civil organizada será fundamental para garantir a governabilidade de um futuro governo Lula.
José Prata de Araújo é economista.