Uma das razões que explica as dificuldades de mobilização da esquerda é que o PT, principal partido do progressismo, é hoje um partido com um projeto político-organizativo superado e disfuncional; no passado, o PT era um partido mais institucional voltado para as grandes disputas eleitorais e condução dos seus governos e os movimentos sociais era seu “braço de massas”; com o enfraquecimento sobretudo do sindicalismo, o “PT ficou meio sem berço”, e não definiu o “território” como sua nova base de construção e o exemplo disso é a fragilidade do petismo nos municípios, sobretudo nas grandes cidades.
O Presidente do PT, Edinho Silva, enfatizou em seu discurso de posse o compromisso com a retomada da organização de base do PT: “E também quero reafirmar aqui, no nosso 17º encontro, o compromisso de nós construirmos no próximo período o nosso Congresso. É preciso o PT fazer um Congresso, é preciso o PT reafirmar os nossos espaços organizativos. Reafirmarmos o nosso projeto de sociedade e as bandeiras que vão nos conduzir no próximo período. Mas quero dizer a vocês que eu defenderei a partir de amanhã que os núcleos de base passem a ser espaços de decisão do nosso partido. Nós temos que voltar a fazer nucleação como uma orientação da direção partidária. Nós temos que fortalecer a organização de base do Partido dos Trabalhadores”. Mas não basta a vontade política; temos questões teóricas e práticas que vem das origens do PT, que, senão forem enfrentadas, não resultarão na organização pela base de nosso Partido.(…) Minha proposta é que no processo de retomada do PT Contagem, já fizemos uma reconstrução partidária vitoriosa, estabeleçamos como prioridade máxima em termos organizativos, a reorganização das regionais de nosso Partido: Vargem das Flores, Eldorado, Sede, Petrolândia, Riacho, Industrial, Nacional e Ressaca.
PT, desde as suas origens, adotou um modelo organizativo problemático, onde o PT se organizava para a atuação eleitoral e institucional e tinha um “braço de massas” nos movimentos sociais, em especial no sindicalismo. Não é possível compreender as fragilidades organizativas do PT hoje sem compreender o processo de construção histórica de nosso Partido. Veja só: o PT foi fruto da confluência de segmentos sociais e ideológicos bastante diversos: sindicalismo combativo que construiu a CUT; setores progressistas da Igreja Católica, como os adeptos da Teoria da Libertação; partidos de esquerda clandestinos mais à esquerda; setores importantes da intelectualidade, dentre outros segmentos sociais. Depois de muitos desencontros, uma resolução partidária exigiu corretamente a “diluição” das organizações políticas autônomas no partido e, para garantir a pluralidade, formalizou a existência de tendências. Mas isto resultou em um modelo de organização muito problemático: a verticalização por tendências, onde quem não pertence a uma tendência não tem “identidade partidária”, e é considerado “independente”. Eu, como “independente”, sempre brinco com meus amigos: “Se eu sou independente, então o PT é uma federação de partidos e eu sou um filiado avulso na federação”.
Na verdade a implantação das tendências foi somente no plano institucional, nos movimentos sociais as tendências são autônomas e atuam diretamente sem qualquer mediação partidária. As composições partidárias se deram somente no plano institucional, nos diretórios, porque ali se encontra decisões fundamentais, como a definição de candidaturas, finanças, participação nos governos, dentre ouras atribuições. Mas nos movimentos sociais, que não tem a atratividade institucional, o PT nunca chegou a se compor como partido; as correntes são autônomas e atuam sem mediação partidária. Eu mesmo e Marília, como petistas, quando sindicalistas bancários, éramos da “CUT pela Base” e vivíamos sempre meio em guerra com os petistas da “Articulação Sindical”.
E mais: sem mediação partidária, nossa atuação nos movimentos sociais se tornou cada vez mais fragmentada, cada corrente, parlamentar, cria o “seu” movimento social, muitas vezes, com cinco, dez militantes, apenas para dar argumento e marca de vinculação aos movimentos sociais. Não são movimentos nem “cartoriais”, porque nem em cartórios são registrados. Com isso, as lutas sociais deixaram de ser “assunto de partido” e raramente, ou quase nunca, foram pautadas nos encontros e congressos partidários; assuntos “partidários” pautados nos congressos e encontros são: discussão de estatuto; definições do perfil ideológico do partido; táticas eleitorais; resoluções sobre conjuntura. As secretarias setoriais foram completamente esvaziadas por não terem o que coordenar, já que não existe partido organizado e unificado nos movimentos sociais. Esta organização partidária “meio Frankenstein” não impediu o forte avanço do PT nos momentos de ascenso das lutas sociais, mas nos últimos anos vem impedindo a renovação e revitalização da vida partidária. Ou seja, hoje não somos nem bem um partido, mas um “ajuntamento de pessoas”: mandatos parlamentares muito “fragmentados e pouco universais”; “núcleos pequenos” de militantes nos movimentos sociais; um grande número de “militantes avulsos” e “funcionários de nossos governos e mandatos”.
Nos dias atuais, o “braço de massas” do PT, o sindicalismo, está enormemente enfraquecido e tem papel muito limitado nas mobilizações políticas e sociais em nosso País. Uma primeira tarefa em termos organizativos: o PT precisa discutir isto urgentemente, passando a ser uma referência organizada nos movimentos sociais (onde as tendências atuam atualmente como partidos autônomos), com a “diluição” ainda que tardiamente, das tendências nas secretarias partidárias e núcleos de base. E veja que coisa potente: os petistas unificados nos movimentos sociais podemos liderar a criação de grandes movimentos sociais nos municípios unificando não somente os petistas mas também todos os segmentos progressistas. Movimentos unificados de mulheres, de jovens, de pessoas LGBT+, de defesa da igualdade racial, de meio ambiente, de proteção dos animais, de moradia. Movimentos sociais, que além da agenda própria de cada segmento, se unam também em defesa das grandes conquistas de nossos governos (Lula e Marília, por exemplo), que precisam se traduzir em movimentos organizados nos bairros e periferias de nosso país.
Uma segunda tarefa fundamental, sem abandonar os movimentos sociais temáticos, o PT precisa redefinir sua base de construção organizativa, que, em nossa opinião deve ser o “território”. Não se trata em minha opinião de se lançar numa estratégia fragmentada de construção de “núcleos de base” em todo lugar. A prioridade é uma organização mais ampla territorial, nos pequenos municípios, com poucos moradores, se trata de unificar a militância em torno da direção política local e, de preferência, com a garantia de uma sede partidária local. Nos municípios médios e grandes, a prioridade deve ser uma sólida organização regional, com direção política, reuniões frequentes e plano de atuação nas lutas sociais regionais. E veja só: para a consolidação desta organização territorial será fundamental a confluência de todos os nossos setoriais – saúde, educação, assistência social, etc – para o trabalho de fortalecimento da organização e mobilização regional. Por isso defendo que nossa prioridade número 1 seja a consolidação de nossa organização regional: Vargem das Flores, Eldorado, Sede, Petrolândia, Riacho, Industrial, Nacional e Ressaca.
Ou o PT se reconstrói a partir das cidades e nas suas regiões, de baixo para cima, no “chão do Brasil”, ou nosso partido não terá futuro. Antes das eleições municipais, travei um diálogo pelo ZAP com um grande interlocutor político meu. Eu disse para ele: “A derrota do extremismo, em minha opinião, deve ser de baixo para cima, no chão do Brasil, em nossas cidades. Contagem pode virar um exemplo para o Brasil. Marília está inspiradíssima e pode liderar este grande combate democrático”. Meu interlocutor me respondeu: “Não há outra opção. É na base que se muda a história. As vitórias nacionais acabaram encastelando lideranças, que se afastam do povo. Um perigo! Sorte a nossa de ter a Marília”. Diálogo maravilhoso! Repetindo a frase que explica a nossa história e que define o nosso futuro: “É na base que se muda a história!”.