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José Rodrigues: Mudanças climáticas e seus impactos na atualidade – um olhar para COP 30

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“As temperaturas globais continuam subindo. Nosso planeta está se aproximando rapidamente de pontos de inflexão que tornarão o caos climático irreversível. Estamos na estrada para o inferno climático com o pé no acelerador”. Antônio Guterrez – Secretário-Geral da ONU

Atravessamos uma difícil fase no desenvolvimento histórico da relação homem-natureza, com a ação antrópica (termo derivado do grego anthropos, que significa ser humano) se tornando cada vez mais agressiva e acentuando, em ritmo acelerado, os problemas que resultam em uma instabilidade no equilíbrio do planeta. As mudanças climáticas, expressão mais evidente desse processo, manifestam-se em fenômenos universais que ocorrem com maior frequência, impetuosidade e imprevisibilidade. Suas consequências são evidentemente drásticas para o equilíbrio ecológico, a segurança alimentar, a saúde e a economia, materializadas em tempestades intensas, inundações, secas e deslizamentos, que impactam milhões de pessoas pelo planeta afora.

As mudanças climáticas e suas consequências ocupam posição central e permanente na pauta das organizações internacionais que tratam da questão, considerando – se os recorrentes desastres que perturbam a estabilidade econômica e social, além dos impactos profundos causados aos ecossistemas. De acordo com a UNDRR, 2022 (United Nation Office for Disaster Risk Reduction),

“desastres são considerados grave perturbação do funcionamento de uma comunidade ou sociedade em qualquer escala devido a eventos perigosos interagindo com condições de exposição e vulnerabilidade, levando a uma ou mais das seguintes características: perdas e impactos humanos, materiais, econômicos e ambientais”.

A capacidade das inteligências humanas de diagnosticar e apontar a gravidade do problema está expressa em todos os organismos multilaterais, mas ainda encontra barreiras significativas para se traduzir em uma mudança efetiva de posicionamento. Em novembro de 2024, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) apresentou o Relatório Mundial das Cidades, publicação que destaca os desafios urgentes impostos pelas mudanças climáticas e pela rápida urbanização em todo o mundo. Lançado durante a 12ª sessão do Fórum Urbano Mundial, o relatório alerta que mais de 2 bilhões de pessoas podem enfrentar um acréscimo adicional de pelo menos 0,5 grau Celsius na temperatura até 2040.

O documento da ONU-Habitat reconhece haver uma insuficiência nas ações para desacelerar e combater as mudanças climáticas em curso, com fortes consequências principalmente quando consideramos as áreas urbanas, afetadas anualmente em ritmo crescente. A ONU estima que as cidades necessitam de investimentos na ordem de 4,5 e 5,4 trilhões de dólares por ano para desenvolver e manter sistemas resilientes ao clima, sendo que a cifra atual definida pela COP 29 é de 300 bilhões de dólares anualmente até 2035.

A redução dos efeitos da ação antrópica e seus impactos negativos requer esforços compartilhados multilateralmente e a urgência de uma transição efetiva para o uso de energias renováveis, preservação de habitats naturais, eficiência no consumo de recursos naturais, em especial água e energia, reciclagem e reutilização de materiais, de forma a reduzir os resíduos gerados e diminuir a necessidade de extração de novos recursos naturais. Soma-se a isso a necessidade de um amplo processo de educação ambiental, que fortaleça a participação social, promova mudanças de comportamento, fomente o posicionamento crítico e incentive práticas mais sustentáveis.

A essa última questão, é inevitável recordar que, nos anos 70 e 80, nos varadouros dos seringais do Acre, Chico Mendes, o homem imortal da floresta, edificou um canto que ressoava pela floresta afora, soprando indignação e resistência. Sua luta ressignificou a lógica do extrativismo, até então baseada na semisservidão, saga que pulsava nas veias da tragédia anunciada do esgotamento da produção de látex. Essa mesma luta, engenhosamente, foi mitigando seus efeitos através da construção de uma ampla Aliança dos Povos da Floresta. Daquele tempo, ecoa ainda hoje a fala de Chico Mendes: “não podemos vender a Amazônia, ela é nossa casa e lutar pela Amazônia é lutar pela vida, ecologia sem luta classes é jardinagem”.

É necessário ressaltar também que é imprescindível o entendimento de que a educação ambiental é o fermento sem o qual não alcançaremos a consciência sobre a necessidade de reverter a tragédia ambiental que anuncia – se pelos caminhos do século XXI. Os dados das mudanças climáticas apresentados por organizações internacionais confirmam a gravidade da situação e encontram eco visível em todos os fenômenos que ocorrem pelo planeta, desenhando cenários muito preocupantes para o futuro não tão longe. A projeção de aquecimento de 4°C, afetará quase metade da população mundial do planeta se não houver ações mitigadoras coordenadas por chefes de Estados e aplicadas em sua objetividade nos territórios dos municípios, onde abrigam – se os tecidos sociais da lógica espacial contemporânea.

As COPs (Conferência das Partes) ocorrem anualmente sob coordenação da ONU, reunindo países para discutir e tomar decisões sobre mudanças climáticas e seus impactos, apontando medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e mitigar seus efeitos. A primeira Conferência ocorreu em Berlim, em 1995, seguindo as pegadas da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 e que ficou conhecida como Rio 92.
É importante ressaltar alguns marcos da trajetória das COPs que desembocam agora em Belém, com vitalidade: a COP3 em Kyoto (1997), que estabeleceu o Protocolo de Kyoto com metas de redução vinculativas de emissões para países desenvolvidos. A COP15 em Copenhague (2009), que estabeleceu acordo sobre financiamento climático e o compromisso de que países desenvolvidos fornecessem US$100 bilhões anuais para apoiar países em desenvolvimento. A COP21 em Paris (2015), que consagrou o acordo de Paris, estabelecendo o objetivo de reduzir as emissões de gases do efeito estufa e limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C em relação aos níveis pré-industriais e, se possível, a 1,5°C.

A COP30 em Belém, traz consigo todo aprendizado de uma trajetória que, apesar de confrontada ano a ano, quanto à urgente necessidade da adoção de medidas efetivas ainda deixa lacunas que precisam ser preenchidas sob pena de condução do planeta a um inferno climático sem retorno. O encontro será palco de uma representação expressiva de governos, cientistas, ONGs e uma forte participação social contemplada por indígenas, comunidades tradicionais, sindicatos e organizações de juventude, todos unidos pela bandeira da justiça climática. Ana Toni, CEO da COP 30, afirma:

A COP de Belém é uma COP para acelerar a implementação das ações climáticas, ou seja, como é que a gente consegue financiamento, que tipo de tecnologias a gente pode escalar, que tipo de adaptação agora é necessária, porque infelizmente a mudança do clima já chegou. Então essa é uma COP de implementação no seio da Amazônia, onde o tema natureza, a preservação das florestas vai ser também fundamental.

O Presidente Lula defende a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo destinado a compensar todos os países que mantêm suas florestas em pé. Em discurso durante o Encontro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, no dia 22 de agosto deste ano, ele afirmou: “Eu queria pedir que todos vocês fizessem um esforço incomensurável e comparecessem a COP em Belém, porque é a hora da verdade sobre a questão climática do mundo”. Afirmou ainda: “O fundo é para manter a floresta em pé e os indígenas vivos, assim como os demais trabalhadores que moram lá”.

A justiça climática ocupará um lugar especial na agenda da COP30. Patrícia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia afirma:
O aquecimento global não atinge de forma homogênea todo mundo. Ele tem uma alta heterogeneidade. Os fatores de risco são: pobreza, alta desigualdade social, marginalização, seja por gênero, por etnia, por cor, por status, por idade. As crianças, os jovens, as mulheres, os indígenas, populações tradicionais, populações muito pobres, são eles que são os mais vulneráveis.
Linda Murasawa, especialista em Liderança em Sustentabilidade pela University of Oxford, considera que: “se conseguirmos mostrar que é possível crescer economicamente promovendo inclusão social e justiça climática, seremos um mega case mundial — não baseado em filantropia, mas em um novo modelo de negócios e desenvolvimento sustentável”.

A COP30 carrega ainda em sua simbologia o fato de que se realizará em Belém, no coração da Amazônia brasileira, palco de grandes contradições entre a lógica do capital desenvolvimentista e os povos originários que ali habitam e lutam pela garantia da manutenção de suas culturas e territórios, luta essa marcada pela violência. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, entre 2018 e 2022 aconteceram 180 assassinatos e 416 casos de violência contra a população indígena. Sobre esse cenário Ailton Krenak, 2019, declara:

“Nós estamos em guerra. Eu não sei por que você está me olhando com essa cara tão simpática. Nós estamos em guerra. O seu mundo e o meu mundo estão em guerra, os nossos mundos estão todos em guerra. A falsificação ideológica que sugere que nós temos paz é para a gente continuar mantendo a coisa funcionando. Não tem paz em lugar nenhum. É guerra em todos os lugares o tempo todo.

A COP30 resgatará à memória a engenhosa Aliança dos Povos da Floresta, constituída pelo olhar universal de Chico Mendes e seus companheiros, quando reconheceram o conjunto dos habitantes da Floresta Amazônica como vítimas da exploração do capital. Unindo – os através do Conselho Nacional dos Seringueiros e da União das Nações Indígenas, a luta por direitos evoluiu para uma nova forma de desenvolvimento sustentável, que respeitasse a biodiversidade e o modo de vida de seus habitantes, comprometendo-se também ao combate das mudanças climáticas. Já nos anos 80, Chico Mendes compreendia a importância de transformar a luta dos seringueiros em uma bandeira para além dos limites espaciais do chão da floresta: “no começo pensei que estava lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta Amazônica. Agora percebo que estava lutando para salvar a humanidade”.

Em uma das estrofes do hino do seringueiro há a expressão do alcance dessa atividade para além do seio da floresta:

“Vamos dar valor ao seringueiro,
Vamos dar valor a esta nação,
Pois é com o trabalho desse povo
Que se faz pneu de carro e pneu de avião”.

O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, publicou, nesta terça-feira, 19/08, sua sexta carta à comunidade internacional, voltada aos preparativos para a Conferência. No documento, ele cobra a busca pela eliminação gradual dos combustíveis fósseis e a implementação de esforços para zerar o desmatamento e a degradação florestal até 2030. Também lembra que 80% dos países-membros do Acordo de Paris ainda não apresentaram novas metas para reduzir as respectivas emissões nacionais (NDCs), instrumento imprescindível à pauta da COP30.

Para o Brasil, a COP30 será uma oportunidade única de colocar a Amazônia no centro do debate mundial. É vital trazer os olhares do mundo para as veias dessa densa floresta e reposicionar o país como protagonista da luta contra as mudanças climáticas, pela preservação dos biomas e a transição ecológica. Em outras palavras, trata-se de fortalecer a agenda de compromissos para a redução do desmatamento, a recuperação das áreas degradadas e pela garantia dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, conforme rege a Carta de Organizações da Sociedade Civil ao Ministério do Meio Ambiente.

José Rodrigues da Silva é graduado em Filosofia, sociologia e história e possui pós-graduação em Segurança Pública de Direitos Humanos, Gestão em Segurança Pública, Psicologia do Esporte e Meio Ambiente e Sustentabilidade.

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