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Laura Carvalho, economista: “Teto de gastos tem servido para colocar a educação contra a saúde, a ciência contra a cultura”

Folha S.Paulo – 16/05/2019

Em reunião com investidores em Nova York, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pôs o dedo na ferida ao afirmar que a aprovação da reforma da Previdência não resolverá o problema de falta de crescimento da economia brasileira e que o teto de gastos, se não for revisto, pode levar o país ao “colapso social”.

Embora o atual contingenciamento de recursos também seja uma resposta à dificuldade de cumprimento da meta de resultado primário aprovada para este ano, o fato é que, mesmo se houver recuperação da arrecadação e as despesas previdenciárias crescerem a um ritmo menor pela aprovação da reforma, limitar o crescimento do conjunto de despesas do governo à taxa de inflação do ano anterior (como determina a emenda constitucional 95) continuará fazendo com que sobre cada vez menos espaço a cada ano para os itens não obrigatórios do Orçamento.

A primeira consequência é um acirramento de conflitos distributivos na sociedade. Diferentes áreas e categorias, por meio de campanhas públicas, mobilizações de rua e canais mais diretos de influência sobre os parlamentares e o Executivo, buscam preservar suas fatias em um bolo que vai ficando cada vez menor.

Em vez de trazer uma alocação mais eficiente ou prioritária dos recursos, como argumentavam os defensores da regra, o teto de gastos tem servido, na prática, para colocar a educação contra a saúde, a ciência contra a cultura, o Minha Casa Minha Vida contra o Bolsa Família, com a distribuição final dependendo da capacidade de organização ou do poder de influência de cada setor —além, é claro, dos objetivos de cunho político-ideológico de quem deveria nos governar.

Enquanto isso, áreas que contam com menos defensores levam boa parte do prejuízo: é o caso da infraestrutura, por exemplo, que já recebe menos investimentos do que o necessário para cobrir até mesmo a sua deterioração, ainda que tenha fortes efeitos multiplicadores sobre a geração de renda e empregos —cruciais para uma sonhada retomada.

Nesse sentido, é importante que as mobilizações legítimas de cada setor pela preservação dos recursos destinados a áreas prioritárias para a sociedade —o Censo, a educação pública ou as bolsas de pesquisa, por exemplo— venham combinadas a uma demanda coletiva por um regime fiscal que garanta o equilíbrio das contas públicas no médio prazo sem impor uma camisa de força à democracia e à própria economia.

O colapso social a que se referiu Rodrigo Maia e o caráter crônico de nosso quadro de estagnação econômica por insuficiência de demanda poderiam ser evitados com a substituição do atual regime fiscal por novas regras, mais alinhadas com as praticadas no resto do mundo. Por exemplo, a fixação de metas anuais para o crescimento real dos gastos públicos em linha com a tendência esperada de crescimento da economia.

Além disso, a redistribuição da carga tributária em discussão no Congresso Nacional poderia ser planejada de modo a gerar aumento das receitas nos primeiros anos, abrindo espaço até mesmo para uma expansão dos investimentos públicos e de outras despesas com alto potencial de estímulo à economia e à geração de empregos.

Não faltam alternativas ao modelo de ajuste fiscal em curso e seus altíssimos custos sociais e econômicos. As importantes mobilizações contra os cortes de verba em áreas prioritárias podem servir também para colocá-las na ordem do dia.

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