Obras de drenagem costumam ser vistas como a solução definitiva para os alagamentos e, na maioria dos casos, de fato eliminam o problema. No entanto, em algumas regiões, as enchentes continuam ocorrendo mesmo após investimentos em infraestrutura, como bacias de contenção e a ampliação ou implantação de novas redes de drenagem pluvial. Essa aparente contradição levanta a questão: por que as inundações persistem, apesar das intervenções realizadas? A resposta não se limita a um único fator e varia conforme o contexto de cada local. Desde o ritmo de execução das obras até questões climáticas e estruturais, há um conjunto de variáveis que precisa ser analisado para compreender melhor a relação entre drenagem urbana e eventos de cheia. Afinal, trata-se de um fenômeno complexo, multifatorial, sem uma explicação única ou simples.
Em Contagem, a Prefeitura Municipal, sob a liderança de Marília Campos, executou financeiramente, somente em 2024, R$ 140.672.530,33 em obras e serviços voltados para enfrentar os impactos das chuvas. Para 2025, está prevista a aplicação de R$ 179.607.122,93(*).
Em números absolutos, isso significou que, no último quadriênio (2021-2024), a gestão Marília executou:
- 397 ações de desassoreamento de córregos (2021: 100; 2022: 75; 2023: 130; 2024: 92);
- Cerca de 188 obras de contenção e construção de muros de proteção de encostas (2021: 140; 2022: 23; 2023: 12; 2024: 13);
- 509 vias com nova drenagem superficial;
- Mais de 221 obras de implantação de microdrenagem (2021: 74; 2022: 56; 2023: 14; 2024: 77);
- Mais de 63.478 ações de limpeza de bocas de lobos e bueiros (2021: 13.185; 2022: 16.590; 2023: 20.107; 2024: 13.596);
- Mais de 30 grandes obras difusas pelo município inteiro.
Diante desse volume expressivo de investimentos e intervenções, surge uma questão inevitável: por que, mesmo com tantas obras e ações realizadas, os alagamentos continuam ocorrendo? O que falta para que essas obras sejam plenamente eficazes? Existem fatores externos que limitam seus resultados? As soluções adotadas são suficientes ou há a necessidade de novas estratégias? A resposta passa por diversos fatores e aqui vamos explorá-los um a um. Essas perguntas precisam ser respondidas para que possamos entender melhor os desafios que a infraestrutura urbana enfrenta atualmente.
O primeiro aspecto a ser destacado, que ajuda a responder essa a questão posta no título, é a forma como a cidade de Contagem foi urbanizada e como seu sistema de drenagem foi originalmente planejado e implantado.
A drenagem urbana em Contagem foi implantada no passado, na maioria das vezes, para atender ao apelo das comunidades. No entanto, sem um planejamento macro que levasse em conta toda a infraestrutura das bacias hidrográficas e, principalmente, as consequências da implantação dos novos empreendimentos imobiliários e da expansão urbana de forma geral. Tal abordagem, via de regra, trouxe benefícios parciais para a população como um todo, apesar dos recursos investidos.
Os fatores que mais contribuíram para a ocorrência de enchentes e deterioração da qualidade das águas foram: (1) a ocupação irregular de várzeas, com a consequente perda da vegetação ciliar, agravando processos erosivos e de assoreamento; (2) a falta de planejamento para a impermeabilização de grandes áreas nas bacias hidrográficas tributárias a esses cursos d’água; (3) as progressivas e intensivas canalizações dos cursos d’água, com supressão dos meandros, retificação dos leitos e aceleração dos escoamentos devido à implantação de revestimentos rápidos, muitas vezes, ainda, agravadas pelo tamponamento das seções, restringindo-as ao seu leito menor; (4) a ausência de interceptores de esgoto, com o consequente lançamento dos efluentes domésticos para os cursos d’água.
Além disso, conforme já mencionado em outros textos aqui, o município de Contagem constitui região de cabeceira de três grandes bacias hidrográficas que drenam para municípios vizinhos, a saber: o Rio Betim, que escoa para a Represa Vargem das Flores e, desta, em direção ao município de Betim; o Ribeirão Arrudas, que escoa para Belo Horizonte, constituindo um curso d’água relevante na área urbana desse município; e os formadores do Ribeirão da Pampulha / Ribeirão da Onça, que também são de grande importância para a drenagem de Belo Horizonte. Todos esses cursos d’água têm suas nascentes em Contagem e, dentro do município, já apresentam problemas significativos de drenagem. Então, ao estar na cabeceira dessas bacias, Contagem recebe grandes volumes de precipitação que precisam ser escoados rapidamente, mas a urbanização intensa e a impermeabilização do solo reduzem a capacidade de infiltração e retenção da água da chuva. Com isso, o escoamento superficial ocorre de forma acelerada, aumentando as vazões de pico e reduzindo o tempo de concentração das bacias hidrográficas. Esse cenário sobrecarrega os sistemas de drenagem do município, intensificando os impactos das chuvas e favorecendo alagamentos, especialmente em áreas onde a infraestrutura existente não é suficiente para absorver e direcionar esses volumes de maneira controlada.
É por isso que, ao analisar os impactos das chuvas em Contagem, temos que ter em mente exatamente isso: que cada situação possui suas particularidades.
Esse é o segundo aspecto dessa nossa análise. Minha motivação para escrever este texto surgiu a partir das chuvas de janeiro de 2025, especialmente nos dias em que precipitações prolongadas resultaram em enchentes na Avenida Tereza Cristina e no bairro Água Branca. Tal situação gerou questionamentos e incertezas entre parte da população, que passou a se perguntar por que, mesmo com a obra de macrodrenagem no bairro Água Branca (já concluída) e com as bacias de detenção de cheias do Córrego Ferrugem (ainda em construção), os alagamentos aconteceram. No entanto, é essencial analisar cada caso de forma individual, considerando as especificidades de cada intervenção, pois há explicações técnicas que justificam o comportamento do sistema de drenagem diante de diferentes condições ambientais e operacionais.
Em relação à obra de macrodrenagem do Água Branca, houve até alegações de que “a obra estaria causando enchentes”, repercutido pela imprensa. Essa informação, claramente, é infundada e demonstra desconhecimento técnico sobre o projeto e sua execução. A intervenção foi projetada para solucionar problemas históricos de alagamentos na área, seguindo critérios técnicos baseados em estudos hidrológicos e hidráulicos. Esses estudos identificaram pontos críticos no sistema de drenagem existente e definiram soluções específicas para cada trecho da avenida.
Na Avenida Pio XII, uma das três vias do bairro contempladas com a macrodrenagem, as obras incluíram a substituição de redes pluviais deterioradas e insuficientes, a construção de novas galerias paralelas àquelas existentes e a interligação dos sistemas projetados com as galerias já em operação. Partes deterioradas e insuficientes da galeria da Avenida Pio XII foram completamente demolidas e reconstruídas com seções maiores, com tamanho em torno de 3,50 x 2,50 m, para atender ao tempo de recorrência mínimo de cinco anos.
A escolha técnica pela construção de galerias pluviais paralelas ao sistema existente foi fundamentada em análises de viabilidade técnica e financeira, garantindo a eficiência hidráulica sem comprometer a infraestrutura urbana ou o tráfego local. Além disso, dispositivos de captação foram realocados e redes interligadas para otimizar o escoamento superficial. Dessa forma, a obra representa uma solução para os problemas de drenagem da região.
Nesse caso, se algum evento de alagamento pontual ocorre no entorno, é importante considerar fatores externos, como sistemas de drenagem adjacentes ainda não integrados, que podem influenciar. A obra na Avenida Pio XII, no entanto, é um marco no enfrentamento dos alagamentos e foi executada com o objetivo de proporcionar segurança e eficiência no controle das águas pluviais na região.
Já as bacias de detenção de cheias no Córrego Ferrugem representam um caso distinto, com uma explicação técnica específica para o motivo pelo qual a Avenida Tereza Cristina voltou a ser atingida por enchentes, ainda que com um volume significativamente reduzido em comparação aos eventos anteriores.
E o que causou o alagamento? As inundações e alagamentos transcorrem na região principalmente pelo alto grau de ocupação e urbanização do território da Bacia Hidrográfica do Córrego Ferrugem, com o aumento das áreas impermeáveis e, consequentemente, a redução do tempo de concentração da bacia hidrográfica e o incremento nas vazões de pico no escoamento das águas pluviais pelo sistema de drenagem urbana, além de outros fatores como: lançamentos clandestinos de resíduos sólidos (geralmente lixo e entulho) e irregulares de efluentes líquidos (domésticos e industriais) nos sistemas de micro e macrodrenagem existentes no Córrego Ferrugem e em seus tributários: córregos Riacho das Pedras e Água Branca. Desta forma, a capacidade hidráulica atual do canal de macrodrenagem e das demais singularidades associadas a este (pontes viárias, passarelas, bueiros, galerias etc.) não comportam a descarga afluente, transbordando e inundando as áreas baixas da malha urbana dos municípios de Belo Horizonte e Contagem.
E as obras não conseguiram evitar os alagamentos por várias razões. A primeira delas é que, de acordo com a análise hidrológica recente, o evento de cheia ocorreu predominantemente na região à jusante do Córrego Ferrugem, isto é, em trecho subsequente à área em que se encontram as bacias de detenção de cheias em construção. As fortes precipitações que acometeram a bacia hidrográfica poderiam ter causado danos estruturais significativos na Avenida Tereza Cristina, caso as obras de controle de inundações não tivessem sido executadas parcial e provisoriamente.
Segundo, mesmo incompletas, as bacias de detenção B3 e B4, localizadas no município de Contagem, demonstraram efetividade na atenuação das vazões de pico, amenizando o volume de água escoado e reduzindo a intensidade dos alagamentos. Esse fato contribuiu de forma significativa para a mitigação dos impactos das chuvas na região, tornando as inundações menos severas do que seriam na ausência desses dispositivos. E, terceiro, vale ressaltar que, por não estarem totalmente concluídas, as bacias ainda não operam em sua capacidade plena de retenção, o que explica a ocorrência de inundações pontuais. À medida que o projeto for finalizado, espera-se um aumento da eficiência na contenção de cheias, culminando em maior redução dos riscos de alagamento e de danos à infraestrutura local. Ambas as bacias foram projetadas para serem compatíveis com a vazão de projeto para o período de retorno de 100 anos.
Finalizando, há ainda que considerarmos o fator que, talvez, seja o principal nos tempos atuais: a crise climática. Este “evento” tem intensificado eventos extremos, tornando as chuvas mais imprevisíveis e, muitas vezes, mais intensas do que os padrões históricos utilizados no dimensionamento das infraestruturas de drenagem. Nesse contexto, é fundamental adotar medidas voltadas não apenas para a adaptação da cidade a esses novos cenários, mas também para o enfrentamento das causas da crise climática, buscando reduzir seus impactos sobre o regime de chuvas e minimizar os riscos associados às inundações urbanas.
Diante desse cenário amplo exposto aqui, torna-se evidente que as enchentes são resultado de um conjunto de fatores estruturais, ambientais e climáticos que vão além da execução de obras de drenagem.
E reconhecendo a importância estratégica de Contagem na rede hidrográfica regional e a necessidade de um novo modelo de gestão hídrica, a Prefeitura, sob a liderança da prefeita Marília Campos, propôs a criação do Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais. Esse plano representa um avanço significativo para o município, pois estabelece diretrizes claras e cientificamente embasadas para o desenvolvimento futuro da infraestrutura hídrica, garantindo que o crescimento urbano ocorra de maneira sustentável e reduzindo os impactos sobre os cursos d’água.
Além disso, para assegurar que essa política tenha continuidade independentemente das mudanças de governo, a gestão municipal também planeja a implementação de uma lei municipal que formalize esse plano diretor, transformando-o em um instrumento permanente de planejamento e execução. Esse marco legal será essencial para enfrentar eventos climáticos extremos, fortalecer a resiliência urbana e consolidar uma política pública estruturada para o manejo das águas.
Com isso, Contagem se prepara para um futuro mais seguro e sustentável, garantindo que as soluções para drenagem não sejam apenas emergenciais, mas estruturais e duradouras.
(* )Lembrando que, dentro do ano de 2024, os valores referentes ao mês de dezembro de 2024 foram apresentados como previsão, considerando que as medições dos serviços ainda não foram integralmente finalizadas.
Lucas Carneiro Costa é comunicador e pedagogo. Mestrando em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa.