“Sin poesía no hay ciudad”
Acción Poética
Dias atrás, encontrei-me com a notícia de que uma empresa, primando pelos Princípios de Ruggie, inaugurara uma galeria de arte urbana a céu aberto na cidade de Contagem, promovendo, em seus muros, o pulsar da arte de forma a despejar incessantemente cores vibrantes e profundas. Cores essas ao bom estilo e grado, diga-se, e de um além-fronteiras, por assim dizer, de Frida Kahlo e Almodóvar, tal qual enunciaria nos esquadros da vida a cantora-compositora nascida em Porto Alegre.
Numa mesma vibração, a anunciação de uma intervenção artística de matizes latejantes, exalando expressividade, pincelada pela contagense Larissa Duque, nos muros da região do Nacional; projeto este concedido pelo Fundo Municipal de Incentivo à Cultura- FMIC. Não podemos nos olvidar dos reiterados grafites realizados, também, nos equipamentos públicos da cidade nos últimos tempos.
As exposições criativas, demonstrada, traz à tona, por nossos melhores anseios, a Lei Ordinária do Município de Contagem n. 5.309/2022 que reconhece a charge, a caricatura, o cartum e o grafite como manifestações culturais contagenses. Ressalta-se que a Cidade das Abóboras tem o maior mural de grafite de Minas Gerais. São aproximadamente 260 metros de pura transpiração pela arte urbana.
Percorrendo-se por esses caminhos temáticos, remete-me, por suposto, ao projeto CURA (Circuito Urbano de Arte), nascido em Belo Horizonte. Translitero de seu site a precisa definição: O CURA é um dos maiores festivais de arte pública da América Latina. Desde a primeira edição, em 2017, carrega um compromisso com a democratização da arte e transforma espaços urbanos em galerias a céu aberto, convidando a comunidade a interagir com obras de grande impacto artístico. Os murais, que incluem a maior coleção de arte pública indígena do mundo e as obras mais altas pintadas por mulheres na América Latina, celebram a ancestralidade e a diversidade cultural.
Basta flanar por algumas quadras da capital mineira para se deparar com as empenas (laterais) de prédios pela apreciação das pinturas em seu estado bruto de esmero e justeza, transcendendo qualquer senso de racionalidade, transbordando simbolismos e metáforas, dissipando quaisquer pensamentos que não sejam de contemplação.
Das empenas dos prédios, associo com a tocante película portenha Medianeras, de Gustavo Taretto, tradução das referidas laterais cegas de edifícios para o castelhano, cujo tema, ao revés do expansionismo da arte representado pelo projeto belo-horizontino, debruça-se no emprisionamento e na solidão, promovida pela tecnologia e desconexão avassaladora que a vida moderna nos traz, em paredes cegas das construções, sem janelas, que dividem edifícios em megalópoles como Buenos Aires; indivíduos ensimesmados em apartamentos apertados que, padecem-se, num vazio existencial, segregando seus imanentes espaços, restringindo olhares, obnubilando o senso coletivo, delimitando existências, perdendo-se, indelevelmente, num labirinto infinito, a essência das sensações mais catárticas da condição humana.
E se o viés do texto se destrincha pela expansão e emancipação dos delineamentos em que a arte urbana reverbera, destaca-se, assim, arrebatadoramente, um movimento cultural e artístico que ganhou densos contornos nos países da América Latina, cuja alcunha se transcende em Acción Poética.
Originado no México na década de 1990, na urbe de Monterrey, por Armando Alanís Pulido, esse movimento vertiginosamente se espraiou por diversos rincões latino-americanos, recrudescendo-se, notoriamente, e ganhando adeptos para uma transformação de paisagens urbanas em galerias poéticas ao ar livre.
Acción Poética se distingue pela sua simplicidade e impacto visual. Utilizando-se principalmente de muros, fachadas e espaços públicos como tela, os poetas urbanos criam intervenções que mesclam palavras e imagens, geralmente curtas, reflexivas e carregadas de sentimentos universais. Essas intervenções não apenas decoram a cidade, mas também provocam reflexões sobre temas como amor, justiça social, esperança e identidade cultural.
Recordo-me bem da primeira vez em que tive contato com esse marcante movimento. Estava caminhando pelos entornos do Palácio de La Moneda e avistei a tinta preta sobre os muros brancos expressando que “Solo está derrotado aquel que deja de soñar”. Uma frase intensa e profunda e que carregava toda a carga do contexto histórico daquela atmosfera. Difícil seria a não materialização no intrínseco mais recôndito da figura de Salvador Allende e sua revolución con sabor a empanadas y vino tinto.
Há de se dizer que nos países da América Latina, Acción Poética não é apenas uma forma de expressão artística, mas, inexoravelmente, um meio de resistência e afirmação cultural. Em lugares marcados por desigualdades sociais e políticas, as intervenções poéticas muitas vezes abordam questões de injustiça, violência e esperança por um horizonte com destinos mais promissores. Além disso, o movimento promove a democratização da arte, radiando poesia para além dos círculos literários tradicionais e alcançando pessoas de todos os espectros sociais.
E cada país latino-americano que adota a Acción Poética incorpora suas próprias nuances culturais e contextos sociais, enriquecendo ainda mais o movimento. No Brasil, por exemplo, o projeto se fez na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, idealizado pela argentina Marcela Echeverría.
De mais a mais, a referida causa na América Latina não apenas embeleza o ambiente urbano com poesia, mas também promove um diálogo cultural profundo e acessível entre os cidadãos. É uma manifestação artística que transcende barreiras linguísticas e sociais, conectando pessoas através da beleza das palavras e da inspiração encontrada em cada intervenção poética.
Em face de tempos, diga-se, em que bufões, travestidos de governantes, insultam, disparam múltiplas bravatas esdrúxulas, propõem e selam muros em que cerram e emparedam sonhos, desfazem aspirações mais íntimas, e aniquilam vislumbres de dias melhores, sublinha-se e ilumina-se que os movimentos de arte urbana são ações imprescindíveis para a reflexão das questões enraizadas e postas no cotidiano. É a oportunidade de se compreender como cidadão e de qual posição se está inserido, confluindo, desta maneira, pela observância dos percalços necessários para a busca espiritual e material do bem-estar coletivo. É o significado da verdadeira emancipação, das correntes que se dissolvem, e transformam-se, dos ambientes mais intrincados e obscuros de perspectivas, em cenários dignos revestidos de sublimes propósitos e profusas possibilidades.
Fonte: https://alvent.wordpress.com/2016/05/12/al-otro-lado-hay-suenos/
“Mucha gente pequeña, en lugares pequeños, haciendo cosas pequeñas, puede cambiar el mundo” (Eduardo Galeano)
Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.