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Luiz Schymura : A urgência do seguro social para os uberizados

Um dos grandes desafios das políticas públicas na era atual é lidar com as mudanças no mercado de trabalho causadas pelos avanços tecnológicos, e aceleradas pelas adaptações para conviver com a pandemia. O destaque sem sombra de dúvidas é a escalada do modelo da economia de compartilhamento. Mais especifica mente, no que veio a ser chamado de uberização, que, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) da Academia Brasileira de Letras, é um “termo usado para indicar a transição para o modelo de negócio sob demanda caracterizado pela relação informal de trabalho, que funciona por meio de um aplicativo (plataforma de economia colaborativa), criado e gerenciado por uma empresa de tecnologia que conecta os fornecedores de serviços diretamente aos clientes, a custos baixos e alta eficiência”.

Analisando o setor de transportes, é notório que as grandes prestadoras dos serviços em plataformas digitais-tais como Uber, 99, iFood, Rappi e Loggi-mantêm uma vinculação informal de trabalho com a grande maioria de seus funcionários. Na falta de uma regulamentação específica para a atividade, o trabalho informal vai

se perpetuando e se legitimando. Com isso, motoristas e entregadores têm ficado à mercê de uma remuneração instável e da falta de seguro social. Não por acaso, o debate em torno da criação de normas trabalhistas próprias para o negócio tem ganhado proeminência. Afinal, a lógica da uberização foge aos padrões convencionais da relação de trabalho.

Na realidade, esse não é um problema apenas brasileiro. Lidar com a crescente uberização no setor de transportes tem sido uma dor de cabeça para os mais diversos países. Na prática, ainda não há um modelo de regulamentação que sirva como referência internacional. No Brasil, representantes do governo, das plataformas e dos trabalhadores vêm batalhando para encontrar um modelo que seja “adequado”. Além disso, há mais de cem projetos legislativos no Congresso relativos à proteção social e trabalhista dos empregados de plataformas digitais.

Na tentativa de trazer mais elementos para o debate, o IBGE introduziu um módulo especial na Pnad Contínua de dezembro de 2022, cujo propósito era investigar a parcela da população ocupada (PO) que usa as plataformas digitais em seu ofício. O grupo de trabalhadores uberizados em transportes-grosso modo, motoristas e entregadores- somava cerca de 1 milhão.

A partir dos microdados do módulo especial da PnadC, meus colegas Fernando de Holanda Barbosa Filho, Fernando Veloso e Paulo Peruchetti traçaram o perfil sociodemográfico dos profissionais uberizados de transportes. Esses perfis foram comparados com o dos 99,4 milhões que compõem a PO brasileira.

Existem pelo menos dois dos muitos cotejos levantados pelos pesquisadores que merecem destaque. Em primeiro lugar, quando a questão é Previdência, constata-se que somente 25% dos uberizados de transportes fazem contribuições previdenciárias, ao passo que, do conjunto dos brasileiros que tem alguma ocupação, uma fatia bem mais elevada, de 65%, contribui para a Previdência.

Um segundo contraste a ser mencionado é a discrepância em temos do perfil educacional. Enquanto a parcela dos uberizados em transportes sem instrução ou com ensino básico incompleto não chega a 8%, na população brasileira ocupada como um todo esse percentual pula para quase 21%. No outro extremo da distribuição, a toada é similar: apenas um pouco mais de 10% dos funcionários uberizados em transportes possuem o superior completo, frente a uma fatia muito maior, de quase 23% para toda a PO do país. Por conseguinte, o nível intermediário educacional – entre fundamental completo e superior incompleto-acumula o expressivo contingente de 82% dos profissionais uberizados em transportes, quando comparado aos 57% encontrados na PO brasileira.

A combinação da forte concentração de uberizados, 82%, possuindo uma formação educacional intermediária conjugada à participação de tão somente 25% deles como contribuintes do sistema previdenciário salta aos olhos, e sugere a urgência de um novo arcabouço de normas trabalhistas para a uberização no setor de transportes. Afinal, parece não fazer sentido que um contingente tão expressivo de pessoas que tenham investido em educação esteja caminhando para chegar na terceira idade sem uma aposentadoria, e tendo que contar com o sistema de assistência social. Além do mais, já hoje, os uberizados não dispõem de uma proteção social que lhes garanta alguma renda caso tenham que ficar afastados do trabalho. Nunca é demais lembrar que tanto motoristas quanto entregadores por aplicativo se submetem nas suas atividades profissionais a riscos não desprezíveis, inerentes à atividade de transporte.

Como sanar, ou pelo menos mitigar, o problema da falta de seguridade social dos uberizados? Uma aparente solução seria criar um programa específico para a categoria que permitisse que os uberizados se tomassem contribuintes do INSS. De fato, essa iniciativa já foi lançada quando da aprovação do decreto do governo federal (Decreto 9.792/19) que estabeleceu a possibilidade de motoristas de plataforma poderem se cadastrar como MEI.

Embora a contribuição para o MEI seja pouco dispendiosa para o uberizado-contribuinte (somente 5% do salário mínimo) -e bastante onerosa para as contas públicas-, a política não surtiu o efeito desejado, vide as baixas proporções de contribuintes para a Previdência dos uberizados de transportes.

Enfim, com base nas nuances da atividade e na experiência vivida, a solução a ser construída para a seguridade social dos uberizados em transportes passa, necessariamente, por um envolvimento efetivo das empresas em duas linhas de ação de natureza distintas. Num primeiro eixo, capitaneando campanhas de esclarecimento junto aos trabalhadores da importância do seguro social. Em uma segunda frente, tendo papel importante na contribuição para o INSS de seus empregados.

Luiz Guilherme Schymura é doutor e professor de Economia na FGV EPGE.

 

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