Passadas as eleições municipais de 2024 e com os novos Prefeitos e Prefeitas atuando em 2025, já perto de completar o primeiro trimestre dos seus mandatos, é pertinente retomarmos as discussões e os projetos que buscam resolver as questões de mobilidade urbana aqui na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH.
Antes, porém, devemos lembrar que uma das características intrínsecas de uma Região Metropolitana é a possibilidade real de que as pessoas se desloquem de uma cidade para outra com frequência e para realizar atividades cotidianas, como trabalhar e estudar, por exemplo. E isso nos leva a uma conclusão óbvia, mas que passa despercebida muitas vezes: o morador de determinada cidade no contexto da mobilidade urbana é na prática um “cidadão metropolitano”, o que impõe que se pense em soluções de mobilidade para atender a todo o universo metropolitano.
A RMBH é composta por 34 municípios, totalizando 5.128.282 habitantes, segundo o censo demográfico do IBGE de 2022, sendo que nestes há um total de 3.977.473 veículos registrados, conforme dados da Secretaria Nacional de Trânsito – SENATRAN. Esse é, a princípio, o universo a ser considerado quando se fala em mobilidade urbana na RMBH, o que significa um imenso desafio, pois dentre estas 34 cidades há municípios com características e situações muito específicas, inclusive no que tange à distância com a Capital, Belo Horizonte.
Por outro lado, dentre estas 34 cidades em termos de mobilidade urbana há uma concentração de deslocamentos e de população em 10 delas, composta por Belo Horizonte e por outros 9 municípios situados na divisa geográfica com a Capital ou que têm uma ligação prática muito intensa com a mesma. A seguir apresentamos um quadro resumo destas dez cidades, indicando a população e a frota veicular de cada uma.
Nestas 10 cidades estão concentradas cerca de 88% de toda a população da RMBH e 91% de toda a frota veicular. Esses dados são relevantes para tentarmos propor uma estratégia de solução para os problemas de mobilidade urbana. Vamos lá!
É comum se ouvir dentre a população e até mesmo dentre especialistas em mobilidade urbana que não é viável conceber uma solução para resolver a questão nos 34 municípios. As alegações são diversas, dentre as quais cita-se: algumas cidades são muito distantes e dependem muito pouco da Capital, como é o caso de Itaguara (situada há cerca de 70km da Capital); outras são muito pequenas e não apresentariam, a princípio, tantos problemas de mobilidade urbana, como é o caso de Baldim, Confins, Florestal, Taquaraçu de Minas, Nova União e Rio Manso, todas essas com população inferior a 10.000 habitantes; dentre outras questões.
A verdade é que, em termos práticos, não há e não houve até hoje, décadas depois da criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte, soluções mais estruturantes e articuladas para resolver os problemas de mobilidade urbana. A título de ilustrar o que estamos falando, vamos nos ater apenas ao período histórico nesse primeiro quarto de século XXI.
O que ocorreu na RMBH do ano 2000 até agora em 2025, para efetivamente contribuir para a melhoria da mobilidade urbana? A resposta não é difícil de ser encontrada e não exige muito esforço: podemos dizer que as únicas intervenções mais significativas foram a implantação do sistema de BRT/MOVE em Belo Horizonte, cujo início de operação se deu em 2013, cerca de um ano antes da Copa do Mundo de Futebol de 2014; e a implantação da chamada “Linha Verde”, interligando a Capital ao Aeroporto Internacional em Confins. Poderíamos elencar outras medidas acessórias, como a implantação dos Centros de Controle Operacional em Belo Horizonte e Contagem; ou algumas obras de arte isoladas para solução de gargalos de trânsito, mas de fato nenhuma medida mais integradora e articulada para melhorar a questão do transporte público de passageiros e mesmo do trânsito. Para melhor entendimento, vamos pontuar algumas questões:
• O metrô de Belo Horizonte, no período entre 2000 e 2025, é praticamente o mesmo que operava antes, sendo que em termos práticos, até o momento, possui apenas a linha 1 em funcionamento, ligando a Estação Eldorado (em Contagem) à Estação Vilarinho (em Belo Horizonte);
• O Anel Rodoviário de Belo Horizonte continua sendo o mesmo e, excetuando a construção da “área de escape na descida do Betânia”, nada de novo aconteceu nesses 25 anos, para evitar os congestionamentos e os graves acidentes que ceifaram centenas de vidas nessa via;
• A malha ferroviária na RMBH foi praticamente toda sucateada e opera em determinados trechos apenas com linhas de carga; não há transporte de passageiros sobre trilhos, o que outrora propiciava ligações importantes entre a Capital e diversas cidades da RMBH como Sabará, Nova Lima, Rio Acima, dentre outras; e
• O sistema de transporte de passageiros por ônibus ainda carece de maior integração, seja no sistema da Capital, Belo Horizonte, seja nos demais municípios da RMBH e, principalmente entre os sistemas municipais e o sistema metropolitano. Continua havendo uma sobreposição de linhas e a rede de transporte dos sistemas municipais e do sistema metropolitano é pensada de forma isolada, não levando em consideração o cliente principal, que é o usuário.
O resultado disso é um sistema ruim, predatório, caro e que não atende às necessidades dos usuários, o que levou e vem levando, dentre outros fatores, à queda vertiginosa de passageiros desde 2002 sobretudo.
Todo esse leque de problemas e deficiências permanecem praticamente inalterados nestes últimos 25 anos, sendo que grande parte da “culpa” pelos problemas de mobilidade urbana recaem invariavelmente sobre os Prefeitos e Prefeitas das cidades que integram a RMBH, principalmente nas 10 cidades mencionadas no quadro anterior.
A solução dos problemas não pode recair somente sobre os municípios, por ser injusto e não corresponder à realidade dos fatos, pois as intervenções e as soluções dos problemas de mobilidade urbana na RMBH dependem muitas vezes de ações que são responsabilidade do Governo Estadual e ou do Governo Federal. Nesse aspecto, a questão parece que toma um rumo “insolúvel”, pois não se vê alinhamento entre as três esferas de poder para resolver os problemas, e mais ainda, não se envolve na discussão dois elos imprescindíveis desta corrente: o usuário do transporte público e as empresas operadoras do sistema de ônibus e do metrô.
Muitos dirão que esse alinhamento nunca ocorrerá e que os interesses políticos partidários impedem uma aproximação e uma solução consensada e viável para os problemas; outros dirão que cada município deve resolver o seu problema, pois é da competência municipal resolver as questões de transporte, segundo a Constituição Federal; outros ainda dirão que a solução é a adoção da tarifa zero no sistema de transporte coletivo e que cabe ao Poder Público arcar com esse ônus, tal qual ocorre por exemplo nas áreas de saúde e educação; haverá com certeza os que pensam que a solução é construir mais obras de arte (viadutos, trincheiras, etc.) para “melhorar o trânsito” e desta forma melhorar também a circulação dos ônibus; outros tantos dirão que a solução é o transporte de massa, implantando com urgência outras linhas do metrô, conectando todas as principais cidades da RMBH; outros dirão que a solução é o trem de passageiros e tão somente ela poderá baratear o custo do transporte e promover uma integração melhor; e por aí vai….
Qual seria a solução?
Quais as medidas que teriam a capacidade de melhorar de vez a mobilidade urbana na RMBH?
Volto a insistir, como já falei em outros momentos aqui neste espaço, que o caminho é estabelecer um novo modelo de gestão da mobilidade urbana na RMBH, quebrando paradigmas e colocando no foco da questão o “cidadão e cidadã metropolitanos”. Isso somente será possível se houver uma união entre as Prefeituras e o Governo Estadual, e juntos, no que couber, buscar apoio e recursos junto ao Governo Federal. Há que se ter uma governança metropolitana para resolver as questões e devemos ter em mente que se deve ter uma estratégia para tanto.
A proposta que nos parece mais viável e que pode ser o início da solução é buscar um arranjo político, institucional, técnico, operacional e financeiro envolvendo os 10 municípios citados neste artigo. Algo do tipo um “G-10”, composto pelos municípios de Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Ibirité, Sabará, Nova Lima, Vespasiano e Esmeraldas. Esse grupo poderia ser constituído à parte, como uma nova instância legal e institucional, ou mesmo ser um setor específico dentro das organizações já existentes em nível metropolitano, como é o caso da ARMBH (Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte) ou da GRANBEL (Associação dos Municípios da Região Metropolitana).
O principal é que se busque um arranjo para viabilizar de fato a melhoria da mobilidade urbana e o atendimento às necessidades de deslocamentos da população, sobretudo as mais vulneráveis e dependentes do transporte público coletivo.
Cabe lembrar que há projetos importantes em andamento na RMBH, como o Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, de Contagem; o BRT Amazonas, em Belo Horizonte; a expansão da linha 1 e a construção da linha 2 do metrô; e devemos entender isso como ações positivas. Contudo, ainda que plenamente implantados, estes projetos não conseguirão por si só resolver as questões de mobilidade se não houver uma governança metropolitana, envolvendo pelo menos o “G-10” aqui proposto e o Governo Estadual.
Temos que mobilizar a população da RMBH como um todo, para que ela sensibilize as Prefeituras destas 10 cidades e o Governo Estadual, para juntos criarem esse “G-10” e a partir daí buscar soluções factíveis e urgentes para a questão, dentre as quais destaco a necessidade imprescindível de uma integração tarifária no sistema de transporte coletivo de passageiros por ônibus e pelo metrô. É fácil fazer essa integração tarifária? Certamente que não, mas é uma das soluções mais viáveis para estancar a perda de passageiros no sistema de transporte coletivo e poder atrair usuários que migraram para o transporte individual motorizado (carros e motos sobretudo). Há condições de caminharmos para uma solução, desde que haja a decisão de todos os envolvidos em fazê-lo. Evidentemente que um dos maiores desafios é a questão do pagamento dos custos e a remuneração dos operadores, a velha questão do “Quem paga a conta?”. Soluções existem e podem ser construídas a partir do momento em que todos se unirem efetivamente para resolver os problemas.
Precisamos pautar esses assuntos acima das questões político partidárias, tendo uma visão mais holística e humanizada dos problemas e sobretudo da imperiosa necessidade se buscar o entendimento e a efetiva governança metropolitana da mobilidade, para tentar amenizar as dificuldades e os custos dos deslocamentos da população da RMBH no seu cotidiano.
A mobilidade urbana na RMBH precisa ser urgentemente melhorada e já perdemos de certa forma um quarto do século, 25 anos, sem ousar atacar o cerne do problema, que passa obrigatoriamente por diversas questões abordadas aqui, mas principalmente pelo financiamento do transporte público de passageiros e da união dos entes públicos na busca real e equilibrada das soluções.
A hora é agora! Os dois próximos anos são decisivos para a implementação de uma nova era na mobilidade urbana da RMBH. Convido todos e todas a refletirem sobre o que apresentamos e se engajarem nessa luta, na busca tão sonhada da melhoria da mobilidade urbana na RMBH.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes