O mundo pós COVID está um pouco diferente daquele que havia antes da pandemia; as pessoas passaram a ter olhares e percepções diferentes para muitas questões, dentre as quais está a mobilidade urbana. Cada vez mais um dos temas frequentemente pautado e discutido em todo o Brasil é justamente a mobilidade urbana, sobretudo nas médias e grandes cidades. Há muitas razões para isso, mas certamente um dos principais é que as pessoas passaram a valorizar muito mais o simples ato de poder se deslocar da sua residência para quaisquer outros lugares. Nunca o “ir e vir” foi tão valorizado pelas pessoas, ou seja, a mobilidade urbana assumiu um protagonismo nunca antes visto.
As cidades continuam enfrentando problemas nas áreas de saúde, segurança, educação e infraestrutura, mas sem dúvida alguma a mobilidade urbana assumiu papel de relevância e está definitivamente inserida no rol dos principais desafios que os gestores têm que enfrentar diariamente.
Feitas essas considerações, vamos retomar o título desse artigo – “Mobilidade Urbana e Participação Popular” – pois talvez o maior desafio para melhorar a mobilidade urbana seja o de envolver as pessoas nas discussões e na busca pelas melhores soluções.
Alguns podem estranhar essa afirmação e dirão que Mobilidade Urbana é assunto para técnicos e profissionais da engenharia, da arquitetura, do direito, da pedagogia, da psicologia, dentre tantos que lidam com o tema; outros dirão que é assunto para ser tratado pelos agentes de trânsito, pelos fiscais de transporte, pelos policiais militares e todos os agentes da autoridade de trânsito, enfim de todos que se envolvem com a fiscalização e operação. Obviamente que todos esses profissionais são imprescindíveis para lidar com a questão da mobilidade urbana, contudo nenhum deles será bem sucedido em sua missão se não ouvirem os cidadãos e as cidadãs do seu município de forma permanente e adequada.
É preciso ouvir as pessoas, é preciso entender as necessidades delas, é preciso dialogar, é preciso perceber as dificuldades delas no dia a dia em termos de mobilidade, ou seja, é fundamental que haja Participação Popular para resolver adequadamente os desafios da Mobilidade Urbana. É preciso entender a cidade e para tanto é preciso ouvir as pessoas, aliás, muito mais que isso, é preciso escutar as pessoas. Ouvir e escutar são coisas distintas, senão vejamos:
A principal diferença entre “ouvir” e “escutar” reside no grau de envolvimento e intenção. “Ouvir” é um processo passivo de captar sons, enquanto “escutar” é um processo ativo que implica prestar atenção, interpretar e compreender a mensagem transmitida, seja verbal ou não.
A verdadeira Participação Popular reside na prática efetiva de criar mecanismos, espaços e oportunidades para que as pessoas possam falar sobre os seus problemas e serem escutadas! Isso vale para qualquer assunto, como saúde, educação, segurança, infraestrutura e tantos outros, e, obviamente vale para a mobilidade urbana.
Quem conhece melhor os problemas de trânsito de determinada rua?
Quem convive com os congestionamentos e problemas de segurança no ir e vir?
Quem enfrenta os desafios de usar o transporte público coletivo de passageiros, na maior parte das vezes caro e ineficaz?
Quem enfrenta dificuldades para caminhar nas calçadas e passeios públicos, muitas vezes mal cuidados e sem mínimas condições de segurança?
Quem não consegue pedalar a sua bicicleta pelas vias urbanas, por não dispor de um espaço próprio para fazê-lo com segurança?
A resposta é simples: as pessoas! São elas que darão aos profissionais da mobilidade urbana as informações e percepções mais precisas e corretas do que ocorre em cada via, em cada bairro, em cada canto da cidade. E de posse destas informações, os técnicos terão melhores condições para encontrar as soluções mais adequadas para cada problema.
É muito importante lembrar que as cidades são organismos vivos e as pessoas precisam de boas condições de mobilidade durante 24 horas por dia, durante os 365 dias do ano. Todos sabemos disso, mas os órgãos gestores da mobilidade urbana não funcionam 24 horas por dia, o ano todo, à exceção dos plantões das equipes de fiscalização e operação. Inclusive o transporte público coletivo muitas vezes não circula durante as 24 horas do dia; às vezes nem nos finais de semana e feriados! E como ficam as pessoas diante disso tudo?
Não estamos aqui criticando os órgãos gestores, nem as Prefeituras e os Governos Estaduais e Federal; nem tampouco estamos desmerecendo os profissionais que trabalham com a mobilidade urbana. Estamos tão somente mostrando uma realidade e constatando que é preciso mudanças estruturais para se lidar com a mobilidade urbana de maneira adequada, eficiente e eficaz. E isso depende, em boa medida, da escuta atenta do que as pessoas têm a dizer e informar sobre suas necessidades e dificuldades nos deslocamentos que precisam fazer para realizar suas atividades.
Mobilidade Urbana engloba o trânsito e o transporte; implica em estar atento aos aspectos de segurança, fluidez, acessibilidade, conforto e ao custo (preço) dos deslocamentos. E tudo isso tem que obrigatoriamente ter como foco as PESSOAS, conforme ilustrado a seguir.
Continuemos nossa reflexão sobre “Mobilidade e Participação Popular”, pontuando mais algumas questões.
Como vencer o desafio para se fazer uma boa gestão da mobilidade urbana?
Como atender às demandas da população que depende do transporte público para os seus deslocamentos?
Como equilibrar os interesses do tráfego de veículos que apenas “passa pela cidade” e o tráfego veicular dos que moram e trabalham na cidade?
Como combater as questões de importunação sexual no transporte público?
Como efetivamente tornar a mobilidade justa, inclusiva e acessível para todos e todas?
Como fazer da mobilidade urbana um fator positivo para o ambiente de negócios da sua cidade?
Não há uma única resposta para tudo isso, mas as respostas podem ser encontradas a partir do momento em que, efetiva e verdadeiramente, houver uma sinergia entre os órgãos gestores e profissionais da mobilidade urbana com os cidadãos e cidadãs da sua cidade, ou seja com as pessoas.
Temos, pois, que transformar a Participação Popular em uma prática efetiva e democrática, buscando conversar com as pessoas em todos os cantos da cidade, em todos os espaços, buscando conhecer a realidade da mobilidade urbana de cada local, tanto nos dias e horários úteis, como à noite e nos finais de semana e feriados. E isso vai requerer, reafirmando o que mencionamos anteriormente, uma nova estrutura e dinâmica de trabalho dos órgãos gestores e dos profissionais.
Para tanto, é imprescindível o engajamento de toda a sociedade civil organizada, sensibilizando o Poder Executivo, em todas as esferas (Municípios, Estados e Governo Federal), o Poder Legislativo (Vereadores, Deputados Estaduais/Federais e Senadores) e o Poder Judiciário, para que compreendam a importância da Mobilidade Urbana e que esta é uma atividade que precisa de recursos e estrutura para funcionar plenamente e ininterruptamente durante 24 horas por dia, em todos os dias do ano.
O tema proposto nesse artigo é por si só bastante desafiador e complexo. Nosso intuito aqui não foi o de esgotar o assunto, mas sim o de estabelecer um ponto de partida para a melhoria da mobilidade urbana, o que acreditamos somente avançará de forma consistente, com a efetiva escuta de todas as pessoas, sem exceção, em cada cidade.
Vamos todos refletir sobre esse tema, agindo e contribuindo para uma mobilidade mais justa, segura, inclusiva e acessível?
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes