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Moara Saboia: Abolição inacabada – nossa luta cotidiana e o fim da Escala 6×1

Há datas que a história oficial insiste em transformar em marcos de redenção. O 13 de Maio é uma delas. Em 1888, com a assinatura da Lei Áurea, o Brasil teoricamente pôs fim jurídico à escravidão, o último país das Américas a fazê-lo. Mas a pergunta que ecoa 137 anos depois é: o que, de fato, foi abolido?

A Lei Áurea, com seus dois artigos, não garantiu terra, trabalho ou dignidade às pessoas libertas. Não houve qualquer política de reparação ou inclusão. Enquanto a elite escravocrata foi indenizada pela perda de sua “mão de obra”, os “libertos” foram abandonasos à própria sorte. A abolição foi um ato sem justiça, sem transição, sem redistribuição. Um silêncio cúmplice entre Estado e casa-grande.

A narrativa oficial tenta cristalizar a figura da Princesa Isabel como redentora. Mas a abolição não foi presente da monarquia. Foi conquista de um povo que resistiu com quilombos, revoltas, fugas, redes de solidariedade e lutas incansáveis, que se perpetuam no cotidiano. Foi também obra de abolicionistas negros, como Luís Gama, José do Patrocínio e Maria Firmina dos Reis, vozes frequentemente apagadas da história.

E hoje? Hoje seguimos sentindo o peso de uma liberdade incompleta. Negros, negras e seus descendentes continiamos no desemprego ou no trabalho informal e precarização, nos bairros sem saneamento, nos presídios superlotados, nas estatísticas de diversas violências que vão da policial à econômica. Somos nós que seguimos sub-representados nos espaços de poder e invisibilizados nos livros didáticos.

Enquanto isso, os herdeiros da casa-grande continuam lucrando. Antes com o trabalho escravizado. Agora com novas correntes: jornadas exaustivas, terceirização, racismo institucional, encarceramento em massa, genocídio da juventude negra e a criminalização da pobreza. A senzala se modernizou, mas a estrutura permanece reproduzindo as desigualdades do sistema econômico escravocrata. Vale lembrar que se na teoria o Brasil foi “descoberto” para a Europa em 1500 e hoje, em 2025, após transconrridos quase ¾ de nossa história sob regime de trabalho escravo ainda prevalece, para muitos o trabalho análogo à escravidão.

É por isso que, em Contagem, temos trabalhado para que a luta antirracista se transforme em política pública. A título de exemplo vou citar o SOS Racismo, projeyo aprovado pela Câmara Municipal por meio do meu Projeto de Lei nº 093/2021, que visa combater o racismo e qualquer forma de discriminação e violência no município. Esta é uma ferramenta legislativa que fortalece o enfrentamento ao racismo e contribui para a promoção da igualdade racial em nosso município.

Sabemos também que a saúde da população negra é atravessada por desigualdades históricas. De acordo com o Ministério da Saúde, somos a maioria entre as pessoas afetadas por doenças como anemia falciforme, hipertensão arterial, diabetes mellitus e transtornos mentais. Dentre os motivadores destas doenças sujaz o racismo, a exclusão e a desigualdade social. Essas vulnerabilidades se agravam com a pobreza, a violência e o acesso precário aos serviços de saúde. Por isso, sou autora do projeto de lei que institui a Semana Municipal de Conscientização da Saúde da População Negra, já aprovado em segundo turno na Câmara Municipal de Contagem. A saúde da população negra com políticas específicas, sensíveis e estruturantes precisa ser prioridade.

E porque memória, verdade e justiça também se fazem no espaço simbólico do município, sou autora da lei que proíbe homenagens a figuras ligadas à escravidão em Contagem, aprovada por meio de substitutivo. Não aceitaremos mais que nomes de escravocratas estampem praças, ruas e escolas, como se fossem heróis. A cidade precisa honrar seus verdadeiros protagonistas: o povo negro que construiu e constrói sua história.

Nesse mesmo compromisso com a memória e a justiça, me juntei a professores e estudantes do Colégio Santo Agostinho de Contagem na campanha pela mudança do nome do Parque Estadual Fernão Dias. A iniciativa busca substituir a homenagem ao bandeirante responsável pelo extermínio de povos originários, adotando o nome do povo Cataguás, nação indígena dizimada por Fernão Dias no século XVII para denominar a Área de Proteção Ambiental (APA) Parque Fernão Dias que deixará de reverenciar um colonizador para, finalmente, reconhecer e honrar a resistência indígena. Fiz questão de homenagear os proponentes dessa iniciativa e estamos acompanhando de perto o avanço do projeto na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Essa é mais uma ação concreta por memória, verdade e reparação histórica.

Também precisamos ocupar as ruas. No dia 17 de maio, sábado, me juntei aos movimentos de luta, movimento negro, escolas, povos e comunidades tradicionais, povos de terreiro, na 11ª Marcha de Enfrentamento ao Racismo e Intolerância Religiosa de Contagem. Essa marcha já virou tradição na nossa cidade e deve continuar denunciando o racismo e a intolerância religiosa. Foi uma marcha potente e nela também inserimos a ala contra a escala 6×1, denunciando que essa escala de seis dias de trabalho e apenad 1 dia de folga atinge diretamente o povo negro, em especial as mulheres pretas com suas duplas ou triplas jornadas: trabalho, estudo, cuidado da casa, dos filhos e dos idosos. Devemos lutar pelo fim dessa escala para que haja vida além do trabalho.

Por tudo isso, afirmo: o 13 de Maio não é dia de comemoração. É dia de denúncia. É dia de luta.

A verdadeira abolição só virá com reparação histórica, com justiça racial, com o enfrentamento do racismo estrutural que molda o Brasil desde a sua fundação. É preciso abolir o projeto de sociedade que ela deixou como herança.

Moara Saboia é vereadora pelo PT em Contagem e dirigente nacional do Partido.

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