Começo esse texto com essa pergunta boba, e até clichê, mas, parto dela para refletirmos sobre os desafios de fazer gestão de cultura pública nas cidades, em um momento em que o discurso de desmantelo com suas políticas, foi trabalhado à nível federal de forma tão contundente nos últimos anos, a fim de torná-la se não uma simples futilidade, uma inimiga perigosa para os “cidadãos de bem”.
Sabemos que a Cultura, nas gestões públicas do Estado e na maior parte do país, é uma das pastas que menos recebe atenção e investimentos. No entanto nos últimos quatro anos, em todo o Brasil, essa visão se agravou de tal maneira que, ante tantas faltas, e ausências de políticas públicas, o cidadão comum, muitas vezes, vê os investimentos em cultura como um supérfluo desperdício de dinheiro público. Uma vez que a cultura nunca foi introjetada pelo cidadão comum como direito social, e por isso ainda vigora a crença de que o dinheiro ali investido saiu de algum lugar de “mais urgência” e “mais importância” como saúde, educação, assistência social, ou até mesmo, pavimentação urbana.
Tal pensamento fica por vezes em evidência nos comentários das redes sociais quando se anuncia algum novo investimento da cidade, em algum ou alguns dos muitos instrumentos de fruição cultural no município.
Desde que a gestão Marília Campos reassumiu a prefeitura de Contagem em janeiro de 2020, estou à frente da pasta da SECULT (Secretaria de Cultura), e na ausência de uma política de cultura estruturada, os desafios desses dois primeiros anos foram muitos, e as mudanças se fizeram brevemente notadas pela população.
Depois de montar a equipe de uma repartição pública com praticamente nenhum servidor efetivo, o outro e urgente desafio foi tentar entender quais seriam nossas primeiras frentes de trabalho, ante uma pasta que havia passado os últimos anos praticamente sem existir. E a qual, apenas uma pequena parte da população reivindicava.
Após pouco tempo de diagnóstico e em curto espaço para planejamento, entendemos que Contagem tinha três carências que deveriam ser sanadas com urgência. Fomento, Patrimônio e Fruição.
O Fomento foi, durante os últimos oito anos, praticamente a única ação da Secretaria de Cultura, que nas gestões anteriores estavam ligadas ao Esporte e Juventude, com orçamento baixo, fazia-se um único chamamento anual, com investimento que girava em torno de 800 mil reais e só.
A nova gestão, após dar início aos diálogos com os agentes de cultura da cidade, estruturou o fomento não só com maior orçamento (aproximadamente R$1.500,000,00 no primeiro ano e R$2.500,000,00 no segundo), mas também aumentou as categorias, o número de chamamentos públicos e o olhar específico com grupos até então invisibilizados que antes não tinham condições de acesso à política pública de fomento cultural.
O carro chefe dos Editais, é o Movimenta Múltiplas Linguagens que abraça em sua proposta, todas as formas de manifestação cultural existentes no município, mas que também é complementado por editais mais específicos como os de Fotografia, de Galerias, Literatura, Micro-Projetos, Culturas Populares, Audiovisuais e nesse ano de 2020 destaco também, a premiação para Capoeristas, grupo que sempre esteve “esquecido” na cidade, apesar de sua atuação presente em todos os territórios, e a Premiação para Festas Juninas, que apesar de singela em seus valores, teve como objetivo democratizar o acesso à recursos públicos para o fomento de festas juninas já tradicionais, republicanizando a relação do cidadão com o dinheiro público. Se antes, para ter acesso à uma caixa de som, um palco, e um banheiro químico para a realização desses tradicionais eventos bairristas, privilegiavam-se as relações pessoais e o “jeitinho”, a partir desse ano, bastou entrar no site, fazer o cadastro, e apresentar a documentação básica, para se ter acesso ao recurso.
Tais editais são sempre amparados, em sua maioria por Consultas Públicas, produção de cartilhas e mini-cursos de formação para dar aos candidatos condições mínimas de concorrência nos processos. E desde 2021, temos acompanhado com muita alegria a melhora da qualidade de proposições e o avanço em como a cultura da cidade tem chegando até as pessoas, dentro dos seus territórios de forma múltipla e participativa.
Outra frente de trabalho importante que temos assumido com certo orgulho, é a Política Patrimonial. Nossos bens materiais históricos, que por tantos anos ficaram abandonados, sofrendo depreciação e limitando o acesso histórico e cultural do povo de Contagem, hoje, conta com grandes investimentos em sua recuperação, com importantes obras de restauro, e ocupação, com programas de vivencia dos espaços, como por exemplo a “Noite no Museu”, que acontece uma vez por mês, em algum dos nossos equipamentos como o Museu Casa de Cultura Nair Mendes Moreira, um casarão histórico, que foi a primeira obra de restauro entregue nesse governo, tendo sido iniciado na gestão passada, e do qual a população tem se apropriado de maneira orgânica. Com visitação fluente às várias exposições, e também como ponto de encontro para lançamentos de livros es paço de debates e exercício da cidadania.
Outra grande conquista da gestão no quesito Patrimônio, é a Casa dos Cacos, importante patrimônio histórico da cidade que, após quase vinte anos de abandono, foi restaurado e devolvido à sociedade com grande festa de inauguração, hoje é campeã em visitação pública de terça á domingo, ponto de encontro e orgulho do Contagense.
Esse ano também, tivemos a alegria de anunciar para a cidade a abertura do Edital de seleção para o restauro do Cine Teatro, obra essa que sempre foi um dos principais pontos de cobrança das nossas gentes, dada sua relação de afeto com a população, e nossa carência de espaços públicos para a fruição de tantas obras de audiovisual produzidas em Contagem, tanto no cinema, quanto no teatro.
Em breve, a cidade também terá a alegria de ver as portas do Centro de Memória do Trabalhador abertas, para grandes agendas de fruição artística que deverá, com todos os esforços feitos para a garantia de sua gestão exitosa, uma referência cultural não apenas para Contagem, mas, também, para toda a região metropolitana.
Nossa expectativa é devolver á cidade todos os patrimônios do Centro Histórico reformados e com plena agenda de uso e ocupação, até o final desse quadriênio, o que certamente trará aos Contagenses maior censo de identidade e pertencimento à cidade, o que a curto, médio e longo prazo, só tem a trazer grandes benefícios em muitos aspectos do viver e ser.
No que se refere á fruição, o que não nos falta são pontos de orgulho e lugares de alegria pública. Embora tenhamos assumido o governo da cidade em plena reclusão pandêmica, a gestão Marília Campos fez grandes esforços para a vacinação e para o controle do contagio do Covid-19, e pudemos, no momento certo, voltar a viver a urbanidade no melhor significado da palavra, em todas as regionais, ocupando as praças, os parques e as ruas, em um espírito que chamo de “comunhão coletiva” por uma cidade mais viva e mais rica de afetos.
Durante a maior parte do ano, a agenda de festas e eventos da cidade tem sido opulenta, em número, qualidade e diversidade de atividades, promovidas de forma direta pela Secretaria de Cultura, indireta, à partir dos projetos contemplados pelos fomentos, ou em parceria com outras secretarias como por exemplo a Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria de Direitos Humanos ou de cena independente, incentivados também pelo clima crescente de uma cidade que se vive e curte.
Domingo no Parque, Café com Viola, Circula Cultura, e nossas festas sazionais de grande sucesso como os “Arraiáis” e o “Natal de Luz”, festivais que tem entrado para o calendário da cidade com muita aceitação e apropriação, são alguns dos muitos momentos de encontro com a população e sua cultura singular.
Tantas atividades, e momentos de lazer e vivencia coletiva, além de dar espaço para artistas e projetos da cena local, também democratizam o direito universal à cultura trazendo para a cidade artistas de renome nacional, de forma gratuita e acessível à todos e todas.
Esses momentos, talvez sejam os que trazem a SECULT e a Prefeitura mais perto das pessoas, dentre as demais políticas de Cultura do Município, uma vez que extrapolam as reivindicações dos agentes culturais e fura bolhas de maneira mais popular e aglutinadora, trazendo aos citadinos um espírito de pertencimento novo e rico em significados. Além claro de girar e gerar renda para os comerciantes locais, em especial os empreendedores da Economia Solidária, que se beneficiam de maneira particular com as oportunidades múltiplas de geração de renda a partir dos investimentos no setor cultural.
Apesar dos grandes avanços, sabemos que ainda temos muito a fazer, mas, é notável que depois dessa gestão Marília Campos, a cidade tem avançado de maneira exemplar em relação aos investimentos e participação da cultura no que chamamos de “projeto de cidade” de forma a nos colocar em rota de encontro às já anunciadas proposições do governo Lula para a Cultura do país. E assim, temos e teremos à cada dia, a partir do trabalho desenvolvido por uma gestão que tem compromisso com a Vida e com uma cidade mais bonita, justa e democrática, mais elementos para responder a pergunta que abre esse texto: Cultura, pra te quero?.
Com esse balanço encerro aqui minha passagem pelo governo municipal com o coração cheio de alegria por ter contribuído com um projeto coletivo de amor. E com a vaidade de ver o nome de uma filha de manicure/salgadeira e operário registrado em importantes monumentos e na História dessa cidade que amo. Obrigada a todos e todas que vibraram com a passagem dessa “favelada” por um lugar tão importante de construção do bem comum.
Foi um grande prazer ser secretária de Cultura de Contagem. Nos encontramos na luta.
Pelo bom, pelo belo, pelo justo.
Monique Pacheco é históriadora e escritora. Foi secretária de Cultura na Prefeitura municipal de Contagem.