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Paulo Figueiredo: A pandemia da COVID-19 e suas relações com a degradação ambiental

A pandemia de Covid-19 vai muito além de um processo evolutivo viral. Essa doença de alta transmissibilidade, que já levou a óbito mais de 667 mil pessoas no Brasil(1), e, no mundo, mais de 15 milhões, segundo números divulgados em maio deste ano, pela BBC News, após estudo de informações da Organização Mundial da Saúde -OMS, tem como pano de fundo um vírus da família coronaviridae, que nunca fez mal a ninguém. Mas, devido a processos mutacionais (alterações genéticas), trouxe para o mundo uma das mais difíceis doenças, do ponto de vista da prevenção, controle e tratamento de doentes, que a humanidade já presenciou.

Nesse contexto, poucas discussões são feitas em relação à degradação do meio ambiente, e à adaptação do tal SARS-CoV-2 ao hospedeiro humano. E, para facilitar essa discussão, é necessário esclarecer que animais, como o gato, o cachorro, o rato, o homem, o peixe, enfim, todos são colonizados por microrganismos, inclusive, por vírus. Isso, de forma simbionte, ou seja, numa relação microrganismo/hospedeiro muito “leal”, sem grandes problemas para o animal, afinal de contas, não seria interessante para o vírus, destruir sua casa/hospedeiro.

O problema surge, quando o microrganismo de um animal passa para outro, e, em nossa história epidemiológica recente, temos alguns casos como o vírus ebola, que coloniza naturalmente morcegos, infectando seres humanos, e agora, o vírus da varíola dos macacos, que naturalmente infecta roedores, bem como casos mais antigos, como a leptospirose e a leishmaniose. Em todos esses casos, há em comum uma situação, microrganismos bastante acostumados com seus hospedeiros naturais e que começaram a gostar do hospedeiro humano.

Outra breve explicação: Charles Darwin, um naturalista inglês (1809-1882), postulou em seu livro “A origem das espécies”, publicado em 1859, a famosa Teoria da Seleção Natural, a qual concluiu que os seres vivos mais aptos, não necessariamente os mais fortes, serão selecionados naturalmente numa situação de alterações ambientais, ou seja, na seleção natural, o ambiente seleciona a propagação das características favoráveis, logo, um ser vivo pode ter mais sorte que algum indivíduo da sua espécie, numa situação ambiental desfavorável.

Mas, o que isso tudo tem a ver com a pandemia e o meio ambiente?

As diversas áreas de mata, degradadas pela ação humana, tiram o habitat natural de muitos animais selvagens. Esses animais passam a ter um contato muito maior com os seres humanos, resultando numa interação contínua entre os microrganismos destes e o homem. Durante essa interação, a seleção natural proposta por Charles Darwin entra em ação, na qual os vírus sem potencial letal em animais são transmitidos para os seres humanos e, já no organismo humano, esses vírus com mutações se adaptam muito bem em sua “nova casa”.

A United Nations Environment Programme-UNEP, em abril de 2020, listou 6 pontos importantes, que nos ajudam a entender melhor o quanto a degradação do ambiente impacta na epidemiologia de novas doenças, quais sejam:

1. A interação de seres humanos ou rebanhos com animais selvagens pode expor-nos à disseminação de possíveis patógenos. Para muitas zoonoses, os rebanhos servem de ponte epidemiológica entre a vida selvagem e as doenças humanas.

2. Os fatores determinantes do surgimento de zoonoses são as transformações do meio ambiente – geralmente resultado das atividades humanas, que vão desde a alteração no uso da terra até a mudança climática; das mudanças nos hospedeiros animais e humanos aos patógenos em constante evolução para explorar novos hospedeiros.

3. As doenças associadas aos morcegos surgiram devido à perda de habitat por conta do desmatamento e da expansão agrícola. Esses mamíferos desempenham papéis importantes nos ecossistemas, sendo polinizadores noturnos e predadores de insetos.

4. A integridade do ecossistema evidencia a saúde e o desenvolvimento humano. As mudanças ambientais induzidas pelo homem modificam a estrutura populacional da vida selvagem e reduzem a biodiversidade, resultando em condições ambientais que favorecem determinados hospedeiros, vetores e/ou patógenos.

5. A integridade do ecossistema também ajuda a controlar as doenças, apoiando a diversidade biológica e dificultando a disseminação, a ampliação e a dominação dos patógenos.

6. É impossível prever de onde ou quando virá o próximo surto. Temos cada vez mais evidências sugerindo que esses surtos ou epidemias podem se tornar mais frequentes à medida que o clima continua a mudar. (UNEP, 2020).

Seguindo a teoria de Darwin e as proposições da UNEP, com a entrada humana em ambientes selvagens, inóspitos e ricos em fauna selvagem, estes hospedeiros, com vários micro-organismos desconhecidos da medicina, passam a ter contato direto com o homem, e, dessa forma, tais micro-organismos seguem seu rumo evolutivo de sobrevivência.

Aqueles que melhor se adaptarem ao homem, terão uma “nova casa”, e, enquanto não se adaptarem, vão destruindo esse novo hospedeiro, fato que aconteceu e está acontecendo com o vírus causador da Covid-19.

A preservação ambiental e a sustentabilidade passam a ser medidas preventivas prioritárias contra doenças infectocontagiosas, oriundas de seleção natural de vírus adaptados a hospedeiro humano, associadas às pesquisas científicas constantes, capazes de identificar novas linhagens virais, e consequente produção de vacinas.

Em resumo, a preservação do meio ambiente ganha novos argumentos, amparados na necessidade de manutenção da saúde pública do planeta.

Paulo Figueiredo é Vice-presidente da Fundação de Ensino de Contagem – FUNEC. Professor do curso de Análises Clínicas-FUNEC – Unidade CENTEC. Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (2003).

 

NOTA

Fonte: Portal CORONAVÍRUS//BRASIL. COVID-19. Painel de Controle. Atualizado em: 22/06/2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 23 jun. 2022.

Referências:
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION – AMA. Cardápio. Coronavírus Disease 2019. Disponível em: https://www.ama-assn.org/search?search=Coronav%C3%ADrus+Disease+2019. Acesso em: 22 jun. 2022.

BRASIL. Biblioteca do Senado Federal/Senado Federal. Coronavírus (Covid-19). Fontes primárias de informação. Brasília: Senado Federal, 2021.6 p. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/570174/Coronavirus_COVID-19_Fontes_primarias.pdf. Acesso em: 22 jun. 2022.

LISTA DE ESPÉCIES MESTRAS DE ICTV 2009 – V10 (9º RELATÓRIO). Versão 10 do MSL, publicada em 24 de agosto de 2011. Disponível em: https://talk.ictvonline.org/files/master-species-lists/m/msl/1231. Acesso em: 23 jun. 2022.

PORTAL CORONAVÍRUS//BRASIL. COVID-19. Painel de Controle. Atualizado em 22/06/2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 23 jun. 2022.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME-UNEP. 6 fatos sobre coronavírus e meio ambiente. Publicado em 08 abril de 2020. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/6-fatos-sobre-coronavirus-e-meio-ambiente. Acesso em: 22 jun. 2022.

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