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Rodrigo Perez: O xadrez de Tarcísio

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Um ex-presidente, líder popular, preso e inelegível, mas com grande capital eleitoral. Disputas viscerais dentro do seu campo político para escolher o substituto nas urnas. A estratégia é registrar a candidatura e esticar a corda até o último momento, denunciando o que é considerado um golpe no processo eleitoral. Na superfície, a situação de Jair Bolsonaro em 2026 parece semelhante à de Lula em 2018. De fato, a comparação é possível, mas é também limitada. Há muitas diferenças entre os contextos. Quero dedicar atenção aos herdeiros, aos ungidos: Fernando Haddad em 2018 e, ao que tudo indica, Tarcísio de Freiras em 2026. O trabalho de Tarcísio será muito mais difícil.

Primeiro, porque se tudo correr dentro na normalidade, Tarcísio terá o presidente Lula como adversário, uma das lideranças políticas mais votadas na história da democracia ocidental. Somando todos os votos que Lula teve nas campanhas presidenciais de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2022, chegaremos próximos ao impressionante número de 250 milhões. Definitivamente, Tarcísio não terá vida fácil. Mas as dificuldades não se limitam ao adversário, pois o governador de São Paulo precisará lidar com uma base social radicalizada e pouco disposta à negociação, o que definitivamente não era o caso de Fernando Haddad em 2018.

Lula jamais foi um radical, nem mesmo nos tempos de sindicalista. Sempre foi um mediador, um negociador, um conciliador, o que já lhe rendeu muitas críticas dentro da própria esquerda. Com o passar dos anos, o “estilo Lula” de fazer política disciplinou sua base. O eleitor lulista típico não espera o conflito, não está interessado na agitação, não é um militante mobilizado. O presidente Lula não é reconhecido por liderar grandes mobilizações populares, algo visto pelo bolsonarismo como um sinal de que sua liderança seria frágil, o que alimenta as conspirações de que as eleições de 2022 teriam sido fraudadas.

“Como pode ter sido eleito se não consegue encher uma praça no 7 de setembro?”, questionam os bolsonaristas. Uma avaliação equivocada que não leva em conta o perfil político de Lula, e de sua base. Haddad, portanto, não precisou prometer indulto e atacar as instituições. Limitou-se a denunciar a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, sem jamais confrontar a institucionalidade. Já Tarcísio de Freitas não pode se dar o luxo da moderação, pois Bolsonaro é muito diferente de Lula e inspira em sua base um tipo de comportamento político bastante distinto daquele que é inspirado pelo líder petista.

Jair Bolsonaro conseguiu transformar o extremismo ideológico em um programa político eleitoralmente competitivo e qualquer um que pretenda herdar seu espólio eleitoral precisará alimentar sua base com a retórica da violência, do conflito e da crise. Esse não parece ser o perfil de Tarcísio de Freitas, pelo menos até agora.

Antes de se tornar o homem de confiança de Jair Bolsonaro, Tarcísio de Freitas já tinha prestado serviços ao governo da Presidenta Dilma. Se sempre foi conservador, reacionário ou algo do tipo, não há como saber. Certo mesmo é que construiu sua vida pública como um tecnocrata, sem grandes rompantes ideológicos. Em diversas ocasiões, Tarcísio aparentava ser uma voz moderada no gabinete ministerial de Jair Bolsonaro. Jamais adotou postura negacionista, não pregava o armamento da população, orientou o então presidente a reconhecer a derrota em 2022 e, até onde se sabe, não fez parte da conspiração golpista. Todos esses predicados fizeram com que Tarcísio encarnasse o desejo de parte das elites políticas brasileiras em ressuscitar a tal “direita democrática”, algo próximo ao que foi o PSDB até 2014. Houve até quem acreditasse que Tarcísio pudesse representar um “bolsonarismo moderado”.

Se essas expectativas tinham sentido, deixaram de ter na Avenida Paulista no último domingo, durante os festejos de 7 de setembro organizados pela extrema direita. Em um discurso que em nada aparentava moderação, Tarcísio de Freitas replicou os tradicionais ataques do bolsonarismo ao Supremo Tribunal de Federal, citando nominalmente o ministro Alexandre de Moraes e falando em “ditadura” e “tirania”.

Quem tinha dúvidas, agora não as tem mais: Tarcísio está farejando a oportunidade e quer ser candidato á Presidência da República no ano que vem. Para isso, precisa do apoio do bolsonarismo ideológico, o que lhe garante um piso eleitoral alto, mais ou menos 30% dos votos, mas também limita suas pretensões, rebaixando seu teto. O apoio do bolsonarismo raiz, portanto, é indispensável para que o candidato seja competitivo, mas é insuficiente para que vença a disputa.

Tarcísio precisará ser o leão bolsonarista no palanque e o gatinho fisiológico nos bastidores. Não duvido de que logo depois de descer do palanque na avenida paulista, ele tenha passado a mão no telefone e ligado para Alexandre de Moraes, para dizer algo parecido com “foi mal aí, você sabe que não penso nada disso”. Depois do que ouviu, Xandão atenderia esse hipotético telefonema?

Outra peça importante neste xadrez é o centrão, que não gosta de agitação ideológica, preferindo sempre o silêncio dos esquemas discretos. Mas também não quer um presidente que atrapalhe os negócios, que faça coalizão com o judiciário para prejudicar os interesses corporativos dos parlamentares. Por motivos diferentes, o centrão não quer nem Bolsonaro e nem Lula. O centrão quer Tarcísio, mas para isso será necessário ignorar sua retórica eleitoral e confiar nas promessas feitas aos sussurros, no pezinho do ouvido, contando que num possível governo ele terá voo próprio. A saída do Partido Progressista e do União Brasil do governo Lula indica que o centrão está disposto a fazer essa aposta.

Tarcísio conseguirá equilibrar os pratos e agradar, ao mesmo tempo, os disruptivos e a classe política tradicional?

Rodrigo Perez Oliveira é historiado e professor de teoria da história na Universidade Federal da Bahia

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