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Ivanir Corgosinho: O que está acontecendo com as pesquisas eleitorais?

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Nos últimos dias, os resultados das pesquisas eleitorais realizadas por diferentes institutos têm apresentado discrepâncias tão grandes que, mais uma vez, vem à baila o debate sobre a sua confiabilidade. Particularmente polêmico foi o resultado apresentado pela pesquisa da Quaest Pesquisa e Consultoria, divulgada na quarta-feira (14/09), que derrubou a diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL) para apenas oito pontos percentuais, quando a pesquisa do Ipec divulgada na segunda-feira (12/09) apontava a vantagem de Lula de 15 pontos percentuais e o Datafolha, divulgado em 9 de setembro, registrava 11 pontos de vantagem para o ex-presidente.

Depois das polêmicas iniciais, descobriu-se que o principal fator na determinação das diferenças nos resultados era a cota de renda familiar empregada na amostra para realização das entrevistas. Especialmente gritante pareceu a discrepância na cota utilizada pelos diferentes institutos para a população que percebe na faixa de até dois salários mínimos, onde Lula tem maioria folgada. Essa discrepância enviesaria os resultados?

Este artigo não pretende exaurir esta questão. Minha intenção é somente esclarecer o leitor sobre como as pesquisas são feitas e, com isso, ajuda-lo a compreendê-las. Esse me parece um exercício relevante dado que as pesquisas parecem ter entrado, enfim, no cardápio normal de nossos processos eleitorais e temos sido inundados por diversas delas, com diferentes metodologias e abordagens.

No caso da polêmica sobre a cota de renda, vamos recapitular lembrando que os institutos não entrevistam cada brasileiro ou brasileira para apurar suas opiniões. Eles trabalham com a chamada “amostra”, ou seja, um determinado número de pessoas que, por sua composição, pode ser considerado como um retrato fiel da população de conjunto. Por exemplo, sabemos com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, também, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que as mulheres formam a maioria da população e dos eleitores. A proporção é de 53% para elas e de 47% para eles. Uma amostra honesta, dessa forma, será formada por uma cota de 53% de mulheres a serem entrevistadas e uma cota de 47% de homens.

O mesmo recorte é aplicado para variáveis como as faixas de idade, as chamadas “raças” e os níveis de escolaridade em cotas proporcionais aos quantitativos de brasileiros e brasileiras enquadrados na diferentes faixas de idade, raças e níveis de escolaridade conforme fonte oficial.

A definição da renda, porém, é uma tarefa bem mais complicada e os institutos gozam de um amplo grau de liberdade na adoção dos critérios e metodologias que utilizarão nas entrevistas.

Complicado por que?

Em primeiro lugar, porque as pessoas tendem a mentir sobre a sua renda. Se ganham muito, são propensas a declarar um valor menor e, ao contrário, quando ganham pouco, tendem a informar um valor maior. Portanto, ao confiar no entrevistado, o instituto pode ser induzido a erro já que a renda estaria mal apurada.

Em segundo lugar, alguns analistas sustentam que não temos, hoje, no país uma fonte confiável para estimar os níveis de renda da população em decorrência do atraso no Censo que estava previsto para 2020, mas só agora está em andamento. Com isso, como afirmado, os institutos ganham ampla liberdade para a definição dos parâmetros provocando uma grande variação nos quantitativos empregados na amostra.

Há quem, ao contrário, entenda que, na falta do Censo, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) podem ancorar as pesquisas de forma satisfatória. É,por exemplo, o afirma o professor Jorge Alexandre Neves, do Departamento de Sociologia da UFMG e, como veremos, é o que faz a Quaest.

A ausência de fontes oficiais é agravada pelas mudanças repentinas nos ganhos dos brasileiros e brasileiras, especialmente no período da pandemia de Covid-19, quando o governo pagou benefícios sociais de modo intermitente a uma parcela da população. Dados do Datafolha indicam que o quantitativo de pessoas com renda familiar até dois salários mínimos tenha passado de 48% para 60% da população ao final de 2020, quando o pagamento do Auxílio Emergencial foi suspenso.

O benefício foi retomado (em valor menor) em meados de 2021 e novamente reajustado para cima no final do ano, quando passou de R$ 400 para R$ 600. Atualmente, o Datafolha considera que os brasileiros com até dois salários mínimos de renda familiar correspondem a 51% da população, patamar que serve âncora para as pesquisas eleitorais daquele instituto.

Finalmente, argumenta-se que o critério de renda também pode ser enviesado pela dificuldade de acesso ao entrevistado. Essa dificuldade é mas comum nas pesquisas domiciliares e nas faixas de renda mais elevadas já que o entrevistador tende a ser barrado nos edifícios e condomínios de luxo. Na prática, quanto mais rico for o potencial entrevistado, mais difícil será o acesso a ele. Este problema pode resultar numa subestimação dos resultados para as faixas de renda mais altas, como alerta o cientista político e Sócio-fundador da Quaest Pesquisa e Consultoria, Felipe Nunes.

Entretanto, o problema do acesso também pode estar relacionado às pessoas de renda mais baixa, como no caso da restrição de acesso a territórios de menor renda e sob controle do crime organizado. Além disso, no caso das pesquisas por telefone, o eleitor de mais baixa renda está menos disponível para atender ligações, o que também pode gerar enviezar o resultado.

Frente a todas essas dificuldades, naturalmente, as empresas adotam várias providências para garantir a qualidade da amostra.

Por exemplo, para minimizar o problema da mentira e da subestimação ou superestimação da renda, os institutos adotam faixas muito amplas que evitam a necessidade da exatidão. Ou seja, o perguntado deve escolher entre intervalos largos e que ficam ainda mais espaçosos à medida que se sobe o sarrafo: até 2 salários, de 2 a 5 salários, de 5 a 10, mais de 10 salários, etc. Acredita-se que este procedimento diminua consideravelmente as chances de erro.

Outra forma de testar a qualidade da amostra é fazer o cruzamento com outros dados conhecidos. Por exemplo, sabe-se que existe uma forte correção entre renda, raça, escolaridade e o sexo. Assim, é possível algum nível de controle das respostas sobre a faixa de renda com base nestas últimas variáveis, como faz o Datafolha.

Finalmente, na ausência dos dados do Censo há, como já mencionado, a hipótese de utilização de outras fontes de dados, como a Pnad.

Depois de todas essas considerações, não é de se surpreender que as discrepâncias na definição das cotas de renda possam ser muito acentuadas.

Com efeito, para o Datafolha o percentual da população com renda familiar entre zero e dois salários mínimos deve corresponder a 51% da amostra. Para o IPESPE, este percentual é de 48%. No IPEC, ele fica entre a 55% e 57% dos entrevistados. Já a Quaest, com base na Pnad, trabalha com o número de 38% para esse segmento de renda. Importante notar que, exceto no caso da Quaest, o percentual nunca é fixo e pode sofrer pequenas variações de levantamento para levantamento do mesmo instituto.

Obviamente, essas diferenças têm grande repercussão sobre os resultados já que definem o perfil da amostra. Uma pesquisa que ouve um número menor de pessoas localizadas na base da pirâmide dos rendimentos e uma quantidade maior de pessoas situadas nos extratos mais elevados terá, fatalmente, resultados diferentes de outra que opera no sentido inverso.

Dentre outras, esta é a principal razão da dissonância entre os institutos nas pesquidas mais recentes. Como Lula tem recebido um apoio bem maior entre os mais pobres, a menor participação deste segmento no levantamento da Quaest, vis a vis os outros institutos, determinaria uma redução de sua vantagem sobre Bolsonaro.

Reconhecer esta condição das pesquisas eleitorais atualmente não significa assumir que estejamos ante algum prolema que precisaria ser resolvido em nome da credibilidade dos institutos. Estamos, isto sim, diante de escolhas metodológicas que acarretam, cada uma delas, consequências particulares.

Como observou Antonio Lavareda, sociólogo e presidente do Conselho Científico do IPESPE, se a Quaest estiver certa, o segmento de mais baixa renda estará super-representado nas pesquisas dos outros institutos. O DataFolha, por exemplo, terá inflacionado esse público em mais de 20 milhões de eleitores. Por lado, se a Quaest estiver errada, pelo menos 20 milhões de eleitores mais pobres terão sido negligenciados em benefício das faixas de renda mais elevadas.

Seja como for, as diferenças de método tornam inútil comparar as pesquisas. Apenas as urnas, em outubro, poderão dizer qual ou quais institutos mostraram-se mais sensíveis à dinâmica da realidade e da disputa política.

Reitero aqui o que escrevi em outro artigo sobre pesquisas. A) Ela são uma fotografia do momento, e não uma predição de resultado, como já advertiram inúmeros especialistas. Cada retrato, ou seja, cada pesquisa, depende da movimentação dos atores envolvidos (em especial os candidatos e seus suportes) e o resultado pode mudar significativamente entre a aplicação do questionário e o dia da votação — até porque boa parte do eleitorado apenas decide seu voto às vésperas da eleição. Portanto, os resultados de uma, ou de uma série de pesquisas realizadas por vários institutos no mesmo intervalo de tempo, não justificam nem a euforia nem o arrefecer dos ânimos; B) Mais importante que as fotografias do momento é o filme que capta as tendências apontadas nas séries históricas dos institutos. Quanto mais longa a série e mais frequentes e sistemáticos os levantamentos, com a possibilidade da análise comparada dos resultados alcançados pelos diversos institutos, mais útil será a pesquisa para uma correta interpretação das disposições e humores da opinião pública, ou seja, das chamadas tendências eleitorais.

O fundamental para a credibilidade dos institutos é que seu trabalho possa passar pelo escrutínio público e que haja suficiente transparência sobre sua escolhas, permitindo a replicação do experimento com a comparação dos resultados.

Nesse caso, os resultados da Quaest não devem inspirar grandes preocupações em nós, petistas. Conforme relata o jornal Estado de Minas, o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan, testou os resultados deste instituto aplicando a sua distribuição dos grupos de renda ao levantamento do Ipec e vice-versa, chegando a resultados equiparáveis. “Quando se aplica a distribuição de renda do Ipec nos dados coletados pela Quaest, Lula aparece com 45% de intenção de voto (em vez de 42%) e Bolsonaro com 32% (em vez de 34%). A diferença entre ambos então sobe de oito para treze pontos nessa simulação, se aproximando da vantagem de quinze pontos medida pelo Ipec”, registra o jornal.

Por outro lado, quando se aplica a distribuição de renda da Quaest nos dados coletados pelo Ipec, Lula cai para 43% (em vez de 46%) e Bolsonaro vai a 35% (em vez de 31%), reduzindo a diferença de quinze para oito pontos (a mesma medida pela Quaest).

Antonio Lavareda registrou em sua conta no Twitter que realizou uma simulação semelhante e chegou a esse mesmo resultado: as pesquisas se tornam equivalentes quando usam a mesma cota de renda.

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

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