A disputa do PT Minas não é apenas em torno dos nomes que irão comandar nosso Partido nos próximos anos. Não é uma disputa de Dandara (que eu espero que possa estar na cédula do PED) e Leninha. É de concepção política de como derrotar a extrema direita, que é uma ameaça dramática nas eleições de 2026, e em torno do projeto de reconstrução organizativa de nosso Partido. Nossa concepção política e organizativa de foi muito bem sintetizada pela companheira Camila Moreno numa publicação de Marília no Instagram: “Marília é muito admirável. Sua dedicação, força e inspiração na construção de um PT capaz de ganhar eleições, disputar maiorias e superar a bolha, a burocracia e o sectarismo! Vamos com Dandara!”. É a vitória desta concepção que fará do PT Minas um ator importante em nosso Estado e no Brasil nas eleições de 2026.
Se vencer o PT restrito a bolhas, burocrático e sectário, ficaremos sem interlocução política e, provavelmente, vamos repetir o que aconteceu em Belo Horizonte, não seremos nem bons coadjuvantes dos partidos de centro, cuja chapa para o governo do Estado, esperamos, seja encabelada pelo senador Rodrigo Pacheco. Numa situação desta, corremos o risco de ficar sem nomes expressivos para a chapa majoritária, pois nenhuma liderança importante, de nenhuma das correntes, vai aceitar ir “para o sacrifício” como aconteceu na eleição para o governo do Estado em 2022. Hoje, tem muita marcação de posição sobre nomes para a chapa majoritária, lista-se quatro a cinco nomes do PT; alguns blefadores “pela esquerda” demarcam até com os partidos de centro e afirmam que podemos até liderar a chapa majoritária no Estado; mas sem uma concepção adequada de construção da estratégia de 2026, não sobrará nenhuma liderança expressiva para representar o PT em qualquer um dos quatro cargos em disputa. Pelo que vejo hoje só temos um nome expressivo que cogita uma vaga majoritária, que não aceitará também dependendo de que concepção de partido for vencedora no PED. A ver.
Em Contagem, nossa concepção expressa, especialmente, pela liderança da Marília e pela Tribo do deputado Miguel Ângelo, de forma flexível, adotou posições nos PEDs de Contagem, Minas e Brasil que consideramos as melhores para o nosso Partido. Em Contagem, nosso candidato a presidente é Adriano Boneco, da Tribo, em Minas Gerais é Dandara, da Resistência Socialista, e, no Brasil, é Edinho Silva, da CNB. Abordamos neste texto duas questões cruciais para o PT: a estratégia política de enfrentamento da extrema direita e a reconstrução política e organizativa do PT.
As duas concepções do PT mineiro estiveram, com algumas particularidades, presentes nas disputas das eleições municipais de Contagem e de Belo Horizonte. Em Contagem adotamos uma política fortemente afirmativa e falamos da “esperança de futuro”; constituímos uma Frente Ampla combativa com 16 partidos, que isolou o PL e o Partido Novo; aprovamos uma plataforma de governo democrática e popular; defendemos corajosamente a “Contagem da diversidade” e a “cultura, esporte e lazer de graça” e esvaziamos a “guerra cultural” da extrema direita; fizemos uma belíssima campanha de rua com 53 caminhadas, carreatas e bandeiraços; nossa campanha de rua “explodiu” nas redes sociais, com 76 milhões de visualizações de vídeos e 5 milhões de engajamentos nas publicações; tivemos recursos expressivos do PT nacional do Fundo Eleitoral; não negamos nossos simbolismos e mantivemos as cores avermelhadas na marca de nossa candidatura. E obtivemos com esta linha de campanha uma vitória consagradora. Marília fez história em Contagem; ela é tetra, sendo eleita pela quarta vez para prefeita de Contagem; ela venceu no primeiro turno com 60,68% dos votos; Marília venceu nas oito regiões de Contagem, inclusive nas regiões Nacional e Ressaca; venceu em 64 dos 66 bairros; venceu entre os vizinhos dela, que votaram no Colégio Helena Guerra no bairro Eldorado; ela foi a prefeita mulher mais votada do Brasil no primeiro turno. E, poucos meses após a eleição, Marília atingiu a incrível marca de 81% de aprovação popular.
O campo político do PT com o qual disputamos o Processo de Eleição Direta – PED apostou todas as fichas na eleição para a Prefeitura de Belo Horizonte. Com uma candidatura mais ideológica e polarizadora, liderada pelo deputado Rogério Correia, um puxador de votos na eleição para a Câmara Federal, mas com pequena capacidade de ampliação político eleitoral, o PT não conseguiu convencer sequer os partidos de esquerda, que lançaram candidaturas próprias ou migraram para a candidatura de Fuad Noman e, assim como em Contagem, não faltaram recursos financeiros do PT Nacional para uma campanha de massas. A campanha foi duríssima com pouca mobilização de rua; Lula, convidado diversas vezes, não apareceu na campanha; e os resultados eleitorais foram dramáticos. Numa cidade onde aproximadamente 20% da população é simpatizante do PT, nosso candidato obteve 55.393 votos, ou 4,37% do total, um pouco mais da votação que ele teve na eleição de deputado federal em 2022: 36.554 votos (2,67% do total). Ou seja, nossa candidatura a prefeito em Belo Horizonte não “furou” a bolha da direita e passou longe de liderar a “bolha” petista de 20% do eleitorado.(…) O nosso desempenho em Belo Horizonte foi tão dramático que, no segundo turno, quem foi convocado para representar o eleitorado progressista nos programas de TV e nas redes sociais da candidatura Fuad Noman foi a prefeita eleita de Contagem no primeiro turno, Marília Campos.
Nossa estratégia vitoriosa de Contagem foi taxada de “asneira” pelo nosso candidato a prefeito de Belo Horizonte. Inacreditável! Em países europeus, onde existe uma grande sensibilidade política dos partidos às preferências do eleitorado, quando acabam as eleições, os representantes dos partidos vencedores dão entrevistas comemorando as vitórias no processo eleitoral; os candidatos derrotados avaliam a derrota, renunciam aos cargos nos partidos e abrem espaços para que novas lideranças assumam os partidos. No Brasil, quase sempre, os candidatos derrotados responsabilizam as minorias partidárias pelas derrotas e dobram a aposta nas estratégias derrotadas. Todos sabemos que nossa estratégia de Contagem foi baseada na depolarização política, na Frente Ampla combativa e numa campanha amplamente afirmativa. O companheiro Rogério Correia conhece a nossa história e, numa entrevista ao site “Diário do Centro do Mundo”, afirmou que a despolarização é uma “asneira”. Disse ele: “Eu acho que o partido está agora discutindo as suas eleições internas e precisa ter esta gana de crescer com idelogicamente firme; eu estou com Rui Falcão não é atoa. Eu acho que esta conversa de “o PT precisa ir para o centro”; o “PT precisa parar de polarizar com a extrema direita”; eu acho isto uma asneira. É entregar para o bandido o ouro. Não é característica nossa. Nós temos, com toda a amplitude necessária, firmar a nossa posição ideológica, disputar o nosso programa e melhorar a vida do povo”.(…) Nossa estratégia vitoriosa de Contagem foi chamada de asneira, que é o “ato ou dito tolo ou impensado; bobagem, dislate, tolice”. Inacreditável!
Mas a vida é assim mesmo, temos “grandes alegrias”, mas também “grandes tristezas”. Tivemos algumas alegrias nos últimos meses. Veja só: Marília, por questões de saúde na família, não pode comparecer ao Encontro com Lula e Rodrigo Pacheco, no Ceasa em Contagem. Ela ficou muito preocupada se o não comparecimento poderia gerar algum ruído político e interpretação errônea sobre a relação política dela com Lula. Eu, José Prata, temeroso dos ruídos políticos, também não queria comparecer ao Encontro e ela me convenceu que eu não podia faltar. Compareci no encontro, e Marília ficou ansiosa com minha volta para casa para ver como a ausência dela foi interpretada politicamente. Quando cheguei em casa, relatei para ela, aos prantos, a deferência do senador Rodrigo Pacheco com ela no Encontro. Rodrigo falou de uma pesquisa de opinião que Marília remeteu para ele, que mostrava uma aprovação popular de 80% da população e ele conclui: “Marília Campos é uma das maiores lideranças políticas do Brasil”. Surpreendentemente, Marília ficou triste com o meu relato. Perguntei para ela porque a tristeza com tamanha deferência do senador. Ela me respondeu: “Fico triste porque não tenho este reconhecimento de muitos do meu Partido, o PT”. Olhando no rosto da minha companheira vi um sentimento que nunca vi antes: “a alegria que gera uma enorme tristeza”. Marília fica triste com o PT não é só pela falta de reconhecimento de muitos setores da liderança dela; é porque, mais que falta de reconhecimento, alguns segmentos do PT são os mais hostis e irresponsáveis com a governabilidade dela na cidade.
Mas tenho outras alegrias recentes que eu gostaria de relatar. Uma das maiores alegrias que, eu e Marília, tivemos nos nossos quase 50 anos de militância política veio de uma fala do jovem deputado petista, Miguel Ângelo, numa reunião do PT Contagem. Ele, falando sobre a vitória do nosso Partido com a eleição de Marília e de novas lideranças para a Câmara Municipal, afirmou que temos ainda um acúmulo para continuar o legado de Marília Campos, mas concluiu de forma maravilhosa: “Não terá o pós Marília, será sempre com Marília”. Emocionante! Marília se sentiu acolhida, a frase representou um forte compromisso político e humanista com o legado histórico de uma mulher, que depois de quase meio século, não envelhece politicamente e é capaz de liderar uma vitória maravilhosa como tivemos em Contagem. Eu diria mesmo, que a interpretação de Miguel, que interpreta a alma de uma grande liderança, poderá fazer história no Partido dos Trabalhadores. Alguém tem que dizer isso de Lula: “Não terá o pós Lula, será sempre com Lula”. Grandes lideranças serão sempre uma referência, enquanto viverem. Eu complemento o Miguel Ângelo: grandes lideranças devem ser reverenciadas mesmo depois que morrerem, pois é em torno do legado histórico de grandes lideranças que um povo se organiza e mantém viva a luta pela transformação social da sociedade.
Destaco também outra grande alegria que foi a presença de Luiz Dulci, uma das poucas lideranças do PT Minas que estiveram presentes na convenção que aprovou a candidatura de Marília para a disputa da Prefeitura, no Shopping do Avião, em Contagem. Na minha fala, eu disse da enorme aprovação popular da Marília e afirmei que “era difícil não gostar da Marília”. Dulci contestou a minha fala e afirmou: “Não é difícil gostar da Marília, é impossível”. Dulci, também, interpretou a alma da Marília: o amor sem limites dela pelas pessoas. Impressionante: Marília não se conforma com os 80% de aprovação popular. Ela, na primeira reação do resultado da eleição, ficou meio deprimida porque, tendo 80% de aprovação popular, teve 60% dos votos. Argumentei com ela que despolarização não seria abrupta, mas gradual. Marília acalmou a alma, quando na primeira pesquisa pós eleição, ela avaliava que teria no máximo 70% de aprovação, e veio com 81% de aprovação popular. E o mais impressionante: os entrevistados, perguntados em quem votaram na eleição, 80% disseram que votaram na Marília e 20% no adversário dela. É como se 20% dos eleitores, 60 mil pessoas, “deletassem” na mente delas o voto dado na eleição e voltassem de novo para o lado da Marília. Se não gostar da Marília é “impossível” é como 60 mil pessoas desgostassem dela por instantes nas urnas votando na extrema direita e logo após fossem contaminados de novo pelo amor da Marília. E veja só: Marília, com seu amor sem limites, não se conforma com a aprovação de 80% da população; cada vez que ela traz um extremista de direita para o lado dela ela registra, de forma emocionada, nas redes sociais este novo amor que ela conquistou, como recentemente no bairro Tupã, quando uma senhora se disse radicalmente bolsonarista, mas que não resistiu ao amor da Marília. Sempre tento acalmar a alma da Marília dizendo para ela que “nem Cristo agradou todo mundo”, mas isso não dialoga “com o amor sem limites dela”.
Registro, entre alegrias e tristezas, o meu enorme desconforto em estar em lados opostos no PED do PT Minas com os grandes interlocutores históricos do petismo de Contagem: Luiz Dulci, Patrus Ananias, Juarez Guimarães. Dulci, o intelectual que compreende o “amor sem limites da Marília”, que foi sempre um grande interlocutor no PT e no governo Lula (que falta que ele faz lá atualmente!). Patrus Ananias, um de nossas maiores referências políticas e éticas na esquerda, que muitas vezes mereceu o voto de nossa família, como nas últimas eleições de 2022. Juarez Guimarães, um socialista romântico e generoso, que em diálogo comigo pelo ZAP, recentemente, me falou que toda vez que ele redige um texto político ele sempre pensa no nosso governo de Contagem em resgatar, aquilo que para ele é muito caro: a “esperança de futuro de nosso povo”. E não posso deixar de falar de um dos maiores amigos e interlocutores do petismo de Contagem, o saudoso Sérgio Miranda, do PCdoB. Para quem não sabe, fui eu, com meus livros, textos e conversas que formei o Sérgio na temática da previdência social, que o transformou num dos maiores especialistas em previdência na Câmara dos deputados. Ele, era da “nossa cozinha” e sempre lamentava porque tanta gente no PT não valorizava a nossa concepção e trajetória, que o fascinava. Rompemos o centralismo do PT e votamos nele para deputado em 1998.
Parafraseando Miguel Ângelo, eu afirmo: “Não terá o pós Lula, será sempre com Lula”. Eu desespero com um diagnóstico, quase consensual no PT, de que, no que chamam de “pós Lula”, o PT vai passar por um processo de enorme fragmentação como o peronismo na Argentina. Sejamos claros: estamos juntos no PT de Lula, o maior líder popular da história brasileira, apenas em torno do homem ou, sobretudo, das ideias dele que o tornaram tão especial na história brasileira? Somos fruto de uma tradição pluralista ou somos apenas um ajuntamento pragmático para tirar partido e poder da liderança de nosso companheiro Lula? Por isso, parafraseando o deputado Miguel Ângelo, eu afirmo: “Não terá o pós Lula, será sempre com Lula”. Enquanto ele viver, estando ou não na presidência da República, será sempre uma referência nossa na ação política. Grandes líderes, como se diz, só parecem a cada 100 anos; o povo sabe disso. Quando eles aparecem, raramente como Lula, as pessoas querem ficar perto, querem abraçar, não querem se desgrudar delas. Não é fácil substituir ganhes líderes, como Lula. Veja o caso de Pepe Mujica, que no finalzinho da vida, conseguiu que seu candidato ganhasse as eleições presidenciais do Uruguai. Mujica, em vida, sempre dizia que a grande vitória de um líder político é passar o bastão para líderes políticos ainda melhores que ele. Claro que o sonho de Mujica é irrealizável. Esta é uma das razões porque o mundo é feito de avanços e retrocessos. Grandes líderes políticos mudam o mundo, mas seus sucessores, quase sempre, são limitados e, muitos vezes, são líderes medíocres, que não conseguem evitar grandes retrocessos. Provavelmente é esta a angustia dos grandes líderes: o mundo em transformação que eles lideraram, eles devem imaginar, de forma angustiada, os retrocessos que acontecerão depois que eles encerram a carreira política e depois que eles morrem.
Em 2019, no auge da perseguição a Lula, fiz para o Mandato da então deputada Marília Campos um pequeno livreto com coletâneas de artigos sobre o “sentido” da liderança de nosso presidente. Fiz uma enorme pesquisa sobre o tema praticamente não encontrei nenhum artigo que me interessou de intelectuais petistas, quase todos os artigos que publicamos foram de intelectuais progressistas, mas sem filiação partidária. E isto me deixa pessimista com o futuro do PT: não temos uma tradição teórica consolidada do “sentido” da liderança de Lula, para que defendamos com vigor o seu legado; daí porque pressinto que grande parte do petismo não dará continuidade do legado de Lula; nossa unidade é muito em torno do líder, não de suas ideias que ele representa e de seu legado. Tomara que eu esteja errado. Veja algumas passagens de artigos que publiquei no caderno denominado: “Lula representa a primeira grande – e talvez única saga de nossa população”.
Maria Rita Kehl: “O crime de Lula foi abalar o conformismo frente à desigualdade”: Escreveu a autora: “Os que condenam o presidente Lula sabem muito bem que ele não é corrupto. O crime imperdoável que ele cometeu foi abalar de uma vez por todas o conformismo da sociedade brasileira frente à miséria, à desigualdade, às injustiças sociais. Seus oito anos de governo não foram suficientes para erradicar essas três doenças sociais com as quais o povo brasileiro tinha se acostumado a conviver, quase conformado. Mas evidenciaram a falta de vontade política, a falta de coragem e de senso de justiça social características de todos os governos anteriores. Os que condenam o presidente Lula não perdoam a maré de esperança e de engajamento, mobilizada durante seus dois mandatos. A condenação injusta do presidente Lula nos confronta com a mais grave forma de miséria que vitima a sociedade brasileira: a miséria da falta de sensibilidade, de solidariedade e de generosidade das nossas elites.(…) Mas mais que “abalar o conformismo” com a miséria (a resignação de que somos pobres porque “Deus quer”), Lula cometeu o “crime” de construir uma base social para um projeto de governo, um feito político extraordinário nas palavras do historiador Luís Felipe de Alencastro: “Lula transformou a maioria social em maioria política”.
Walquiria Leão Rego: Lula, com o Bolsa Família, deu início a superação da cultura da resignação. Disse a autora: “A cultura da resignação foi muito estudada e é tema da literatura: Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego. Ela tem componente religioso: ‘Deus quis assim’. E mescla elementos culturais: a espera da chuva, as promessas. Essa cultura da resignação foi rompida pelo Bolsa Família: a vida pode ser diferente, não é uma repetição. É a hipótese que eu levanto. Aparece uma coisa nova: é possível e é bom ter uma renda regular. É possível ter outra vida, não preciso ver meus filhos morrerem de fome, como minha mãe e minha vó viam. Esse sentimento de que o Brasil está vivendo uma coisa nova é muito real. Hoje se encontram negras médicas, dentistas, por causa do ProUni (Universidade para Todos). Depois de dez anos, o Bolsa Família tem mostrado que é possível melhorar de vida, aprender coisas novas. Não tem mais o ‘Fabiano’ [personagem de “Vidas Secas”], a vida não é tão seca mais”.
Cândido Mendes: Lula representa a primeira – e talvez única – saga de nossa população. Disse Cândido Mendes: “Enganam-se os que querem atribuir este sucesso a um carisma do presidente. O impacto de Lula nada tem a ver com uma adesão irracional ou, com a delegação irrestrita de mando a um Messias ou a um enviado, como protagonizou o país, por exemplo, na eleição de Collor. Trata-se de um fenômeno de um inconsciente coletivo que alguns tolos confundem com um irracional. O segredo de Lula está nesse olho no olho da sua gente e na capacidade sempre de se o reconhecer tal como chegou ao Planalto na primeira grande – e talvez única – saga da nossa população.(…) Cândido Mendes diz que Lula é um líder carismático, é companheiro do povo: “Lula fica na história por ter sido o presidente da mudança e da consciência da mudança, que não pode jamais ser exprimida pelo Brasil oficial. Quem mudou, sabe disso. E Lula conseguiu se identificar com isso de uma maneira extraordinária. Não há nada de carismático em Lula. Ele é a expressão de uma identidade ligada à condição de mudança. É o companheiro, não é o líder. Isso precisa ficar muito claro. Ele é o cidadão da prodigalização do espetáculo e desse absoluto companheirismo. Nesse sentido se vê a distinção de um personagem carismático. O carismático é um líder, ele assume a expectativa, não dá mais conta dela e vai em frente. A política de Lula é o contrário do populismo”.(…) Na crise de 2005, Cândido Mendes disse que direita e esquerda subestimaram a liderança de Lula porque ela transbordava as representações clássicas: “O Brasil de salão continua a considerar os vaticínios sobre a opinião pública como seu animal de estimação. Só que não internalizamos a profunda diferença, hoje, de apoio do dito povo ao presidente. Foi todo um novo inconsciente coletivo que chegou ao poder, atarantado até pelo seu êxito, no espetáculo da tomada de posse no Planalto em 2003. Esse sentimento, ao mesmo tempo pletórico e irredutível, continua sob o fascínio presidencial e se remunera pela enorme e única carga simbólica da chegada lá. Por mais que o velho moralismo se alevante e volte à água de barrela das comissões de inquérito, um próximo pleito será visto por esse Brasil de fundo como as tentativas de desmonte e de forra do país apeado do poder nas últimas eleições. Tal como essa contabilidade de classes e seus votos das previsões políticas tradicionais não põem a nu todo o peso real de voto para o novo pleito. Isso porque, após o acesso simbólico dos excluídos ao poder, deparamos o quanto a consciência desse fato desbarata os jogos do situacionismo e oposicionismo tradicionais. Um vetor novo da coisa pública rompe a ronda da representação de interesses só compatíveis com o país oligárquico. A avalanche de Lula – essa que mantém íntegra a sua base e reeleição – nasceu da percepção da vitória diferente e se nutre dessa primeira fruição, independentemente dos resultados do governo. Não funciona a lógica das predições da queda da legitimação tradicional, para a do desgarre da base social de um governo, nessas condições tão específicas de acesso de Lula à Presidência. O país de agora não incorporou, ainda, a expectativa e a paciência do voto nascido desse inconsciente coletivo que transborda das representações clássicas ou de suas crises de legitimidade. O que lhe importa é a identificação primária com o presidente no Planalto, e que lá está por sua vontade”.
Wanderley Guilherme dos Santos: Lula não é propaganda partidária, é um fenômeno sociológico; ele é o intérprete dos desassistidos. Wanderley Guilherme é outro intelectual que compreendeu profundamente o fenômeno Lula. Ele disse, certa vez, que era Lula, e não Getúlio, era o verdadeiro “pai dos pobres” porque enquanto Getúlio levou direitos trabalhistas e previdenciários para os trabalhadores formais, foi Lula e Dilma que popularizaram o Estado Social no Brasil, com o Bolsa Família, com os aumentos reais do salário mínimo, com as cotas que mudaram a cara da universidade brasileira, com o SUS sendo levado para os rincões do País com o Mais Médicos, com o Luz para Todos, com moradias para os pobres com o Minha Casa, Minha Vida, dentre muitos outros programas para o povo. Em um artigo, Wanderley disse que destruir Lula seria silenciar a voz dos pobres e dos oprimidos: “O ex-presidente é um dos mais importantes recursos políticos dos miseráveis deste País, líder de governos capazes de provocar justamente esse ódio amparado em toga. Destrui-lo, seria uma derrota imensurável para os pobres e humilhados; destruí-lo injustamente, aproveitando os privilégios de classe e corporação, é inaceitável”. Wanderley fez um prognóstico, no auge da Lava Jato, impressionante: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é indestrutível. A direita e a esquerda de nariz torcido evitam reconhecer que a indestrutibilidade de Lula não é propaganda partidária, mas fenômeno sociológico”. E Wanderley previu um triste fim para os falsos moralistas da Operação Lava Jato: “Lula, o intérprete dos desassistidos, entrará pra a história; já os reacionários não terão memória, não terão registro; serão abolidos”.
Aldo Fornazieri: Vargas e Lula são os dois líderes nacionais que mais imprimiram um sentido ético à nação, no sentido de tentar unificá-la em torno do propósito de uma sociedade justa e do bem estar coletivo. Escreveu Fornazieri: “Costuma-se dizer que o povo brasileiro não tem heróis no sentido nacional, popular e político do termo. Há uma boa dose de verdade nisso. A singularidade da nossa desditosa história, a indigência da nossa formação política e cultural, a carência de movimentos nacionais e populares na nossa formação, fraqueza das nossas virtudes coletivas e as dos nossos líderes e, principalmente, a violência recorrente das elites e do Estado contra os movimentos e líderes que lutaram por direitos e bem estar coletivo constituem causas dessa carência de heróis. Em que pese tudo isto, existem, contudo, em nossa história, dois líderes que se aproximam da ideia de herói no sentido nacional, popular e político do termo. Trata-se de Getúlio Vargas e de Lula. Claro que quando se fala de Lula há algo de problemático na medida em que nunca é possível dizer algo definitivo de quem está vivo. Mas, com essa ressalva, cabe reconhecer que Vargas e Lula são os dois líderes nacionais que mais imprimiram um sentido ético à nação, no sentido de tentar unificá-la em torno do propósito de uma sociedade justa e do bem estar coletivo. O termo “ética” aqui é empregado no seu senso aristotélico, vinculado aos fins públicos comuns do bem estar e da justiça. Dito isto cabe observar que tanto Vargas, quando vivo e mesmo que morto, e Lula em vida, sofrem uma perseguição tenaz por parte de setores das elites. Ao querer se destruir sua representação simbólica quer-se destruir a sua expressão enquanto referencial do sentido ético do Brasil e de seu povo. Quer-se destruir aquela energia simbólica que pode ser fonte de emanação de lutas e mobilizações, no presente e no futuro, por mais direitos e justiça. Quer se destruir o sentido orientador da ideia de igualdade na construção de uma sociedade mais justa e digna. A destruição de Vargas e de Lula é a destruição de uma reserva de combate, por mais contradições e paradoxos que ambos representem. O fato é que as elites brasileiras sequer suportam a presença e a simbologia de figuras como Vargas e Lula mesmo que em seus governos partes das elites tenham sido beneficiadas”.
Lula, em discurso em São Bernardo, depois de sair da prisão: a dor que eu sinto não é nada, diante da dor que sofre milhões e milhões de pessoas. Este discurso de Lula é uma síntese do presidente que, pela primeira vez na história brasileira, colocou a igualdade social no centro da agenda nacional: “Então, se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas mágoas, sou eu. Mas não tenho. Sinceramente, eu não tenho porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando, o sofrimento que as pessoas pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim. É maior do que cada dor que eu sentia quando estava preso na Polícia Federal. (…) Porque não tem dor maior para um homem e mulher em qualquer país do mundo do que levantar de manhã, e não ter a certeza de um café e um pãozinho com manteiga pra tomar. Não tem dor maior para um ser humano do que ele chegar na hora do almoço, e não ter um prato de feijão com farinha para dar pro seu filho. Não tem nada pior do que o cidadão saber que ele está desempregado, e que, no final do mês, ele não vai ter o salário para sustentar a sua família. (…) É essa dor que a sociedade brasileira está sentindo agora que me faz dizer pra vocês: a dor que eu sinto não é nada, diante da dor que sofre milhões e milhões de pessoas. (…) É muito menor que a dor que sofrem quase 270 mil pessoas que viram seus entes queridos morrerem. Seus pais, seus avós, sua mãe, sua mulher, seu marido, seu filho, seu neto, e sequer puderam se despedir dessa gente na hora que nós sempre consideramos sagrada: a última visita e o último olhar na cara das pessoas que a gente ama. (…) E muito mais gente está sofrendo. E por isso eu quero prestar a minha solidariedade às vítimas do coronavírus. Aos familiares das vítimas do coronavírus. Ao pessoal da área da saúde, sobretudo. De toda a saúde, privada e pública”.
O PT só será reconstruído se compreender as particularidades de nosso sistema político e o perfil adequado da representação proporcional (vereadores, deputados estaduais e federais) e das representações majoritárias (prefeitos, senadores, governadores e presidente). A prefeita Marília Campos, em entrevista no processo eleitoral, discordou da tática eleitoral de Belo Horizonte afirmando que nossa candidatura, mesmo sendo de um puxador de votos nas disputas proporcionais, não tinha “perfil” para uma disputa majoritária para a Prefeitura de Belo Horizonte. A constatação, que nos parece óbvia, causou enorme irritação em segmentos do PT Minas que bancaram a candidatura. Marília tem toda a razão: sem compreender isso continuaremos cometendo erros primários nas disputas políticas. O PT teria uma atitude madura e de sabedoria se compreendesse que representantes proporcionais e majoritários implicam sim em perfis diferentes; lideranças proporcionais são eleitos nas suas bolhas “progressistas” ou de “direita”, já as lideranças majoritárias precisam ter um perfil mais amplo, precisam “agregar” as suas bolhas e “furar” as bolhas dos adversários. Ao invés de uma guerra no PT em torno destes perfis necessários, melhor seria que fizéssemos, sem maiores polêmicas, uma divisão de tarefas para lançamentos de candidaturas proporcionais e majoritárias.
Veja só: o Brasil é um dos poucos países do mundo e que adota o sistema de lista aberta, onde os eleitores “votam na pessoa” e não na “lista partidária”. Não será fácil uma reforma política para mudar esta situação: os parlamentares eleitos com base na lista aberta não apoiam mudança no sistema político e a população não apoia mudanças na representação parlamentar pois prefere “votar na pessoa” e “não no partido político”. A lista aberta é profundamente “autofágica” porque o adversário de um parlamentar é outro parlamentar do mesmo partido ou federação e novas lideranças emergentes que lhes ameaça a vitória na eleição seguinte. Nestes tempos de polarização política, a representação parlamentar é eleita, em grande parte, dentro da própria bolha “de esquerda” ou de “direita”. A polarização não é uma disputa política, é uma marcação de posição. Disputa política significa que você tem como meta tirar apoiadores do outro lado; quem polariza não dialoga porque o objetivo não é convencer gente do outro lado, mas crescer entre os apoiadores da bolha progressista. A polarização interessa à representação parlamentar individualizada que temos no Brasil, é autofágica, porque visa disputar apoio e votos com os companheiros do próprio partido, que os ameaça na eleição.(…) A polarização estreitou as bases sociais de nossos parlamentares às “bolhas de esquerda” e são poucos os deputados estaduais e federais competitivos em grandes cidade de Minas e do Brasil. Veja que impressionante: o PT tem 180 deputados estaduais e federais em todo o Brasil e só venceu as eleições em seis grandes cidades brasileiras.
Não tem jeito. Para que o PT possa enfrentar as grandes disputas majoritárias (prefeitos, senadores, governadores, e presidente) é preciso valorizar as lideranças com “perfis políticos mais amplos”, como disse a Marília ao discordar da estratégia de Belo Horizonte, que sejam capazes de liderar as bolhas progressistas e avançar sobre as bases das bolhas de centro e até de direita.(…) Veja como no passado a situação era muito diferente: em Minas Gerais, por exemplo, nas décadas de 1990, 2000 e 2010, antes da polarização que temos atualmente, quando o PT era muito forte nos municípios, os parlamentares do PT tinham uma base social mais ampla, com forte presença entre os mais pobres e também na classe média, e muitos deles e delas sendo vereadores, deputados estaduais e federais, foram eleitos prefeitos de grandes cidades, como Patrus Ananias, Célio de Castro, Marília Campos, Maria do Carmo Lara, Jesus Lima, Chico Ferramenta, Chico Simões, Gilmar Machado, Elisa Costa, Cecília Ferramenta, Maria José de Teófilo Otoni, Pompílio Canavez. Temos também dezenas de vereadores(as) que se tornaram prefeitos nas décadas a que nos referimos nas pequenas e médias cidades. E, Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte, foi eleito governador de Minas Gerais. E, mais recentemente, mesmo com polarização forte, Marília Campos, então deputada estadual, e Margarida Salomão, deputada federal, se elegeram e reelegeram prefeitas.
Repetindo aqui o que disse Camila Moreno sobre o petismo de Contagem: “Marília é muito admirável. Sua dedicação, força e inspiração na construção de um PT capaz de ganhar eleições, disputar maiorias e superar a bolha, a burocracia e o sectarismo!”. Defendo, independente da vinculação com tendências, uma divisão de tarefas no PT: parlamentares com base sociais apenas nas bolhas de esquerda continuem nas mesmas funções e ampliando nossas bancadas parlamentares; e aquelas lideranças mais amplas, sejam destacadas para as disputas majoritárias: prefeitos, senadores e governo do Estado.(…) Temos atualmente, três áreas mais dinâmicas do petismo em Minas Gerais: Grande BH, Contagem, com a liderança da Marília e Miguel Ângelo; Zona da Mata, Juiz de Fora, com as lideranças de Margarida Salomão e Ana Pimentel; e Triângulo Mineiro, com Dandara e o ex-prefeito Gilmar Machado. Temos também, é preciso ressaltar, a liderança de Reginaldo Lopes, que mesmo que não tenha bem sucedido na eleição para a Prefeitura de BH, se tornou uma das grandes lideranças petistas de Minas Gerais, pois coordenou a campanha vitoriosa de Lula em nosso Estado em 2022; ganhou grande prestígio com a relatoria da reforma tributária; tem prestigio junto ao presidente Lula e aos partidos de centro. Reginaldo é hoje a melhor, e talvez única liderança expressiva, que temos para a chapa majoritária. Precisamos fortalecer as lideranças destas regiões e construir novas lideranças que tenham capacidade de diálogo, de disputar maiorias para as grandes disputas majoritárias de nosso Estado: prefeitos, senadores e governo do Estado. Temos que reincorporar na vida do PT mineiro, grandes lideranças que têm história em nosso Partido, como Patrus Ananias, Juarez Guimarães, Luís Dulci, Virgílio Guimarães. E são estas lideranças com capacidade de diálogo, com bons desempenho em disputas majoritárias, que devemos colocar na liderança de nosso Partido em Minas. Dandara, é uma destas lideranças que pode ampliar o PT na sociedade mineira, teve um bom desempenho na eleição de Uberlândia, com votação de 25% no primeiro turno, e nas simulações do segundo turno, que não aconteceu por pouco, tinha intenção de votos superior a 40%, numa cidade bastante resistente ao PT. A companheira Leninha, no Norte de Minas, numa região onde o PT sempre venceu as eleições para presidente e governador, foi eleita deputada estadual com grande votação de 65 mil votos, mas não foi bem sucedida na eleição para prefeita de Montes Claros, em 2020, com apenas 5% dos votos.
Marília Campos, com um amplo diálogo social, venceu de forma consagradora em Contagem e pode ajudar na construção de uma estratégia para Minas e o Brasil. Maria Hermínia Tavares, uma das grandes intelectuais brasileiras, de centro esquerda, fez grande elogios à Marília Campos e ao petismo de Contagem. Maria Hermínia, em artigo publicado no site do UOL/Folha, fez um surpreendente elogio à prefeita Marília Campos. Maria Hermínia analisa os governos de esquerda e de centro esquerda no mundo e de “uma minguante capacidade de governar e entregar os bens e serviços a todos os potenciais beneficiários”. Ela vincula os desafios da esquerda no mundo ao Brasil: “Em “Abundance” (Abundância), escrito a quatro mãos por Ezra Klein e Derek Thompson, influentes colunistas do New York Times e do Atlantic, respectivamente, eles sustentam que os impasses do Partido Democrata resultam de uma minguante capacidade de governar e entregar os bens e serviços a todos os potenciais beneficiários. Dito de outro modo, questões de boa gestão; de eficiência da máquina governamental; de simplificação das regras da administração pública; e de aptidão para inovar seriam cruciais quando se trata de convencer o eleitorado da superioridade das políticas progressistas. Afinal, argumentam os autores, populistas de extrema direita se alimentam não apenas do descontentamento socioeconômico como da ineficiência do governo que aspiram substituir.(…) Pelos exemplos das políticas que percorre, o livro pode parecer muito distante da realidade do setor público brasileiro. Mas a abordagem sugerida é toda outra. Parece muito próxima do que têm dito e feito lideranças novas no campo da esquerda brasileira. São os casos de Marília Campos, prefeita petista de Contagem, em Minas, já no seu quarto mandato, e de João Campos (sem parentesco), prefeito reeleito do Recife —ambos beirando os 80% dos votos no primeiro turno. A ênfase na eficiência de gestão; na entrega de bens e serviços; na prestação diária de contas pelas redes sociais; na capacidade de construir coalizões políticas amplas; enfim, na recusa das discussões que polarizam e dividem os eleitores parece apontar para o advento de soluções progressistas mais sintonizadas com as aspirações do brasileiro comum e mais distantes das “guerras culturais” tão a gosto do bolsonarismo. O desafio é replicar a experiência em níveis de governo mais apartados do dia a dia dos cidadãos”.
Maria Hermínia analisa corretamente que a experiência de Contagem da despolarização se deve muito ao fato de que governos municipais estão mais próximos da população, cuidam das questões concretas do povo e, por isso, nos municípios o enfraquecimento e derrota da extrema direita é uma possibilidade mais concreta. É na base que se muda a história! Passada a eleição, Marília ampliou a despolarização e atingiu a impressionante marca de 81% de aprovação popular, uma das prefeitas mais populares do Brasil. Numa das pesquisas que circulou em nossa cidade no final de 2024, podemos ver os números impressionantes da aprovação popular de Marília, segundo os diversos critérios da amostra. Veja só: a) Marília tem 81% de aprovação, sendo 81% entre mulheres e 81% entre os homens; b) por idade, varia de 79% a 83%; c) por escolaridade, varia de 78% a 84%; d) por renda, varia de 79% a 86%; e) por religião, Marília tem 78% de aprovação entre os evangélicos e 83% entre os católicos; f) por ideologia, Marília tem 79% de aprovação de pessoas que se definem como de “direita”, 82% nas pessoas de “centro”, e 89% nas pessoas de “esquerda”. Pesquisa mais recente confirma a aprovação maciça da prefeita, Marília repetiu novamente a aprovação ampla de 79% da população (ótimo, bom e regular positivo), e, na avaliação binária, aprova e desaprova, a aprovação é novamente de 81%. Tem alguns sectários que afirmam que Marília é muito popular em Contagem porque tem apoio de muitos eleitores de “direita”. Líder político de esquerda bom é aquele que tem o apoio somente dos 25% dos eleitores de esquerda? Inacreditável! Lula já chegou a ter 80% da aprovação popular em 2010 e era, com toda razão, saudado como “o cara”, o presidentes mais popular do mundo.
Maria Hermínia Tavares acerta quando afirma “o desafio é replicar a experiência em níveis de governo mais apartados do dia a dia dos cidadãos”. Ou seja, a experiência de despolarização de baixo para cima, a partir das cidades, precisa, de forma criativa, ser introduzida nos governos estaduais e na presidência da República. Umas das teses que mais se encaixou na estratégia política do petismo de Contagem é a adoção da política baseada nos “dois pês”, “Propósito e Pertencimento”, sugerida por Alon Feuerwerker: “Sem subestimar a economia, tampouco é demais olhar para aspectos mais subjetivos dos mecanismos de produção de opiniões políticas. O capital político dos governos sempre se beneficia de dois pês: propósito e pertencimento. Quando está claro a que veio o governo, e quando ele passa a sensação de querer o bem de todo mundo, e não só de sua turma. Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando. Por isso se diz que a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione”. (Poder 360, 17/3/2024). Sou casado com a prefeita Marília Campos, sou um intelectual orgânico e quase tudo que escrevo eu vivencio em Contagem junto com a minha mulher. A cidade reconhece o “propósito” do governo Marília Campos: um amplo plano de investimento, que coloca Contagem na segunda posição dentre as cidades mineiras e na vigésima sexta colocação no ranking nacional; melhorias muito expressivas na saúde; e cultura, esporte e lazer de graça para a população. E Marília gera um enorme sentimento de pertencimento do seu governo porque “governa para todos e todas” e “não somente para a sua turma”. A ampla maioria das pessoas de esquerda, de centro e de direita se sente representada pela prefeita Marília Campos, que só tem a oposição de um núcleo duro da extrema direita em torno de 15% da população. Pesquisa indica que “cultura, esporte e lazer de graça”, a crítica central da extrema direita em Contagem, tem apoio de 82% da população e, entre a juventude, o índice chega a 92% das pessoas. Eu vejo tudo isso acontecendo em Contagem; eu escrevo aquilo que vejo nos olhos das pessoas e nas ruas da minha cidade. Por isso, acredito que nossa experiência teórica e prática pode ajudar a esquerda brasileira.
PT deveria sair da defensiva no debate dos “valores” e da “cultura” e defender o “Brasil da diversidade”, esvaziando a guerra política e cultural, e centrar a agenda política na questão programática: democracia, desenvolvimento econômico, Estado Social e soberania nacional. Rui Falcão, em declaração recente, criticou nossa concepção política afirmando que a defesa da despolarização é “estender a bandeira branca para o fascismo”. Inaceitável e repugnante esta crítica. Temos concepções políticas respeitáveis e testadas na prática, com a consagradora vitória de Marília Campos em Contagem. Nas eleições municipais, em todo o Brasil, marqueteiros e outros “especialistas” em comunicação defenderam que os candidatos do PT nas eleições municipais fugissem do debate dos “valores” que seria a pauta preferida da extrema direita. Marília, em Contagem, não aceitou estas recomendações e enfrentou o debate que é uma prioridade para uma parcela da população. Mas Marília venceu a disputa no debate dos valores porque adotou uma concepção universal de defesa da pluralidade e dos direitos humanos, não adotou um discurso identitarista voltado apenas para as bolhas. Para nós, da esquerda, os direitos humanos são universais e todos os cidadãos e cidadãs devem ser respeitados(as): raça, gênero, orientação sexual, religião, classe social, idade, pcd. Queremos a diversidade política, diversidade religiosa, diversidade de orientação sexual, diversidade de raça, diversidade de gênero, diversidade no futebol, queremos diversidade.(…) Marília, corajosamente, faltando dois meses para a eleição, compareceu a uma festa em praça pública da religiosidade de matriz africana; o vídeo, divulgado nas redes sociais, sem impulsionamento, teve 200 mil visualizações (Contagem tem 650 mil habitantes). Foram mais de 400 comentários de pessoas e, de forma unânime, o conteúdo foi parabenizando a Marília pelo respeito à “diversidade religiosa”. A extrema direita evitou o debate às claras com medo para não cometer o crime de “discriminação racial e religiosa”, mas no submundo do ZAP, consideraram o vídeo a “bala de prata” que derrotaria Marília e isto não aconteceu. Marilia enfrentou a extrema direita na área cultural com a defesa da “cultura, esporte e lazer de graça” para a população, que, nas pesquisas atuais, tem aprovação de 82% da população e, entre a juventude, o apoio é de 92%.
O deputado Rui Falcão precisa entender que nós do PT Contagem temos uma estratégia clara, de esquerda e muito eficaz. Veja só: pesquisas indicam que 86% da população condena os atos de 8 de janeiro de 2023; portanto o núcleo duro do bolsonarismo é em torno de 15% da população, que defende regimes militares ou governos autocráticos. Muitas das pessoas que hoje estão na direita, sobretudo de classe média, é bom lembrar, garantiram a vitória de Lula em 2002, em 2006 e lhes deram aprovação de 81% de aprovação ao final de seu segundo governo. Nos primeiros anos da década de 2000, a zona sul de Belo Horizonte, era petista. Lula obteve em Contagem, em 2002, vitória esmagadora com 82% dos votos. Então nossa estratégia é clara: concentramos nosso combate político não no “gado bolsonarista”, como alguns dizem de forma desrespeitosa, mas no núcleo duro que tem tradição autoritária e militarista. É isto que explica porque Marília tem em Contagem 79% de aprovação de pessoas que se definem como de “direita”, 82% nas pessoas de “centro”, e 89% nas pessoas de “esquerda”. Nas eleições de 2024, Marília que historicamente teve 42% dos votos no primeiro turno, conseguiu transformar apoios em votos parte dos simpatizantes de direita e alcançou 60% dos votos. Nosso diálogo social, mais que nunca, permanece na Cidade para consolidar a “Contagem da diversidade”, a “cidade da cultura, dos esportes e do lazer”.
Portanto, o que defendemos é isso: o PT precisa adotar de forma avassaladora a defesa do “Brasil da diversidade”, deve defender a “cultura, esportes e lazer” de graça e esvaziar a guerra política e cultural que alimenta o bolsonarismo. Precisamos trazer o Brasil para a agenda política e programática, centrada na defesa da democracia, do desenvolvimento econômico, do Estado Social e da soberania nacional. Mais do que nunca é a Frente Ampla que vai derrotar a extrema direita, com aliados fundamentais como Eduardo Paes, no Rio de Janeiro e Rodrigo Pacheco, em Minas Gerais. E sem uma sólida aliança com o centro não bolsonarista, em todo o País, mas sobretudo nos pequenos estados do Norte e Centro Oeste, onde o PT é fragilíssimo, a extrema vai ganhar a maioria no Senado, com mais de 41 senadores. A eleição no Senado não tem segundo turno e não tem espaço para marcação de posição e autoconstrução partidária por parte da esquerda, Bolsonaro está construindo “chapas para o Senado” com dois nomes apenas nos diversos Estados, com um candidato do PL e um bolsonarista de partidos de centro. Nossa estratégia deve ser a mesma utilizada no segundo turno na França para barrar a extrema direita: vamos lançar apenas dois candidatos ao Senado e quem não tiver viabilidade eleitoral não deve se candidatar. Em Minas Gerais, Marília, corretamente, trabalha pela volta de Kalil par a centro esquerda e é, na minha opinião, uma ótima alternativa para o Senado. A esquerda precisa reduzir a guerra política e cultural, precisa que o centro não bolsonarista tenha protagonismo nas eleições para os governos de Estado e para o Senado, num clima de polarização violenta como temos agora, Lula perde a eleição e a extrema direita se torna maioria no Senado. Não podemos continuar com a polarização personalista de Lula versus Bolsonaro, até porque Bolsonaro deve ser preso até outubro e não teremos mais nas ruas “o adversário em quem bater, com quem polarizar”. Nossa situação em 2026 é muito complexa: se a direita e a extrema direita se unificarem em torno da chapa Tarcísio Freitas/ Michele Bolsonaro a disputa será duríssima; e mesmo que Bolsonaro lance um dos filhos ou a mulher dele, é possível uma pulverização de candidaturas (com possíveis candidaturas de Ratinho Jr, Romeu Zema, Ronaldo Caiado, e mais alguns outsiders que irão parecer), mas vão se unir no segundo turno, como aconteceu na cidade de São Paulo nesta última eleição. Pesquisas recentes mostram isso: no segundo turno quase todos os candidatos da direita tem intenção de votos elevadas e muito próximas de Lula.
É um enorme risco que o desgaste da polarização entre Lula e Bolsonaro não resulte no fortalecimento da centro esquerda, mas reabra o espaço para a antipolítica e para os chamados “outsiders”. A provável condenação e prisão de Bolsonaro é tratada por muitas pessoas de esquerda como sendo o “fim da linha” para a extrema direita no Brasil. Só “falta combinar” com os 58 milhões de eleitores de Bolsonaro e com os milhões de eleitores de Lula que se afastaram de nosso governo neste início de ano. Impressionante o voluntarismo que prevalece na esquerda: são musiquinhas e dançinhas comemorando o fim da era Bolsonaro, reabilitaram até mesmo, no som de marcha fúnebre, com grande apelo publicitário, a música “Tá na hora do Jair já ir embora”. O cenário político brasileiro é desafiador. Uma possiblidade é que o desgaste da polarização política de Lula e Bolsonaro, numa situação de perda de popularidade do presidente Lula, não resulte no fortalecimento da centro esquerda até porque sem Bolsonaro nós petistas, com a nossa despolitização, não teremos muito o que falar. Pode ser que seja aberto um tempo histórico muito propício para o retorno da antipolítica e dos outsiders; como Cleitinho em Minas Gerais, um arruaceiro que está nas estradas de Minas abrindo caminho com trator para evitar pedágios, que incorpora algumas bandeiras da esquerda, como a isenção do IR até R$ 5.000,00 e o fim da escala 6X1 da jornada de trabalho, que lidera a disputa para o governo de Minas; Romeu Zema, sem nenhuma marca clara de governo, se mantem popular acima dos 60%, comendo banana com casca; em São Paulo, Pablo Marçal quase foi para o segundo turno, e se tivesse ido poderia ter ganho a Prefeitura de São Paulo; em São Paulo ainda, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, um fenômeno nas redes sociais; em Curitiba, Cristina Graeml (PMB) teve no segundo turno 42% dos votos e continua muito ativa na política, e diz que “nunca concorreu antes, sem dinheiro público, sem conchavos”. Pelo Brasil todo estão cheios destes personagens, que podem já estar na política ou podem “brotar do nada”.
João Cezar de Castro Rocha, escritor e historiador, faz uma advertência que devemos prestar a atenção: “Celebrar’ a decadência óbvia do bolsonarismo pode ser uma ilusão. Disse ele: “O desaparecimento ou o esmaecimento da figura do Bolsonaro da cena política permitirá à direita e à extrema direita um movimento novo, que pode ser muito positivo para elas a médio e longo prazo: libertar-se da tutela do Bolsonaro. (…) Bolsonaro é absolutamente um político devorador de todos os outros. Não tem consideração por ninguém que esteja próximo a ele e que não seja ele ou a própria família. O campo político que foi mais prejudicado no Brasil pela exuberância do bolsonarismo entre 2018 e 2021 foi o da direita, o do conservadorismo. (…) Eles foram canibalizados pela extrema direita bolsonarista e praticamente desapareceram. Com o enfraquecimento da figura do Bolsonaro, a tendência é que a direita e o conservadorismo se fortaleçam, porque estarão livres do ímã Jair Messias Bolsonaro.(…) Tarcísio se comportou da maneira como precisa fazer. Ele continuará afirmando até os 45 minutos do segundo tempo que o presidente será Bolsonaro. Ele o faz porque é a maneira mais segura de herdar os espólios do Bolsonaro. Mas ainda tenho dúvidas se Tarcísio arriscará nas eleições de 2026 abrindo mão da reeleição em São Paulo, que parece muito certa para ele. Ele só o fará se houver indícios muito claros de uma decadência real do governo Lula. (…) Nesse sentido, o verdadeiro projeto da extrema direita para o país em 2026 é dominar o Senado e começar um processo a médio prazo para sujeitar o Judiciário. É assim que o Viktor Orbán fez na Hungria e Donald Trump fez na Suprema Corte americana e agora está tentando reforçar com juízes federais nos EUA”. (UOL, 17/03/2025). É bem possível que o conservadorismo, libertado de Bolsonaro, se articule em três grandes campos: a) o bolsonarismo dos partidos de centro, mais vinculados ao Sudeste e Sul, que reúne lideranças como Tarcísio Freitas, Ratinho Jr., Ronaldo Caiado, e Romeu Zema; b) um segundo bloco do Bolsonarismo raiz, vinculado à família Bolsonaro, que pode um dos familiares como candidato a presidência da República com provavelmente Ciro Nogueira na vice ou pode compor na vice com Tarcísio Freitas neste caso, acho, com Michele Bolsonaro na vice; c) e um terceiro campo, das lideranças outsiders, anarcocapitalistas como Milei e de outras orientações. Esta direita se unirá no segundo turno nas disputas majoritárias para presidente, governadores, e, sobretudo, para o Senado no primeiro turno com possibilidades de acordos com uma “chapa do Senado”.(…) Neste terceiro campo da antipolítica dois fatos preocupantes: o primeiro é o desempenho de Marçal nas pesquisas, que, mesmo inelegível, tem votação, na pesquisa Atlas Intel, de apenas 5,4% no primeiro turno e na simulação de segundo turno contra Lula dispara para 51%; o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, diz ter acertado com o PRTB uma eventual candidatura presidencial, tudo indica para ocupar o espaço de Marçal como outsideres da antipolitica. Felipe Neto, vinculado ao campo progressista, lançou a candidatura a presidência da República. Era deboche, ele esclareceu. Um deboche que gerou 8,5 milhões de visualizações nas redes sociais. Mas podemos esperar que vamos ter, nestas eleições, um grande número de outsideres candidatos a presidente, governadores, senadores, deputados.
Pepe Mujica fala por nós de Contagem: “Não ao ódio, não à confrontação, é preciso trabalhar pela esperança”. Grande parte da esquerda brasileira assiste vídeos e lê Pepe Mujica, mas não tem “escuta” para aquilo que o velho, o ancião, disse, em particular aquilo que ele pronunciou no final da vida dele. Uma das falas mais representativas de Mujica é: “É fácil ter respeito por aqueles que pensam de forma parecida com a nossa, mas é preciso aprender que o fundamento da democracia é o respeito por quem pensa diferente”. Sem compreender isso não vamos derrotar a extrema direita. Veja só: Bolsonaro deve ser preso não porque é de direita, ou melhor de extrema direita, e pensa diferente de nós, de esquerda, mas porque é um golpista, que quer e trabalha para implantar no Brasil uma ditadura militar ou um regime autocrático. Será uma tragédia para a esquerda, e isso será inevitável sem uma forte intervenção de Lula e das lideranças do PT, que a prisão Bolsonaro, ao invés da defesa da democracia, seja comemorada como um “gesto de vingança”, “de deboche”, como nas musiquinhas cretinas e despolizadas que vemos na internet. Isto vai fechar completamente o diálogo social com quem pensa diferente de nós e que podem ser conquistados para nossas posições e candidaturas.
Precisamos, meus amigas e amigos, ter “escuta” para os discursos do senador Rodrigo Pacheco, um político liberal, que ao aproximar de Lula e incorporar uma clara agenda social se tornou, em nossa opinião, um político de centro esquerda. No Encontro de Contagem, fez um discurso histórico sobre a tradição democrática de Minas Gerais e sem citar os nomes, fez um fala politizada, demarcou claramente com Bolsonaro e Romeu Zema, e, no ápice do discurso, demarcou com o governador e afirmou que o Brasil teve sim ditadura militar, que prendeu, torturou, suprimiu as liberdades e matou muitas pessoas. Nós, de esquerda, estamos aquém do liberalismo político no Brasil, que demarca com a extrema direita de forma politizada e não de forma individualista e despolitizada com gestos de vingança e deboche. E, em termos sociais, assunto que vou abordar em outros artigos, estamos aquém da social democracia europeia.
Pepe Mujica, na campanha eleitoral do Uruguai, em novembro de 2024, o grande estadista, em discurso quase de despedida, fez um discurso para a posteridade com a mensagem mais importante da vida dele. É preciso ter “escuta” para o que disse o velho, o ancião. Com uma doença terminal, sentado numa cadeira no palanque do candidato de esquerda, ele deu o recado final da vida dele: “Porque é preciso um governo que abra o coração e a cabeça com todo o país. Não é poético o que eu digo. Alguém tem que dizer. Um velho. Não ao ódio! Não à confrontação! É preciso trabalhar pela esperança! Até sempre…lhes dou meu coração. Tenho que agradecer à vida! Porque quando esses braços se forem haverá milhares de braços. Obrigado por existir. Até sempre!”. Importante: o povo uruguaio teve “escuta” e atendeu ao último pedido em vida de Pepe Mujica e deu a vitória ao candidato dele: Yamandú Orsi, é o novo presidente do Uruguai. Venceu no Uruguai a estratégia da despolarização; nas palavras de Mujica: “da não confrontação”.(…) Nós nos emocionamos com suas palavras, nós recebemos o seu coração e prometemos companheiro Pepe Mujica: seremos aos milhares seus braços em Contagem e, quem sabe, em Minas e no Brasil. Viva Pepe Mujica! Viva Lula! Viva Marília!
A reconstrução do PT é decisiva; mas apelos de defesa de volta às bases não resolvem; é preciso teoria para mudar o modelo político e organizativo do PT: nas direções, no trabalho de base, na comunicação e na formação. Sugerimos ao PT uma nova forma de organização partidária, a partir dos territórios, a partir de nossos municípios, sem abandonar a organização em outros segmentos como o sindicalismo e outros setores sociais. Ou o PT se reconstrói a partir das cidades, de baixo para cima, no “chão do Brasil”, ou nosso partido não terá futuro. Antes das eleições municipais, travei um diálogo pelo ZAP com um grande interlocutor político meu. Eu disse para ele: “A derrota do extremismo, em minha opinião, deve ser de baixo para cima, no chão do Brasil, em nossas cidades. Contagem pode virar um exemplo para o Brasil. Marília está inspiradíssima e pode liderar este grande combate democrático”. Meu interlocutor me respondeu: “Não há outra opção. É na base que se muda a história. As vitórias nacionais acabaram encastelando lideranças, que se afastam do povo. Um perigo! Sorte a nossa de ter a Marília”. Diálogo maravilhoso! Repetindo a frase que explica a nossa história e que define o nosso futuro: É na base que se muda a história!
Precisamos partidarizar os mandatos parlamentares e construir direções mais representativas; este é um dos maiores desafios que vai definir o futuro do PT. O Brasil é um dos poucos países grandes do mundo que adota a lista aberta, onde os eleitores “votam na pessoa” e não na “lista partidária”. Mas a lista aberta e o predomínio quase absoluto dos parlamentares sobre a vida partidária precisa ser modificado profundamente. Os parlamentares monopolizam tudo: a representação nos nossos governos; os cargos nos legislativos; os cargos nas instâncias partidárias; as finanças partidárias e para as eleições. E mais ainda: a lista aberta é autofágica porque como o adversário de um parlamentar do partido é outro parlamentar do próprio partido se reparte a máquina partidária entre todos, mas ninguém lidera quase nada. Cada um cuida da “sua própria vida”. Não tem um planejamento coletivo; é cada um para si e muitos vezes os cargos exercidos por parlamentares se misturam com seus mandatos. Este tipo de partido verticalizado, sem a presença forte de segmentos representativos da sociedade (militantes sociais, intelectuais, técnicos respeitados) não dá conta das enormes tarefas de reconstrução partidária. Em Contagem temos uma ótima experiência: o ponto central de nossa reorganização foi a constituição de uma direção muito representativa de nosso acúmulo na Cidade, com membros da Executiva do Partido, três de nossos principais formuladores, nomes representativos do governo Marília, vereadores e vereadoras.
Não tem como fazer trabalho de base, dialogar com a população, fazer a política “olho no olho” sem resgatar as mídias tradicionais; trazendo para as mídias sociais o calor e a emoção das ruas. Se ficarmos restritos à comunicação virtual será o “olho no olho do celular”. Não tenho dúvidas que a experiência de Contagem na comunicação deveria ser uma referência para a esquerda brasileira. Somos herdeiros da comunicação de rua, presencial das décadas de 1970, 1980 e 1990, com as mídias tradicionais, como carros de som, megafones, jornais, folhetos, bandeiras, adesivos, etc. Mas quando chegou o tempo das mídias sociais, ao invés de migrarmos para a comunicação virtual, unimos as duas formas de comunicação: continuamos nas ruas e trouxemos as emoções das ruas para as redes sociais. É assim que fazemos nas campanhas eleitorais e no governo Marília Campos e vamos fazer também no PT Contagem. Na campanha de 2024, tivemos 20 carros de som; jornal distribuído de casa em casa nas 150 mil residências de nossa Cidade; estimo que 14 milhões de santões e colinhas eleitorais; centenas de bandeiras grandes; Windbanners nas ruas; Citru; adesivos de blusa e para carros; e dois materiais lúdicos de sucesso: 100 mil bandeirinhas de plástico tamanho A4, distribuídas nas saídas das aulas para crianças e adolescentes de todas as escolas da cidade e uma máscara da Marília que caiu no gosto das pessoas. Toda esta campanha de rua foi trazida para as redes sociais, com a “mensagem quente” do povo nas ruas que nos renderam a espetacular marca de 76 milhões de visualizações de vídeo e 5 milhões de engajamento com as publicações. É este modelo de comunicação, combinando as mídias sociais com as mídias tradicionais que sustenta a comunicação de Marília Campos em Contagem, e que explica, em boa parte, a aprovação de 81% da prefeita.(…) E um dado incrível: a campanha vitoriosa da Marília, com vitória expressiva no primeiro turno, foi feita pela equipe local de comunicação do PT Contagem, um feito impressionante e provavelmente inédito nas grandes cidades brasileiras.
Fundação Perseu Abramo está sumida e precisa a voltar a investir novamente na formação da militância petista. Sou de uma época em que nos encontros do PT não faltavam a venda de dezenas de livros editados pela Função Perseu Abramo do PT Nacional. Eu mesmo, José Prata, editei dois livros pela Fundação, dois dos melhores livros que fiz até hoje. O primeiro, em 2005, “Um retrato do Brasil”, onde nas primeiras linhas da apresentação acertei a agenda política da eleição de 2006: “A concepção de Estado – estatais e serviços públicos – é a questão mais importante que estará em disputa nas eleições de 2006”. Quem não se lembra no segundo turno, Geraldo Alkmin vestindo camisetas das estatais para negar que iria privatizá-las? Este livro, o companheiro Luís Dulci diz ser “o melhor produzido sobre o primeiro governo Lula”. O segundo livro, de 2011, “Guia dos Direitos Sociais” foi onde sintetizei os meus conhecimentos sobre o Estado Social e, me lembro, que um funcionário da Fundação Perseu Abramo me ligou dizendo que os operários da gráfica, onde eram impressos os livros, diziam que “era o melhor livro que imprimiram no local”. Fantástico! Sugiro que a Fundação Perseu Abramo retome agora não os livros, mas publicações populares para a militância em defesa do governo Lula em quantidade suficiente para a militância em todo o Brasil. Falo por mim: não consigo fazer leitura de textos mais longos no celular ou no computador e pelo que vejo é esta também a situação da maioria da militância. Então tem que voltar as publicações impressas populares.
O PT precisa rever sua vinculação com os movimentos sociais; incorporar o debate no dia a dia do Partido; empoderar os setoriais e núcleos de base como direção política nos movimentos e trabalhar por movimentos sociais mais amplos e unificados. O PT foi fruto da confluência de segmentos sociais e ideológicos bastante diversos: sindicalismo combativo que construiu a CUT; setores progressistas da Igreja Católica, como os adeptos da Teoria da Libertação; partidos de esquerda clandestinos mais à esquerda; setores importantes da intelectualidade, dentre outros segmentos sociais. Depois de muitos desencontros, uma resolução partidária exigiu corretamente a “diluição” das organizações políticas autônomas no partido e, para garantir a pluralidade, formalizou a existência de tendências. Mas isto resultou em um modelo de organização muito problemático: a verticalização por tendências, onde quem não pertence a uma tendência não tem “identidade partidária”, e é considerado “independente”. Eu, como “independente”, sempre brinco com meus amigos: “Se eu sou independente, então o PT é uma federação de partidos e eu sou um filiado avulso na federação”.
Na verdade, a implantação das tendências foi somente no plano institucional, nos movimentos sociais as tendências são autônomas e atuam diretamente sem qualquer mediação partidária. As composições partidárias se deram somente no plano institucional, nos diretórios, porque ali se encontra decisões fundamentais, como a definição de candidaturas, finanças, participação nos governos, dentre ouras atribuições; mas nos movimentos sociais, que não tem a atratividade institucional, o PT nunca chegou a se compor como partido; as correntes são autônomas e atuam sem mediação partidária. Eu mesmo e Marília, como petistas, quando sindicalistas bancários, éramos da “CUT pela Base” e vivíamos sempre meio em guerra com os petistas da “Articulação Sindical”. E mais: sem mediação partidária, nossa atuação nos movimentos sociais se tornou cada vez mais fragmentada, cada corrente, parlamentar, cria o “seu” movimento social, muitas vezes, com cinco, dez militantes, apenas para dar argumento e marca de vinculação aos movimentos sociais. Não são movimentos nem “cartoriais”, porque nem em cartórios são registrados.
Com isso, as lutas sociais deixaram de ser “assunto de partido” e raramente, ou quase nunca, foram pautadas nos encontros e congressos partidários; assuntos “partidários” pautados nos congressos e encontros são: discussão de estatuto; definições do perfil ideológico do partido; táticas eleitorais; resoluções sobre conjuntura. As secretarias setoriais foram completamente esvaziadas por não terem o que coordenar, já que não existe partido organizado e unificado nos movimentos sociais. Esta organização partidária “meio Frankenstein” não impediu o forte avanço do PT nos momentos de ascenso das lutas sociais, mas nos últimos anos vem impedindo a renovação e revitalização da vida partidária.
O Partido precisa discutir isto urgentemente, passando a ser uma referência organizada nos movimentos sociais (onde as tendências atuam atualmente como partidos autônomos), com a “diluição” ainda que tardiamente, das tendências nas secretarias partidárias e núcleos de base. E veja que coisa potente: se adotamos o território como a nova âncora fundamental da reconstrução partidária, podemos liderar a criação de grandes movimentos sociais nos municípios unificando não somente os petistas mas também todos os segmentos progressistas. Movimentos unificados de mulheres, de jovens, de pessoas LGBT+, de defesa da igualdade racial, de meio ambiente, de proteção dos animais, de moradia. Quem sabe esta proposta não pode levar a uma reorganização de base sem precedentes da esquerda brasileira, sendo o instrumento que nos falta para capitalizar politicamente para o Partido os enormes avanços de nossos governos nas cidades, no “chão do Brasil”. Repetindo, mais uma vez, a frase que explica a nossa história e que define o nosso futuro: É na base que se muda a história!
*Eu, José Prata, junto com meus companheiros e companheiros, queremos fazer história, a partir da base daqui da cidade de Contagem, Minas Gerais. Minha teoria não brota apenas dos muitos estudos que realizo, sou um intelectual orgânico, vivo o que escrevo. Eu vejo olho no olho da população, interpreto as posições da minha companheira, Marília Campos, converso com muitos companheiras e companheiros e vejo com meus olhos as transformações sociais em minha cidade. Meu sonho é, junto com toda a esquerda e o campo progressista brasileiro, vencer as eleições de 2026, e o Brasil fazer história no mundo ao barrar pela segunda vez a extrema direita, uma ousadia nestes tempos de hegemonia curtas, onde que quase nenhum presidente ou primeiro ministros dos países se reelegem. É para isso que estamos fazendo a disputa do PED. Não é uma disputa somente de nomes, de cargos e de poder, mas de concepção política e partidária que nos garanta a vitória em 2026.
José Prata Araújo é economista.