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Clemência Cecília, José Pedro e Aparecida Miranda: Cozinhas comunitárias de Contagem. Alimentando vidas, construindo dignidade

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A cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem adotado uma estratégia inovadora para garantir o acesso à alimentação da população mais vulnerável. Desde 2007, a Prefeitura tem investido em cozinhas comunitárias, política pública que alia combate à fome, garantia de uma alimentação saudável, transparência, uso eficiente de recursos públicos, e articulação entre diferentes áreas governamentais e com a sociedade civil.
As cozinhas comunitárias de Contagem nasceram no contexto do florescimento da política nacional de segurança alimentar e nutricional (2003-2007), período em que o Governo Federal assumiu o compromisso de garantir o direito à alimentação adequada como dever do Estado, convocando os entes estaduais e municipais a tomarem parte na luta contra a fome. O governo municipal de Contagem se engajou nessa missão e, desde então, vem construindo a política municipal de segurança alimentar nutricional e agroecologia.

Fruto do fomento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e da escolha política da gestão municipal, foram implantadas, na época, duas unidades de cozinhas comunitárias com estrutura física e equipes descentralizadas. Desde a origem, esse programa foi construído em parceria com a sociedade civil e, na época, as duas unidades foram implantadas em espaços cedidos por organizações da sociedade civil. Mais tarde, uma das cozinhas foi transferida para um espaço público, próximo a uma vila de alta vulnerabilidade.

As cozinhas comunitárias se tornaram política pública continuada, voltadas ao atendimento de famílias em situação de pobreza e insegurança alimentar, nos territórios de maior vulnerabilidade, sendo integralmente custeadas pelo Município. Estão reconhecidas pela Lei 4276/2009 e regulamentadas pelo Decreto 979/2023.

A partir de 2022, o programa foi ampliado e passou a contar com sete cozinhas comunitárias instaladas em territórios vulneráveis. A identificação de tais territórios resulta do cruzamento de dados do CadÚnico, da Educação, da Saúde, da Assistência Social e da Fundação João Pinheiro, esta última, responsável pelo “Mapeamento dos níveis de fome em Contagem”. Os locais foram escolhidos com base em critérios técnicos que consideram a concentração de pobreza e a dificuldade de acesso da população aos direitos básicos.

Nessa fase, o programa adotou um modelo inovador destacando três aspectos: (i) o reaproveitamento da estrutura de três restaurantes populares municipais para a produção das refeições; (ii) o uso de dados integrados para o já mencionado mapeamento das áreas mais vulneráveis do município; e (iii) planejamento integrado com a assistência social, saúde e educação. Esse formato permitiu a expansão do serviço sem a necessidade de novas equipes ou novas estruturas físicas, primando pela economicidade de recursos e maior agilidade na implementação. Foram mobilizadas diferentes políticas públicas; buscou-se o cruzamento de informações e a complementaridade de agentes do setor público e da Fundação João Pinheiro.

São atendidas diariamente, de segunda a sexta-feira, 439 famílias – totalizando 1.304 pessoas. Esse número é variável, oscilando de acordo com o fluxo de entrada e saída dos beneficiários. A comida é preparada nos restaurantes populares do município e distribuída, em embalagens descartáveis, nos pontos de atendimento, localizados em escolas públicas. A escolha das escolas como locais de distribuição é parte do arranjo intersetorial que visa facilitar o acesso dos beneficiários. A entrega ocorre no horário do almoço (11 h às 12h30min), permitindo que as crianças consigam almoçar, considerando os dois turnos escolares.

A ação das cozinhas comunitárias vai muito além do fornecimento das refeições, oferecendo um cardápio de ações voltadas à promoção da cidadania, ao protagonismo e à inclusão produtiva. Usuários são orientados a se cadastrarem no CadÚnico, acessarem outras políticas públicas, participarem de encontros periódicos e conferências, onde recebem orientação sobre direitos sociais, alimentação adequada e saudável, geração de renda, agricultura urbana, entre outros temas. O acompanhamento das famílias é realizado de forma integrada pelas equipes da segurança alimentar e da assistência social.

Essa experiência se destaca também por incentivar a autonomia dos beneficiários. Pessoas desempregadas podem ser contratadas para trabalhar nos próprios restaurantes populares. Um exemplo inspirador é o de uma beneficiária que, após ser atendida pela equipe de assistentes sociais, foi contratada como auxiliar de cozinha, promovida a cozinheira e hoje ocupa o cargo de chefe de cozinha em uma das unidades.

O programa segue o princípio da governança compartilhada e é regulamentado pelo já citado Decreto Municipal nº 979/2023, que estabelece o fluxo de entrada, permanência e desligamento das famílias. A porta de entrada são os Centro de Referência de Assistência Social (CRÁS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A família encaminhada é visitada pela equipe de assistentes sociais que realiza a avaliação socioeconômica. Es- tando dentro dos critérios de seleção, o titular assina um termo de compromisso e a família começa a receber as re- feições. Em caso de lotação, a família é colocada em uma fila de espera.

A iniciativa também conta com o apoio da sociedade civil e de instituições de ensino, como a Casa de Apoio, a PUC Minas e a cozinha solidária Ipê Amarelo. Algumas particularidades caracterizam este último caso. A cozinha solidária é uma iniciativa da sociedade civil que atua de forma complementar à cozinha comunitária presente em uma das regiões. A Prefeitura, por meio do Centro Municipal de Agricultura Urbana, apoia a horta comunitária integrada à cozinha em espaço cedido pela Casa de Apoio. A PUC Minas desenvolve ali o Projeto de Extensão denominado “Projeto Esperança”, que visa fortalecer as capacidades comunitárias e de cidadania dos beneficiários. São exemplos de articulação em rede, que vem se fortalecendo para combater a fome e garantir direitos de forma coordenada.
Os principais desafios apontados são:

(i) a insuficiência de recursos para a ampliação do programa para outros territórios vulneráveis;

(ii) os processos de comunicação com os beneficiários que necessitam de melhorias, visando aumentar a participação e o protagonismo social;

(iii) a falta de indicadores para aperfeiçoar as estratégias de monitoramento sobre os impactos desse programa na vida das famílias envolvidas.

A experiência de Contagem mostra que é possível desenvolver políticas públicas eficazes, mesmo diante de contextos desafiadores. Com base em planejamento técnico, transparência, gestão intersetorial e foco na dignidade e no direito das pessoas. As cozinhas comunitárias representam um modelo de política social transformadora, capaz de inspirar outras cidades brasileiras.

Referências:

CONTAGEM. Câmara Municipal. Lei nº 4276, de 15 de julho de 2009. Disponível em: http://leis- municipa.is/idepg. Acesso em 15 jun. 2025.

CONTAGEM. Prefeitura Municipal. Decreto Municipal nº 979, de 18 de setembro de 2023. Disponível em: http://legislacao.contagem. mg.gov.br/legislacao/view/161295. Acesso em: 15 jun. 2025.

CONTAGEM. Prefeitura Municipal. Decreto Municipal nº 935, de 03 de agosto de 2023. Disponível em: http://legislacao.contagem.mg.gov.br/legis- lacao/view/862055. Acesso em: 15 jun. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Programa de Cozinhas Comunitárias. Disponível em: https://www.gov.br/mds/cozinha. Acesso em: 15 jun. 2025.

BELO HORIZONTE. Fundação João Pinheiro. Relatório Final Mapeamento dos níveis de Fome em Contagem. Maio, 2022.

SOBRE A CIDADE
De acordo com o último Censo de 2022, realizado pelo IBGE, o município de Contagem possui 621.825 habitantes, com densidade demográfica de 3.193,20 habitantes por km² distribuídos em uma área de 194,732km². O Produto Interno Bruto (PIB) per capita é de R$ 54 136,41 colocando o município na 801ª posição no ranking nacional. O Mapa INSAN classifica o município com grau de vulnerabilida- de nutricional médio, refletindo a importância da governança de políticas públicas de promoção de segurança alimentar e nutricional.

A Lei Municipal nº 3.944, de 25 de julho de 2005, instituiu o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSAN) e criou o Fundo Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (FUMSAN). Em 2013, o município formalizou sua adesão ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Pos- teriormente, por meio do Decreto nº 1.391, de 14 de janeiro de 2020, foi instituído o Comitê Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. Esses marcos demons- tram o fortalecimento contínuo da estrutura de governança local.

O município de Contagem conta com uma estrutura consolidada de políticas e equipamentos voltados à segurança alimentar e nutricional. Atualmente, são mantidas sete Cozinhas Comuni- tárias, localizadas em diferentes territórios, que atendem 437 famílias cadastradas, com uma oferta média de 1.300 refeições diárias. Além disso, o município opera três Restaurantes Populares, que juntos fornecem cerca de 57.500 refeições por mês à população em situação de vulnerabilidade. No que se refere às políticas de abastecimento alimentar, Contagem conta com dois Bancos de Alimentos. Um deles, gerido pela administração municipal, possui 32 parceiros doadores e beneficia diretamente 57 instituições socioassistenciais. O município também realiza a aquisição de alimentos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), benefi- ciando 30 instituições e promovendo a inclusão produtiva de 48 agricultores familiares e quatro cooperativas locais. Destaca-se, ainda, a atuação da gestão municipal no apoio às feiras e hortas urbanas. O município mantém três feiras livres convencionais, com suporte técnico, administrativo e de infraestrutura, além de dez feiras com produtos orgânicos e de base agroe- cológica, que recebem o mesmo tipo de apoio. Quanto à produção urbana de alimentos, Contagem possui um total de 43 hortas: sendo 16 hortas institucionais em equipamentos de educação e outros espaços públicos, 16 hortas institucionais ou comunitárias vinculadas a equipamentos de saúde e assistência social, e 11 hortas comunitárias independentes.

Outro ponto de destaque é a existência de uma legislação específica voltada à agricultura urbana: a Lei Municipal nº 4.276/2009, que estabelece diretrizes para a Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) no município, pro- movendo o fortalecimento da produ- ção local e sustentável de alimentos. Além disso, o Município de Contagem reformulou o Plano Diretor, no qual foi reconhecida a zona rural, represen- tando 29% do seu território. O Plano Diretor preconiza também o Direito à Alimentação Adequada e Saudável como acesso à cidade e qualidade de vida e o uso sustentável dos recursos hídricos e das áreas disponíveis com a finalidade de produção de alimentos e turismo rural. Por fim, vale mencio- nar que Contagem mantém parcerias estratégicas com outros entes fede- rativos, como a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, voltadas à modernização das cozinhas comunitárias. O município também integra redes e iniciativas na- cionais e internacionais relacionadas à segurança alimentar e nutricional, como o LUPPA (Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares), o ICLEI, a Rede Metropolitana, Mineira e Brasileira de Bancos de Alimentos, e a Rede Metropolitana de Agroecologia, demonstrando o compromisso com o avanço das políticas públicas de SAN no território.

Referências:

IBGE Cidades: https://cidades.ibge.gov.br/
https://www.gov.br/mds/pt-br/caisan/monitora- mento-da-san/mapa-insan.

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