Valor Econômico – 25/08/2022
Presidente contém arroubos para evitar que onda antibolsonarista liquide a parada no primeiro turno
A contenção do presidente no “Jornal Nacional” é parte de sua estratégia para evitar que a onda do antibolsonarismocontamine a reta final da campanha e favoreça uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiroturno.
Ao conter a propensão ao escárnio, Jair Bolsonaro não quis dar motivos para que seu eleitor se movesse em buscade tempos mais normais. Quis evitar, ainda, que os eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet tomem a raia do votoútil em Lula movidos por um basta a seus arroubos e à vergonha de ser bolsonarista. Sai a lacração e entra o bommoço.
Beneficiado pelo antipetismo em 2018, Bolsonaro agora teme o inverso. Por isso, conteve-se ante osquestionamentos sobre o boicote do governo à prevenção na pandemia, o autoritarismo e o desleixo na educação.
Presidente se contém para evitar onda antibolsonarista
Em 2018, além de Fernando Haddad, o antipetismo derrubou também o ex-governador Geraldo Alckmin. Em SãoPaulo, Estado que governou por quatro mandatos, Alckmin terminou em quarto lugar, com menos de dois dígitos, eBolsonaro liderou, com 53% dos votos, sete pontos percentuais acima do desempenho nacional. No cômputo geral,Alckmin obteve 4,7% dos votos, quando as pesquisas lhe davam o dobro nas semanas que antecederam o primeiroturno.
A placidez do presidente começou a ser desafiada no dia seguinte ao “JN”, quando o ministro do Supremo TribunalFederal, Alexandre de Moraes, autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão e a quebrar os sigilos bancário etelefônico dos empresários bolsonaristas investigados por suposta organização criminosa contra o Estado de direito.
A operação respondeu a uma ação protocolada por entidades civis depois que o jornalista Guilherme Amadodivulgou a existência do grupo de WhatsApp. Foi colocada uma ratoeira na toca da contenção em que Bolsonarobuscou refúgio, mas ele tem sido capaz de contorná-la. A primeira reação do presidente, num encontro empresarialem São Paulo, no mesmo dia da operação da PF, foi contida, mas o maior teste virá mesmo no debate de estreiaentre candidatos no domingo.
A atitude igualmente ponderada de Ciro Gomes no “JN” também favorece Bolsonaro. Ao conter a verborragia,reconhecer a agressividade e falar com mais humildade do que de costume, o candidato do PDT também semostrou disposto a lutar para manter seu eleitor até o fim.
Não vai ser fácil. Ciro arrisca ter o pior desempenho das quatro disputas presidenciais de que participou, comvotações decrescentes, desde 1998. A começar do seu Estado, onde venceu nas três vezes (1998, 2002 e 2018).Agora Ciro enfrenta um racha na aliança local entre PDT e PT e está em 3º lugar na escolha presidencial doscearenses.
Um abandono de Ciro pelo voto útil pró-Lula, porém, é um movimento de mais difícil coordenação que o de Alckminem 2018 porque pulverizado no país. Apesar de não liderar no seu Estado, é no Ceará que vai melhor nas pesquisas,com uma média de 14% dos votos. Acontece que o Ceará tem apenas 4% do eleitorado nacional, menos de umquinto do paulista (22%).
Um movimento de voto útil pró-Lula tem uma terceira dificuldade. Ao contrário do antipetismo de 2018, oantibolsonarismo ainda está por demonstrar o mesmo enraizamento nos palanques locais. Dificilmente o fará coma mesma força do movimento que impediu a volta do PT ao poder quatro anos atrás porque o vento da antipolíticaestancou.
Bolsonaro não apenas fez do PSL a maior bancada na Câmara, como tirou Wilson Witzel (RJ), Ibaneis Rocha (DF) eComandante Moisés (SC) do anonimato, alavancou as candidaturas de João Doria (SP), Eduardo Leite (RS) e RomeuZema (MG) e colocou no Senado nomes improváveis como Major Olimpio (SP), Arolde de Oliveira (RJ), Eduardo Girão(CE) e Styvenson Valentim (RN).
Se este movimento não existe mais, tampouco se vê o inverso. Na montagem dos palanques do PT não háargamassa que dê a Lula a amplidão de 2002, quando o ex-presidente ganhou em 26 unidades da Federação. Masseu desempenho até aqui sugere que vá muito além dos 9 Estados vencidos por Fernando Haddad em 2018 – todoo Nordeste (menos o Ceará), e o Pará.
O PT tem aberto flancos impensáveis em 2018, a começar pelo Rio Grande do Sul. Apesar de a candidatura petistaao governo ser pouco competitiva, a cola entre o bolsonarismo e o ex-ministro e candidato do PL, Onyx Lorenzoni,pode levar Eduardo Leite (PSDB) a um pacto de sobrevivência com Lula.
A candidatura do ex-governador gaúcho Olívio Dutra ao Senado é o principal palanque petista da região. Em SantaCatarina está difícil para Lula até organizar uma viagem, duas vezes adiada. E, no Paraná, o governador Ratinho Jr.caminha tão confortavelmente para a reeleição que Roberto Requião ameaça jogar a toalha.
No Sudeste, Lula mantém vantagem mais larga em São Paulo do que no Rio e se esparrama confortavelmente emMinas. Favorito à reeleição no Estado, Zema já disse que com Lula não vai. A declaração foi entendida, no PT, comouma tentativa de barrar o crescimento do senador Carlos Viana (PL), palanque bolsonarista no Estado. Ex-locutor derádio e ex-apresentador de TV, Viana pode surpreender com o início do horário eleitoral gratuito, tirar votos de Zemae forçar um segundo turno deste com Alexandre Kalil (PSD).
No Norte, Lula mantém-se favorito no Pará, aliado àquele que é o governador mais bem posicionado à reeleição,Helder Barbalho (MDB), está à frente no Amazonas, enfrenta as mesmas dificuldades de 2018 em Rondônia eRoraima e pode recuperar terreno no Amapá, onde dois candidatos de centro-esquerda disputam o governo, e noAcre, onde os irmãos Vianna, Jorge e Tião, tentam voltar ao jogo.
A recuperação de espaços no Sudeste pode garantir a Lula o colchão de votos para encarar o revés no Centro-Oeste,que não apenas é dominado por Bolsonaro como tem duas outras candidaturas presidenciais, Simone Tebet (MDB)e Soraya Thronickle (União). A cassação do deputado federal Neri Geller (PP-MS) pelo TSE, privou Lula de seuprincipal articulador na região e no agronegócio.
De 2018 para cá, esvaíram-se 10 milhões de votos de Bolsonaro. Apesar da maior deflação das últimas décadas, opresidente terá dificuldade em recuperar o poder de compra dos mais pobres em curto espaço de tempo. Além deexpor, para além da bolha, cenas como a imitação da vítima de Covid, a TV cotejará os legados. Contra acomparação, que lhe desfavorece, faz o que lhe resta: jogar Lula na fogueira do fundamentalismo religioso e posarde bom moço.
Maria Cristina Fernandes é jornalista.