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Michele Caldeira: Tornando visíveis os invisíveis

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“Estamos no caminho certo”. Foi com esse sentimento que nós, trabalhadores da Assistência social de Contagem, iniciamos a nossa semana. A notícia sobre a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que determinou o prazo de 120 dias para que o governo federal e os municípios elaborem um plano de atenção e cuidado às pessoas em situação de rua, chegou logo após realizarmos a nossa 14ª Conferência Municipal de Assistência Social de Contagem, e também de apresentarmos os resultados do nosso I Censo da População em Situação de Rua no município (Censo Pop Rua). Coincidência? Não. A decisão do magistrado inclui a necessária construção de um diagnóstico sobre essa população a fim de embasar a construção de políticas públicas destinadas a esse fim. Conhecer para atuar de forma assertiva, é justamente nisso que acreditamos.

O I Censo Pop Rua Contagem realizado e analisado em 2022/2023, se dedicou justamente a conhecer o perfil das pessoas em situação de rua, por meio de entrevistas realizadas junto à população que se encontra nessa condição atualmente. Buscamos apreender questões fundamentais no que se refere a esse grupo: principais razões para se viver na rua, o tempo de permanência nessa situação, a escolaridade, os vínculos familiares, o acesso a programas sociais, as condições de saúde, dentre outras. Conhecer as pessoas em situação de rua a partir de suas próprias narrativas e da sua realidade de vida foi uma demanda da prefeita Marilia Campos, para que esses dados nos dessem uma visão mais ampla sobre a dimensão e a complexidade envolvidas na questão. A realização da pesquisa e análise dos dados vêm desde então nos auxiliando na construção e efetivação de programas e serviços de qualidade para as pessoas que vivem nas ruas.

Essa decisão do ministro, provocada por outros atores sociais e políticos, chama a atenção para a urgência na tratativa dessa questão invisibilizada que se tornou ainda mais dramática no contexto da pandemia da COVID-19. Desde o início da grave crise sanitária, com notáveis consequências econômicas e sociais, as condições precárias de vida da população que vive em situação de vulnerabilidade e risco social têm se agravado no país. Somou-se a isso a intensa precarização decorrente da falta de investimentos no campo das políticas e programas sociais ao longo de todo o governo Bolsonaro, o qual deixou marcas profundas incluindo um aumento significativo da pobreza em todo o país. Segundo pesquisa realizada pelo Ipea (2023), no que diz respeito à população em situação de rua no Brasil, estima-se que em 2022 havia cerca de 281.472 pessoas nessa condição. O estudo demonstrou que entre o período de 2019 a 2022 houve o crescimento de 38% dessa população, e compreendendo o período decenal de 2012 a 2022, o crescimento foi de 211%. (NATALINO, 2022). São números que traduzem a urgência da questão.

E o que o nosso Censo Pop Rua nos mostrou? Nas entrevistas realizadas com 349 pessoas em situação de vida nas ruas em Contagem, identificamos que, seguindo o perfil identificado no país, essa população é majoritariamente masculina, autodeclarada como preta ou parda e em sua maior parte em idade laboral. Dentre os entrevistados, mais de 90% têm vínculo com o município de Contagem, ou seja, aqui é o seu lugar de permanência ainda que, de grande parte deles, não seja sua cidade de origem. Um dado importante é que mais de 70% dos entrevistados afirmaram que já encontram nas ruas há mais de um ano e, dentre os motivos para estarem nessa condição, os três mais frequentes são: conflitos familiares, desemprego e uso abusivo de álcool e drogas. Dos entrevistados, pouco mais de 20% afirmaram não ter qualquer vínculo familiar preservado. No que diz respeito ao trabalho, quase 35% dos respondentes afirmaram estar em situação de rua em função do desemprego e que encontram no mercado informal o caminho para a subsistência. Esses são alguns dados desse retrato desenhado através do Censo Pop Rua (DADOS DO I CENSO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE CONTAGEM/MG 2021/2022).

Atenta a esse panorama, a prefeitura de Contagem tem, nos últimos anos, atuado no enfrentamento dessa situação com a construção de políticas públicas integradas voltadas para esse público, ainda que valendo-se apenas de recursos próprios, municipais. Essas políticas têm sido pensadas considerando a complexidade dos desafios que são inerentes à questão como moradia, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho, acesso a saúde e segurança alimentar. Entendemos que uma questão multifacetada demanda de nós ações da mesma forma intersetoriais.

Nesses últimos 2 anos foram criados o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua e a elaboração da Política Municipal voltada para essa população. Fizemos várias reuniões com a rede, com os representantes das secretarias que compõem o Comitê, e muitas assembleias e discussões com as pessoas que utilizam as unidades socioassistenciais e que sabem realmente o que é viver nas ruas. Desses encontros, projetos e políticas foram elaboradas e efetivadas nos possibilitando avançar no reordenamento dos serviços, na oferta do jantar para essa população e trabalhar para ampliar a cobertura de atendimento com a ampliação das equipes do SEAS – Serviço de Abordagem Social, o que inclui o funcionamento do Centro Pop nos finais de semana e aos feriados.

Temos muitos desafios pela frente, mas muito a comemorar, pois Contagem tem avançado nesse caminho. Temos expectativa de que o atual governo federal retome o repasse de recursos para as políticas dedicadas à população em situação de rua, uma vez que nós temos um governo municipal empenhado com um corpo técnico preparado para atuar.

Michele Caldeira é doutora em Psicologia e Subsecretária da Assistência Social de Contagem.

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