Desde que o Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte foi anunciado por Zema como a grande solução para trânsito e logística da região, me pergunto: a quem serve esse “progresso”? Em Contagem, o traçado da Alça Oeste atingirá a vida de 7.000 famílias que moram às margens do futuro caminho e ameaça diretamente 76 comunidades tradicionais que preservam saberes, rituais e memórias ancestrais.
Para piorar, o que muitos celebram como “solução viária” é bancado com o dinheiro do crime da Vale em Brumadinho. Dos R$ 37,68 bilhões do acordo de reparação firmado em 2021, cerca de R$ 3 bilhões foram destinados ao Rodoanel. Recursos que agora alimentam um novo crime, pois esse traçado atinge diretamente 76 comunidades tradicionais em Contagem. Usar fundos destinados a reparar uma das maiores tragédias socioambientais do país para construir uma estrada que arrasa territórios sagrados e modos de vida ancestrais é transformar compensação em violência: substituir um crime por outro.
No dia 24 de abril de 2025, realizamos na Câmara Municipal de Contagem uma audiência pública para debater, em profundidade, os impactos do Rodoanel sobre as comunidades tradicionais e denunciar o descumprimento da Convenção 169 da OIT. Convocada e presidida por mim, vereadora Moara Saboia, a sessão reuniu Baba Everton (representante dos terreiros), o Professor Matheus N’Golo, as Dras. Izabela e Alexia (Comissão de Direitos Humanos da OAB), a Dra. Bárbara Brasil (Procuradoria Geral do Município) e João Pio (Superintendente de Igualdade Racial), além de 15 representantes de comunidades tradicionais de Contagem. Todos trouxeram relatos sobre a ausência de consulta prévia, livre e informada e exigiram respeito aos seus direitos históricos, culturais e territoriais.
Logo após aquela audiência, ficou claro: quilombolas, anciãos de saberes ancestrais, agricultores familiares e povos de terreiro não pediram essa estrada. Queriam, sim, ser ouvidos conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, norma supralegal que garante a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé. Entretanto, não houve verdadeira escuta, muito menos consentimento. O governo Zema promoveu audiências genéricas, cheias de jargão técnico, inacessíveis a quem de fato será atingido.
E não é só a Convenção que foi ignorada. A própria Constituição Federal foi violada. Os artigos 215 e 216 asseguram a proteção à cultura e à memória dos povos brasileiros, proteção das expressões religiosas à relação espiritual com a terra. Ainda assim, o traçado invade espaços sagrados, como o Ilé Ogodo Lomiwa, onde o atual traçado passará em cima, matando a árvore de Iroko considerada sagrada e com ela matando também a memória história de cultos e consagrações.
Além disso, a represa Várzea das Flores, reservatório que abastece 12 municípios com 1 400 litros de água por segundo, está ameaçada. Construir o Rodoanel por essa bacia é ameaçar a subsistência de milhares de pessoas e desrespeitar o Novo Plano Diretor de Contagem, aprovado com ampla participação popular e que proíbe estradas na bacia hidrográfica.
Faço um apelo a Zema: para quem é esse “desenvolvimento”? Para grandes construtoras e para o lobby do transporte de cargas de minério? Porque, para o povo de Contagem, em especial os mais pobres e historicamente marginalizados, resta medo, insegurança e a sensação de que seus direitos são invisíveis.
Desenvolver não pode significar atropelar a vida, o território e a cultura de quem vive aqui há gerações. Defender a consulta prévia é defender a democracia real, aquela que nasce na escuta respeitosa e no protagonismo dos atingidos. Proteger a Várzea das Flores é garantir o direito sagrado à água, à memória e à continuidade dos ciclos naturais.
Por isso, reafirmo: não sou contra infraestrutura nem melhorias de mobilidade. Sou contra um “progresso” que deixa um rastro de destruição, acelera sem olhar para trás e atropela direitos consagrados. É hora de frear o traçado atual, revisar o projeto com a participação efetiva das 76 comunidades e das 7 000 famílias de Contagem e provar que um novo Rodoanel só será legítimo se for construído com justiça, diálogo e respeito.
Moara Saboia é vereadora pelo PT em Contagem e dirigente nacional do Partido.