Para quem acompanha a política em Contagem, a noite de 25 de abril deste ano tornou-se memorável. A reinauguração da praça Tancredo Neves, em frente a sede do poder executivo, seria apenas mais um evento dos muitos que a Prefeitura faz. Discurso, descerramento de placa alusiva ao equipamento restaurado, e, claro, boa música. A banda Lurex estava presente e era a garantia de um bom show.
O palanque estava cheio. Presenças ilustres. O lugar abarrotado de gente. Povo que chegou de vários lugares para conhecer as novidades: paisagismo renovado, quadras ainda com o frescor da pintura, pistas de skate feitas ao gosto dos praticantes do esporte, brinquedos novos. Belezuras. Tudo de bom gosto e qualidade, sendo entregue para deleite de cidadãos e cidadãs de todas as faixas etárias.
Mas quem roubou a cena foi Ademir Lucas. Do auto dos seus 81 anos, visivelmente debilitado, ele aprumou a voz e reviveu seu auge como prefeito de dois mandatos, um dos cargos públicos que ocupou ao longo de sua trajetória. Tucano de primeira linhagem, foi um dos fundadores do PSDB em 1988, após romper com o padrinho Newton Cardoso e deixar o PMDB. Foi quatro vezes deputado estadual, secretário de Trabalho e Ação Social e de Esportes, Lazer e Turismo do Estado de Minas Gerais. Também foi deputado federal por dois mandatos.
Ademir fez algo inesperado naquela noite, para a qual foi convidado. Raro de se ver. Dirigiu elogios à prefeita do município, mulher que trabalha pelo povo e merece todo o reconhecimento, disse ele, que finalizou pedindo aplausos para Marília.
Mas, afinal, o que isso tem de extraordinário e porque deixou as pessoas arrepiadas, emocionadas? Explica-se. Marília e Ademir foram adversário ferrenhos. Em 2004 e em 2008 ela o derrotou nas urnas. Em ambas as eleições a disputa foi decidida no segundo turno.
Candidato experimentado, Ademir apostou em ataques. Baixarias. Jogo sujo e pesado. Da primeira vez, exercendo o mandato, não acreditava que deixaria o Palácio do Registro. Tinha mais aliados, muitos partidos e a máquina pública ao seu comando. Mas foi atropelado pela deputada estadual que tinha interrompido pela metade o seu mandato de vereadora, conquistado em 2000, para chegar com força e determinação à Assembleia Legislativa em 2002.
Na segunda tentativa, em 2008, o ainda tucano, hoje no Podemos, não foi páreo para a prefeita petista que tinha conquistado a população com o seu jeito diferente e melhor de fazer política, se fazendo presente na cidade e na vida contagense. Ele bem que tentou. Mentiu. Omitiu. Atacou com todas as armas. Teve até um jornal, Preto no Branco, infame, que foi acionado em processo judicial por injúrias, difamações e calúnias. Não deu certo. Ele perdeu de novo.
Mas naquele palanque, não havia distância entre os dois. Marília reverenciou Ademir. Deu a ele os méritos que dele são perante a história. Reconheceu o personagem e o seu significado. O tratou com o devido e merecido respeito. Devolveu o carinho recebido. Ofertou palavras generosas. Fez bonita a homenagem.
Não foi a primeira vez que Marília teve gesto de tamanha grandeza. Nas comemorações dos 100 anos de emancipação política do município, ela chamou a todos os ex-prefeitos para que participassem das festividades. Teve shows (Zeca Baleiro!), inaugurações, exposições, concursos, entre outros eventos. Ao todo, entre junho e setembro de 2011, a Prefeitura promoveu 24 eventos institucionais. Dentre eles, o Minas ao Luar na praça Nossa Senhora da Glória e a inauguração da galeria com retratos de todos os mandatários do executivo municipal, no hall da prefeitura.
A prefeita do centenário poderia ter atraído para si os holofotes e tocado sozinha as comemorações. Fez o inverso. No tapete vermelho que foi estendido nas escadarias, desfilaram seis dos ex-prefeitos que a antecederam: Newton Cardoso, Ademir Lucas, Paulo Matos, Guido Fonseca, Altamir Ferreira, José Luiz Foureaux de Sousa. Provavelmente foi o único momento em que eles estiveram juntos, lado a lado. Um momento que não voltou e não voltará a se repetir. E que entrou para a história, graças a primeira e única mulher a governar Contagem e a que por mais tempo administrou o município. A mesma que, 14 anos depois reencontrou Ademir na praça que ele construiu, que ela reformou de novo e que é patrimônio popular.
Hamilton Reis é jornalista e advogado