A ideia histórica e sistematicamente repetida de que o capitalismo é o único sistema possível, pior: que o capitalismo deu certo, é uma das maiores desonestidades desta vida. Mas essa narrativa, além de falsa, serve para esconder as origens violentas e excludentes de um sistema que se sustenta à base da exploração e da desigualdade. E que precisa ser superado.
Entenda: o capitalismo não foi uma escolha livre das pessoas. Ele não foi eleito em assembleias populares, não surgiu de um debate aberto sobre como a humanidade deveria viver e nem se estabeleceu organicamente. Ele foi construído à força, no rastro da expansão marítima europeia, dos cercamentos de terras na Inglaterra, da colonização de territórios na África e nas Américas, do extermínio de povos originários e da escravização de milhões de pessoas.
A história do capitalismo não começa com progresso, mas com expropriação. O sistema se consolidou com base na remoção forçada de comunidades camponesas de suas terras, na destruição de modos de vida coletivos e no uso da violência como ferramenta de expansão econômica. O lucro nasceu junto com o sofrimento de muita gente. O capital não surgiu do trabalho livre, e sim do trabalho arrancado sob ameaça, dor e genocídio.
Friedrich Engels explicou que as transições entre modos de produção — do feudalismo ao capitalismo, por exemplo — não acontecem por ideias bonitas ou escolhas morais, mas por contradições concretas. Por conflitos, por interesses, por força. E se o capitalismo venceu essas disputas, não foi por consenso, mas por imposição.
Esse sistema se mantém por meio da desigualdade. Ele precisa de grandes diferenças para continuar funcionando: entre países, entre raças, entre gêneros, entre classes sociais. Quer um exemplo: bilionários viram seu patrimônio líquido subir 42%, totalizando US$ 12,7 trilhões durante a pandemia da Covid-19, segundo dados da Oxfam, enquanto a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. Naquele período, surgia um bilionário a cada 26 horas, ao passo que morria uma pessoa a cada quatro segundos. No Brasil, as 10 pessoas mais ricas acumulam a riqueza equivalente a de 60% da população do país, ou seja, 128 milhões de brasileiros. Leia pausadamente: 10 indivíduos têm a fortuna de 128 milhões de pessoas.
Ou seja, o capitalismo precisa de mão de obra barata, de terras “disponíveis”, de recursos naturais a serem explorados. E quanto mais ele cresce, mais concentra riqueza, mais destrói ecossistemas, mais esgota os corpos e as mentes.
Só que o mundo já viveu e ainda vive de outras formas. Povos originários, comunidades tradicionais, redes de solidariedade e formas de cooperação seguem resistindo e mostrando que não é preciso colocar o lucro no centro de tudo para que a vida funcione. O capitalismo é apenas uma forma de organizar a produção e a convivência, em grande medida colocando homens brancos ricos de um lado, o resto da humanidade de outro. Mas não é a única e definitivamente não é a melhor.
A promessa de liberdade que o sistema capitalista vende é, na verdade, um engodo: liberdade para consumir, mas quem pode pagar? Liberdade para competir, mas as condições e oportunidades são minimamente iguais? Liberdade para ser “dono do seu destino”, enquanto seu tempo está nas mãos do seu chefe. O capitalismo é um moinho. Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos. Vai reduzir as ilusões a pó, e vai te culpar por não se esforçar o bastante. Eita, Cartola!
Mas, e se a culpa não for individual? E se estivermos todos dentro de uma engrenagem que foi construída para beneficiar alguns poucos enquanto esgota a maioria? Se olharmos com honestidade, veremos que as crises sociais, ambientais e emocionais que enfrentamos hoje são sintomas de um sistema que prioriza o acúmulo acima da vida.
Repensar esse modelo não é radicalismo, mas sim necessidade. O planeta está em colapso. O trabalho não garante sustento para a maioria esmagadora. A ansiedade virou rotina. O tempo livre virou privilégio. Tudo isso é estrutural. É o capitalismo dando certo e funcionando exclusivamente para quem o opera e impõe.
Maio é o mês do trabalhador. É tempo de lembrar que o trabalho deveria servir à vida, e não o contrário. E que todo sistema que se retroalimenta do sofrimento de muitos não pode ser chamado de justo e muito menos ser definitivo.
Se o capitalismo não foi uma escolha nossa, nada nos obriga a aceitá-lo como destino. A história não terminou. Ainda é possível reimaginar o futuro e reconstruir a dignidade. Mas isso exige coragem para questionar o que nos foi ensinado como natural para romper com o conformismo. Se o sistema em que vivemos está triturando nossos sonhos, é hora de acordar. Porque mudar o mundo começa por recusar o mundo como ele está.
Rômulo Fegalli é jornalista pós-graduado em Comunicação Pública e Governamental