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Don Pepe

“Cada persona brilla con luz propia entre todas las demás. No hay dos fuegos iguales. Hay fuegos grandes y fuegos chicos y fuegos de todos los colores. Hay gente de fuego sereno, que ni se entera del viento, y hay gente de fuego loco, que llena el aire de chispas. Algunos fuegos, fuegos bobos, no alumbran ni queman; pero otros arden vida con tantas ganas que no se puede mirarlos sin parpadear, y quien se acerca, se enciende.” (Eduardo Galeano)

Fachada da sede atual dos Tupamaros, em Montevidéu. Fonte: Acervo Pessoal.

José Alberto Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1935; no bairro Paso de la Arena, em Montevidéu. Um cidadão filho de pequenos agricultores da República Oriental de modos e traços campesinos. Um floricultor inveterado e de ofício que indelevelmente transbordou e reverberou sua visão romantizada e de muitas cores no decorrer de sua existência.

Mujica se fez tupamaro assim como a fonte de inspiração Tupac Amaru II que guiara os guerreiros incas pelo enaltecimento de Pacha Mama e pela defesa de suas raízes ante o ímpeto dos espanhóis e de Francisco Pizarro. Do alinhamento ideológico e filosófico tupamarista, pela década de 60, o amor desabrochou-se com a companheira de toda uma vida, Lucía Topolansky.

Da enunciação das aventuras e influências de Sierra Maestra, ilusionava-se por veredas da esperança em busca de “otros mundos posibles”. E diante das quimeras e devaneios quixotescos se viu encurralado pelas garras dos condores pelos anos de chumbo que sufocavam qualquer réplica e resquício democráticos.

Despejado brutalmente nos porões e calabouços juntamente com Maurício Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, como bem exposto na película “Uma noite de 12 anos”, de Álvaro Brechner. Em cubículos desprovidos de qualquer dignidade humana. Sem vasos sanitários nem água; em condições degradantes e insalubres; separados por paredes. Criaram um método de comunicação e para jogar xadrez pelos toques sobre as divisórias. Rosencof declarou que: “Nós nos agarramos à vida como uma planta trepadeira se agarra à parede. Se era necessário comer moscas, que para nós eram como passas com asas, comíamos moscas”. E nessa senda, Pepe dialogava com rãs e formigas para que não se fizesse escapar todo o seu discernimento. E nem por isso absorveu qualquer rancor de seus detratores. Sempre vaticinou que o ódio destrói e o amor constrói. E que a cólera e a malevolência são para estúpidos. Dizia-se estoico, tais quais os ensinamentos de Sêneca e Marco Aurélio.

José Pepe Mujica se fez presidente de seu país. Como num sonho. Como se a busca da utopia estivesse mais próxima, embora nunca se chegue a ela para que haja estímulo para continuarmos nosso caminho, bem como os sábios e a vida têm nos ensinado. Disse que se dedicou a mudar o mundo, mas que não conseguira mover palhas tampouco moinhos. E que se divertiu, já que passou seu tempo sonhando, lutando e batalhando.

Mas José Pepe se engana. Com seu modo de ser transformou-se num dos grandes personagens da história; daqueles que conseguem romper inconscientemente e gradualmente um modo de sociedade e de mentalidade. De seu paisito juntou-se ao panteão com Obdulio Varela, Eduardo Galeano e Mario Benedetti. Tornou-se numa figura universal e inspiração para um mundo mais humanista. Viveu toda sua vida na frugalidade. Não abandonou seu reduto rural por nada e nem sequer a riqueza material conseguiu seduzi-lo para que se desfizesse de seus valores simbólicos e espirituais.

José Pepe Mujica nos ensinou a viver profundamente. Dizia ser insustentável, assim como Milan Kundera atestou, viver sem uma causa absolutamente profunda.

E Pepe se foi. Fez de sua vida um grande legado e de sua morte um ato político.

Das homenagens, a bailarina uruguaia Rosina Gil lançou-se ao vento e dançou sob a atmosfera dos propósitos mais nobres e urgentes; e rodopiou defronte a uma epígrafe grafada sobre o muro da qual transcrevo neste derradeiro ato:

Gracias Pepe, por tanta poesía.

Hasta la eternidad.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.

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