Tese da chapa Somos Todos PT em Movimento para o Processo de Eleição Direta do PT (PED) 2025. Representam a tese que concorre com o número 250, Romenio Pereira, Saulo, Ivoneide Souza, João Mauricio e Maria Dizioneide Barroncas. Leia a tese na íntegra:
CONJUNTURA INTERNACIONAL
A reconfiguração da ordem global e o papel estratégico do Brasil na nova geopolítica multipolar
O cenário internacional contemporâneo apresenta uma transformação estrutural de proporções históricas, marcada pelo declínio da hegemonia estadunidense e pelo surgimento de uma nova ordem multipolar. Esse processo não constitui um fenômeno abrupto, mas sim uma transição gradual que vem se delineando desde o início do século XXI, quando as contradições inerentes ao projeto unipolar neoliberal tornaram-se progressivamente mais evidentes. Enquanto os Estados Unidos enfrentam crises econômicas cíclicas, polarização política interna e erosão de sua credibilidade institucional, testemunhamos a ascensão de novos polos de poder que contestam a ordem estabelecida após o colapso da União Soviética em 1991.
Nesse contexto, os BRICS emergem como os principais arquitetos dessa nova configuração geopolítica. O que se iniciou em 2008 como um agrupamento de cinco economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) transformou-se em um movimento de alcance muito mais amplo. A recente expansão para o formato BRICS+, incorporando Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã, com a iminente adesão da Arábia Saudita, evidencia o dinamismo dessa alternativa à governança global ocidental. Uma análise dos dados concretos revela o peso dessa nova configuração: coletivamente, essas nações representam aproximadamente metade da população mundial, mais de um terço do PIB global em paridade de poder de compra e detêm as maiores reservas de recursos naturais estratégicos do planeta.
Este bloco ampliado, somado aos países associados como Bolívia e Argentina (que recentemente manifestaram interesse), e outras nações do Sul Global, como Indonésia e Nigéria, configura o que alguns analistas já denominam de “nova maioria mundial”. Os números são eloquentes: os BRICS+ concentram 45% da população mundial, mais de 35% do PIB global (em paridade de poder de compra) e cerca de 20% do comércio internacional.
Esse deslocamento do eixo de poder não ocorre no vazio histórico. A falsa promessa do “fim da história”, proclamada por Francis Fukuyama após a queda do Muro de Berlim, revelou-se uma quimera ideológica. Enquanto o Ocidente celebrava a suposta vitória definitiva do capitalismo liberal, germinavam as sementes de sua própria crise. A financeirização da economia, os conflitos intermináveis no Oriente Médio e em outras regiões fomentados pelos Estados Unidos – que dependem da beligerância para alimentar os lucros de seu complexo industrial-militar -, a desindustrialização das economias desenvolvidas e o aprofundamento das desigualdades sociais criaram as condições para o surgimento de alternativas viáveis.
A China, com seu modelo singular que conjuga planejamento estatal estratégico e abertura econômica seletiva, sustentado por um Estado robusto e por um setor de empresas estatais dinâmicas que orientam os investimentos e as prioridades econômicas, consolidou-se como o exemplo mais bem-sucedido desse novo paradigma, tendo elevado centenas de milhões de pessoas da pobreza e construído uma potência tecnológica competitiva em escala global.
A reação das potências tradicionais a essa mudança na correlação de forças tem se manifestado por meio de uma estratégia multifacetada de desestabilização. As chamadas “guerras híbridas” combinam intervenções militares diretas (como nas intervenções na Líbia em 2011 e no Iraque em 2003), sanções econômicas unilaterais (aplicadas atualmente contra mais de 30 países), operações de lawfare (como ficou evidente nos casos de Lula no Brasil e Evo Morales na Bolívia) e manipulação midiática em larga escala.
No caso específico do Brasil, os documentos revelados por Edward Snowden evidenciaram de forma irrefutável a espionagem sistemática conduzida pela NSA contra a Petrobras e a Presidência da República. Investigações posteriores corroboraram o financiamento externo a grupos que participaram dos protestos de 2015-2016, que serviram como catalisadores para o impeachment sem base legal consistente – caracterizado como um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. É significativo que esse apoio internacional ao golpismo jamais tenha sido negado pelos próprios agentes envolvidos, tanto financiadores quanto financiados.
A análise comparada demonstra que o processo de desestabilização política no Brasil seguiu um roteiro similar ao aplicado em outros países do Sul Global. As manifestações de 2013, a intensificação da polarização durante a campanha eleitoral de 2014 – particularmente em torno da candidatura de Aécio Neves (PSDB) – e os protestos de 2015, seguidos por uma evidente sabotagem econômica, configuraram um conjunto de ações coordenadas que visavam minar o governo eleito. Esses eventos não podem ser compreendidos como fenômenos espontâneos ou meramente domésticos, mas sim como parte de uma estratégia geopolítica externa, com evidente protagonismo dos Estados Unidos.
Atualmente, identifica-se uma nova onda de desestabilização direcionada contra o governo Lula, agora articulada pelo bolsonarismo. Registros comprovam que setores da extrema-direita brasileira mantêm encontros regulares nos Estados Unidos com o objetivo explícito de coordenar ações contra o governo democraticamente eleito, buscando influenciar o Judiciário, o Legislativo e outras instituições nacionais. O propósito subjacente é transparente: fragilizar a soberania nacional e realinhar o Brasil aos interesses hegemônicos norte-americanos.
Este cenário deve ser analisado dentro de um contexto global mais amplo. A vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses de 2024 ocorre em meio a um processo acelerado de desestruturação do poder imperial dos EUA. Seu governo tem buscado reafirmar o controle sobre áreas estratégicas, com especial ênfase na América Latina – como demonstram as tensões fomentadas entre Venezuela e Guiana, com possível ingerência no Suriname. Essas manobras integram uma estratégia abrangente para manter a influência norte-americana em regiões consideradas vitais para seus interesses geopolíticos e econômicos.
Portanto, a análise das crises políticas brasileiras deve considerar este quadro global complexo, onde a emergência de um mundo multipolar enfrenta a resistência de uma potência hegemônica em declínio, porém ainda capaz de gerar significativas instabilidades em nações soberanas. A preservação da democracia e da autodeterminação brasileira demanda, com urgência, uma compreensão aprofundada desses mecanismos de interferência externa.
O reposicionamento do Brasil neste cenário geopolítico complexo, particularmente após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, tem apresentado avanços notáveis. O governo brasileiro assumiu posições equilibradas e soberanas em questões sensíveis, incluindo:
• A crítica fundamentada à expansão irresponsável da OTAN, fator determinante no conflito ucraniano;
• A condenação inequívoca ao genocídio palestino perpetrado por Israel;
• O papel ativo no processo de expansão dos BRICS.
Contudo, observaram-se hesitações em algumas áreas, como na postura inicialmente ambígua em relação às eleições venezuelanas, posteriormente ajustada para maior consonância com o princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados.
A disputa geopolítica global reflete, em sua essência, uma competição entre dois modelos antagônicos de organização social e econômica.
De um lado, persiste o paradigma unipolar neoliberal, caracterizado por três elementos fundamentais: a primazia do capital financeiro especulativo, o desmonte sistemático dos Estados nacionais e a subordinação das políticas públicas aos interesses de conglomerados transnacionais. Neste modelo, a revolução tecnológica em curso é apropriada por uma pequena minoria que prioriza exclusivamente a maximização de lucros, resultando na exclusão de amplas maiorias trabalhadoras e na degradação acelerada do meio ambiente.
De outro lado, consolida-se progressivamente uma alternativa multipolar que se fundamenta em três pilares: a defesa intransigente da soberania nacional, o planejamento estratégico de longo prazo e a cooperação entre Estados como mecanismo para promover desenvolvimento econômico com efetiva inclusão social.
As consequências dessa transição paradigmática manifestam-se de forma diferenciada pelo mundo:
Na Europa, as políticas de austeridade e o alinhamento automático com os interesses estadunidenses no conflito ucraniano acarretaram uma crise econômica profunda, marcada por processos acelerados de desindustrialização (especialmente visível na Alemanha) e pela ascensão preocupante de forças políticas de extrema-direita.
No Sul Global, observa-se um movimento inverso e promissor, com avanços concretos na construção de instituições alternativas – como o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, sistemas de pagamento em moedas locais que reduzem a dependência do dólar e projetos ambiciosos de integração infraestrutural, destacando-se a Nova Rota da Seda chinesa.
O Brasil ocupa posição central nesta encruzilhada histórica. Nossa capacidade de navegar neste cenário complexo dependerá fundamentalmente de:
1) Clareza estratégica na defesa de nossos interesses nacionais;
2) Construção de alianças sólidas com outros países do Sul Global;
3) Superação das contradições internas que limitam nosso potencial.
A atual crise da ordem unipolar apresenta não apenas desafios, mas oportunidades únicas para repensar nosso lugar no mundo. O projeto de uma ordem multipolar mais equilibrada e justa ainda está em construção, e o Brasil reúne todas as condições para se tornar um de seus principais arquitetos – desde que mantenha o rumo de uma política externa independente e comprometida com o desenvolvimento soberano.
A consolidação dos BRICS+ como alternativa real à governança global ocidental transcende em muito uma simples reorganização de alianças diplomáticas. Representa a materialização concreta da possibilidade histórica de construir uma ordem internacional verdadeiramente democrática, onde diferentes modelos de desenvolvimento possam coexistir e cooperar em bases de igualdade soberana. Trata-se de superar definitivamente o legado de Bretton Woods, a hegemonia do dólar como moeda internacional e o papel do FMI e Banco Mundial como instrumentos de dominação – processo que já se inicia com o Banco dos BRICS, cuja liderança por Dilma Rousseff simboliza esta nova fase.
O caminho à frente é indubitavelmente complexo e repleto de obstáculos. Contudo, as transformações em curso mostram-se irreversíveis. Cabe ao Brasil, consciente de seu potencial e de sua responsabilidade histórica, assumir um papel central neste processo de construção de um novo paradigma civilizatório.
Notas sobre Outros Cenários
No México, as eleições marcaram um momento decisivo na trajetória política do país. A vitória de Claudia Sheinbaum, sucessora de Andrés Manuel López Obrador à frente do partido progressista Morena, assegurou a continuidade do projeto transformador, embora sob novos e complexos desafios. A persistente luta contra a desigualdade social e a violência estrutural mantém-se no centro da agenda governamental, enquanto setores conservadores intensificam seus esforços para deslegitimar as políticas de caráter popular. A despeito dessas pressões, o México consolida-se como um relevante polo de resistência progressista na América Latina, demonstrando a vitalidade das alternativas ao neoliberalismo na região.
No Oriente Médio, a tragédia humanitária do povo palestino atinge níveis cada vez mais dramáticos, com Israel perpetuando sua política de apartheid, ocupação territorial e extermínio sistemático. Nas últimas décadas, a situação em Gaza e na Cisjordânia deteriorou-se a patamares críticos, marcados por bombardeios indiscriminados, destruição de moradias, mortes de civis e um cerco desumano que caracterizamos, no PT e no governo Lula, como um genocídio em curso. O que mais choca nesse cenário é o silêncio cúmplice da comunidade internacional, particularmente das potências ocidentais que, ao fornecer apoio político e militar a Israel, tornam-se corresponsáveis por essa espiral de violência. A paralisia das Nações Unidas diante dessa crise apenas reforça um ciclo perverso de impunidade e desumanização que mobiliza a indignação dos movimentos progressistas em escala global.
É fundamental compreender que tanto o conflito na Ucrânia – alimentado pela expansão irresponsável da OTAN rumo às fronteiras russas – quanto o genocídio palestino integram o que denominamos de “Estratégia do Caos”, arquitetada pelos Estados Unidos e seus aliados. Essa abordagem geopolítica já deixou marcas profundas no Iraque, na Líbia e na Síria, além de fomentar instabilidade em diversas nações africanas. Trata-se de uma fórmula perversa que beneficia o complexo industrial-militar, sabota a soberania de Estados nacionais e obstrui iniciativas de integração econômica autônoma, como a Nova Rota da Seda.
Chama particular atenção a postura contraditória dos Estados Unidos, que violam sistematicamente os acordos estabelecidos desde o governo Nixon – que reconhecia a soberania chinesa sobre Taiwan – para promover uma escalada armamentista na região do Indo-Pacífico. Tanto na gestão Biden quanto na administração Trump, observa-se o mesmo padrão de aumentar tensões regionais com o claro objetivo de desestabilizar e conter o crescimento econômico e a influência geopolítica da China.
Neste contexto desafiador, a solidariedade internacional e o fortalecimento dos laços entre os movimentos de esquerda revelam-se mais necessários do que nunca. A construção de sociedades verdadeiramente justas, que coloquem a dignidade humana no centro de suas decisões políticas, exige a continuidade e o aprofundamento da política externa que o PT sempre defendeu. Isso implica fortalecer alianças com todas as forças democráticas, socialistas, comunistas e progressistas que compartilham nosso compromisso com a soberania dos povos, a paz, a inclusão social e a cooperação para um desenvolvimento justo e uma transição socioecológica equilibrada. Estas devem ser as marcas distintivas de nossa atuação no cenário internacional.
CONJUNTURA NACIONAL
A conjuntura nacional e os desafios do Governo Lula nos próximos períodos
O Brasil vive atualmente um momento histórico de profundas transformações em todas as esferas da vida nacional. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República representou, para amplos setores da sociedade, a possibilidade de reconstruir as bases de um país que sofreu graves retrocessos durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. No entanto, o cenário político atual apresenta desafios complexos: embora tenhamos vencido as eleições presidenciais, atuamos em condições de minoria parlamentar e social, o que exige a construção de uma frente ampla capaz de viabilizar políticas progressistas e democráticas, ao mesmo tempo em que se opõe a tentativas de retrocesso autoritário, golpismo e sabotagem contra o governo eleito e a própria ordem democrática.
A realidade política brasileira atual caracteriza-se por uma polarização intensa que, longe de ser passageira, deve perdurar por um considerável período. Diante deste cenário, nossa resposta deve ser a afirmação vigorosa de um projeto transformador que rompa com os padrões históricos de desenvolvimento construídos ao longo dos últimos cinco séculos.
O cerne de nossa proposta reside na construção de um novo modelo nacional que transcenda os limites da democracia liberal formal, avançando para uma democracia substantiva e radical. Este projeto deve materializar os direitos sociais, culturais e econômicos previstos em nossa Constituição, mediante a edificação de um Estado forte e capacitado para atuar como instrumento efetivo na construção de uma nação verdadeiramente livre, soberana e altiva. Esta visão deve orientar tanto nosso discurso político quanto nossas ações de mobilização institucional e social.
Não podemos nos deixar intimidar pela retórica agressiva da extrema-direita, cujo discurso, embora aparentemente forte, revela-se frágil em seus fundamentos, além de profundamente excludente e comprometido com a manutenção de privilégios das elites econômicas e com interesses estrangeiros que buscam manter o Brasil em posição subalterna. Devemos contrapor a essa agenda com a defesa intransigente de nosso projeto de país: uma nação sem fome ou miséria, com trabalho digno para todos, educação pública de qualidade em todos os níveis – da creche à universidade -, um Sistema Único de Saúde cada vez mais robusto e um Estado capaz de garantir segurança e direitos a todos os cidadãos.
A questão da segurança pública configura-se como elemento central do projeto político do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. Enquanto extensas áreas do território nacional – tanto urbanas quanto rurais – permanecerem sob controle de milícias e do crime organizado, não haverá possibilidade de construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. É crucial reconhecer que somente um Estado forte e comprometido com os interesses dos trabalhadores, dotado de políticas estruturais consistentes, possui condições efetivas de enfrentar essas organizações criminosas.
O atual quadro de insegurança foi dramaticamente agravado pela atuação do bolsonarismo, que historicamente estabeleceu relações de conivência e proteção com milícias e facções criminosas, inclusive garantindo representação parlamentar a setores vinculados a essas organizações. Esta relação promíscua resultou em um preocupante enfraquecimento do Estado brasileiro, tornando-o incapaz de cumprir suas funções básicas de garantia da segurança pública e dos direitos fundamentais da população. Um Estado verdadeiramente eficaz precisa ser suficientemente forte para combater todas as formas de crime organizado – desde as redes de tráfico de armas e drogas até a exploração ilegal de serviços essenciais e a formação de mercados imobiliários paralelos controlados por grupos milicianos.
Segurança Pública, Desenvolvimento e o Enfrentamento ao Crime Organizado
A construção de uma política de segurança pública efetiva vai muito além das ações repressivas tradicionais. Deve estar fundamentada em um conjunto integrado de políticas sociais e econômicas que atuem na prevenção estrutural da criminalidade. O governo Lula vem implementando um projeto nacional que contempla três eixos fundamentais:
1. Educação como base: Através da educação integral e da manutenção da universidade pública como espaço de excelência e inclusão, garantindo oportunidades reais de desenvolvimento e afastando jovens da marginalização.
2. Geração de emprego digno: Criando condições para reduzir a vulnerabilidade social que frequentemente alimenta os ciclos de violência, com especial atenção aos territórios mais pobres.
3. Reindustrialização estratégica: O programa Nova Indústria Brasil representa mais que uma política setorial – é um esforço para reconstruir a capacidade produtiva nacional, gerando empregos de qualidade e fortalecendo nossa soberania econômica.
Contudo, não podemos nos limitar às políticas sociais. É imprescindível desenvolver sistemas avançados de inteligência estatal capazes de desarticular as redes criminosas que se infiltraram em setores do Estado brasileiro. A ação repressiva deve ser focada e estratégica – não se trata de criminalizar a pobreza ou perseguir pequenos delitos, mas sim de identificar e combater os grandes fluxos financeiros ilícitos que conectam o crime organizado a empreendimentos formais, parlamentares e agentes públicos. A verdadeira eficácia está em desmontar essas estruturas de poder paralelo e seus representantes na política institucional.
O Estado que defendemos deve ser forte em sua dupla capacidade: tanto para intervir estrategicamente na economia, direcionando o desenvolvimento nacional, quanto para garantir efetivamente a segurança dos cidadãos. Estas duas dimensões são complementares e interdependentes.
Enquanto avançamos nesta agenda, enfrentamos a oposição feroz dos setores financeiros especulativos – representados pela chamada “Faria Lima” – que buscam desestabilizar o governo precisamente porque nossa prioridade são alianças com os setores produtivos reais da economia. Nosso diálogo inclui pequenos, médios e grandes empresários comprometidos com a geração de riqueza material e empregos, não com a ciranda financeira estéril.
O projeto neoliberal, em seu radicalismo, defende um Estado mínimo que serve apenas aos interesses do capital financeiro, abandonando tanto o desenvolvimento nacional quanto a segurança pública. Esta visão, ao esvaziar o Estado de suas capacidades estratégicas, acaba por criar o vácuo que é ocupado pelas milícias e pelo crime organizado. O bolsonarismo representa justamente a expressão política desta aliança perversa entre financeirização e criminalidade – uma realidade que devemos nomear claramente e combater com determinação.
O programa Nova Indústria Brasil merece destaque especial em nosso projeto, pois transcende uma simples política industrial. Trata-se de uma estratégia abrangente de desenvolvimento sustentável que inclui:
1. Transição energética: Investimentos massivos em fontes renováveis, posicionando o Brasil na vanguarda da economia verde.
2. Infraestrutura urbana: Saneamento básico universal e planejamento urbano integrado como bases para cidades mais justas.
3. Inovação tecnológica: Foco em setores estratégicos como indústria digital, aeroespacial e de defesa.
4. Saúde pública: Fortalecimento contínuo do SUS como sistema universal e de qualidade.
5. Bioeconomia: Desenvolvimento agroindustrial justo e sustentável.
6. Economia criativa: Valorização da cultura como vetor de desenvolvimento.
Esta política deve ser aperfeiçoada constantemente, divulgada amplamente e transformada no carro-chefe de nossa transformação social, articulando uma grande aliança nacional em torno do desenvolvimento soberano, do fortalecimento institucional e da construção de um Estado capaz de cumprir seu papel histórico.
A disputa de projetos nacionais e o desafio da mobilização popular
O Brasil vive hoje uma encruzilhada histórica que opõe dois projetos antagônicos para o país. De um lado, uma visão que coloca o povo, a produção nacional e a soberania como eixos centrais; de outro, um modelo que privilegia o capital especulativo e se alimenta da simbiose perversa com estruturas criminosas. Embora o governo Lula já tenha iniciado a mudança de rumo, é fundamental que a sociedade compreenda a profundidade desta batalha e se mobilize ativamente para sustentar as transformações necessárias rumo a um Brasil mais justo, seguro e desenvolvido.
A construção de uma estratégia eficaz que articule três dimensões é fundamental:
1. A mobilização popular de base
2. A ação organizada dos movimentos sociais
3. As iniciativas políticas do governo
No entanto, temos observado uma desconexão preocupante entre esses níveis. Ao PT, como partido dirigente deste processo, cabe o papel central de organizar esta articulação tríplice em torno de pautas estratégicas. A ausência desta coordenação ficou evidente em momentos cruciais:
1. Na política econômica: Quando o presidente Lula denunciou a atuação de Campos Neto à frente do Banco Central e sua política monetária restritiva, faltou uma resposta organizada da sociedade que transformasse essa crítica em força política concreta. A falta de mobilização permitiu a continuidade de políticas que sufocam o crescimento e o emprego.
2. Na reforma tributária: Não conseguimos construir a pressão social necessária para incluir a taxação de grandes fortunas ou estabelecer um sistema verdadeiramente progressivo, deixando intactos privilégios históricos das elites.
3. Na recente proposta de reforma do IR: A isenção para rendas de até R$5 mil e o aumento de alíquotas para os mais ricos (acima de R$50 mil) novamente esbarraram na resistência de um Congresso conservador, sem que houvesse contrapeso na forma de mobilização popular organizada.
Este padrão recorrente nos obriga a uma reflexão autocrítica profunda: por que as demandas populares não se convertem em força política capaz de alterar correlações de forças?
Identificamos três problemas centrais:
1. Falta de articulação permanente entre governo, partido e movimentos sociais, que frequentemente atuam de forma desconectada.
2. Fragmentação das pautas, com cada movimento atuando isoladamente sem visão estratégica comum.
3. Dificuldade em construir unidade em torno de bandeiras econômicas estruturantes que beneficiem toda a classe trabalhadora.
Os dados são reveladores:
◦ Taxar grandes fortunas traria R$40 bilhões/ano (IPEA).
◦ A isenção para quem ganha até R$5 mil beneficiaria 98% dos trabalhadores formais.
A história nos ensina que as grandes conquistas sociais sempre exigiram pressão organizada. O governo Lula abre uma janela de oportunidade ímpar, mas sem o povo nas ruas e nas instituições, as transformações ficarão incompletas. Este é o desafio central que todos os movimentos comprometidos com um Brasil melhor precisam enfrentar com urgência: superar a fragmentação e construir unidade de ação em torno de emprego, reformas progressivas e combate aos privilégios das elites.
Os desafios estruturais e a construção da unidade popular
O cerne do problema reside em três dimensões fundamentais que comprometem a eficácia das transformações progressistas:
Em primeiro lugar, verifica-se uma crônica desconexão entre governo, partidos aliados e movimentos sociais. Essa falta de articulação permanente resulta em ações desencontradas que diluem o potencial transformador de cada um desses atores políticos. Não se trata apenas de uma questão organizativa, mas de uma fragilidade estratégica que precisa ser superada.
Em segundo lugar, observa-se uma preocupante fragmentação das pautas. Organizações sindicais como a CUT, movimentos sociais como o MST e diversas outras entidades frequentemente desenvolvem suas lutas de maneira isolada, sem conseguir construir uma visão estratégica unificada que potencialize seus esforços. Essa dispersão enfraquece a capacidade de pressionar por mudanças estruturais.
Em terceiro lugar, persiste uma dificuldade histórica em construir unidade em torno de bandeiras econômicas estruturantes que beneficiariam amplamente a classe trabalhadora como um todo. As demandas específicas de cada segmento, embora legítimas, nem sempre conseguem se articular em um projeto comum de transformação social.
Para superar esses obstáculos estruturais, torna-se imperativo:
1. Construir pontes consistentes entre demandas específicas e as grandes lutas nacionais, demonstrando de forma pedagógica como estão profundamente interligadas;
2. Estabelecer uma agenda comum mínima que una os diversos movimentos em objetivos estratégicos compartilhados;
3. Manter um processo permanente de mobilização, rompendo com a cultura de ativismo circunscrito aos períodos eleitorais;
4. Aprimorar substancialmente a comunicação política, traduzindo de forma clara e concreta como as políticas públicas impactam a vida cotidiana dos trabalhadores.
Os dados econômicos reforçam a urgência dessas bandeiras unificadoras: a taxação de grandes fortunas teria um potencial arrecadatório de R$ 40 bilhões por ano, segundo estudos do IPEA, enquanto a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil beneficiaria 98% dos trabalhadores formais. São propostas que conjugam justiça social e eficácia econômica.
A história brasileira e internacional demonstra que todas as grandes conquistas sociais foram fruto de intensa pressão organizada. O governo Lula, embora abra uma janela de oportunidade ímpar para transformações progressistas, não conseguirá avançar sozinho contra os obstáculos estruturais que enfrenta.
A realidade política impõe desafios monumentais: Lula não conta com o número mínimo de parlamentares para evitar manobras golpistas como as que resultaram no impeachment da presidenta Dilma. A mídia corporativa, longe de ser condescendente, mantém-se visceralmente oposta ao programa de desenvolvimento nacional do PT, atuando como caixa de ressonância do projeto neoliberal.
A extrema-direita brasileira, reorganizada em torno do bolsonarismo, apresenta uma força institucional e social preocupante: controla importantes governos estaduais, mantém maioria em diversas assembleias legislativas, possui capacidade de mobilização popular e domina o debate nas redes sociais. Além disso, articula-se internacionalmente com governos conservadores como os de Trump nos EUA e Milei na Argentina, formando uma rede transnacional de ataque à soberania nacional brasileira.
Essa configuração adversa torna a aprovação de projetos e reformas progressistas extraordinariamente complexa. Exige do governo uma habilidade política refinada para negociar, construir pontes e formar coalizões mesmo com partidos que não compartilham dos ideais progressistas. Nesse contexto, as principais bandeiras do governo – como uma política econômica desenvolvimentista, a ampliação das políticas sociais, a agenda ambiental e a valorização dos direitos trabalhistas – enfrentam obstáculos quase intransponíveis no Congresso Nacional.
A extrema-direita brasileira, liderada por Jair Bolsonaro e seus aliados, consolidou um método de atuação baseado na desinformação e nas fake news como instrumentos permanentes de manipulação da opinião pública. Esse fenômeno, que não se limitou ao período eleitoral, continua contaminando o debate público e alimentando a polarização social, representando um dos maiores desafios para a governabilidade democrática.
O enfrentamento sistemático da desinformação exige do governo Lula uma estratégia multifacetada que combine educação midiática, transparência ativa e combate eficaz às notícias falsas, particularmente aquelas amplificadas pelas redes sociais.
Além desses desafios, o governo precisa lidar com severas restrições orçamentárias e com pressões políticas permanentes que assumem diversas formas: desde a sabotagem da política econômica pelo Banco Central, ainda sob o comando de Campos Neto, até a pressão aberta do capital financeiro e de sua mídia especializada. A essas ameaças domésticas somam-se as pressões internacionais, com o governo dos EUA e as Big Techs atuando de forma coordenada para desgastar o governo brasileiro, preparando o terreno para novas tentativas de desestabilização até as eleições de 2026.
Diante desse quadro complexo, fica evidente que a janela de oportunidade aberta pelo governo Lula só se converterá em transformações permanentes mediante uma ampla e organizada mobilização popular. Essa mobilização precisa ser capaz de:
1. Compensar as fragilidades institucionais através de pressão social organizada e permanente;
2. Construir uma nova hegemonia cultural que contraponha a narrativa dominante da mídia corporativa;
3. Proteger o processo democrático contra as constantes tentativas de desestabilização.
A unidade de ação em torno de um projeto nacional desenvolvimentista, democrático e popular não é mera opção estratégica – é condição indispensável para a sobrevivência das conquistas sociais e da própria democracia brasileira.
As lições da história recente mostram que, sem a força organizada do povo nas ruas e nas instituições, mesmo os governos mais comprometidos com as transformações sociais veem seu projeto esvaziado pelas elites econômicas e políticas. O momento exige, portanto, uma resposta à altura desses desafios históricos.
Reconstrução social, democrática e sustentável: um projeto para o Brasil
O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff iniciou um período de rupturas democráticas e retrocessos no país. A chegada da extrema-direita ao poder em 2018, através de intensa manipulação midiática, aprofundou os ataques às conquistas dos trabalhadores, resultando na destruição de políticas públicas essenciais, no enfraquecimento da democracia e no aumento da desigualdade social.
Simultaneamente, a crise climática global evidenciou a necessidade urgente de novos modelos de desenvolvimento. O Brasil, com seu potencial ambiental, deve ocupar papel central nesta transição. Porém, para alinhar justiça social e preservação ambiental, é fundamental superar o modelo neoliberal dominante desde os anos 1990.
Esse modelo, marcado pela financeirização da economia e pelo desmonte de direitos, mostrou-se incapaz de responder aos desafios atuais. A alternativa que defendemos deve combinar:
• Fortalecimento da democracia participativa
• Desenvolvimento com inclusão social
• Transição ecológica justa
• Soberania nacional
A reconstrução que propomos exige tanto a reparação dos danos recentes quanto a criação de novas estruturas que garantam avanços permanentes. Trata-se de um projeto que vai além de um governo específico – é um compromisso com o futuro do país, articulando justiça social, democracia efetiva e sustentabilidade ambiental em um mundo em transformação.
Combate à Desigualdade e Reconstrução da Cidadania
A desigualdade social permanece como obstáculo central para a construção de uma sociedade justa e democrática. Seu combate exige a reconstrução dos instrumentos de cidadania, garantindo acesso universal e equitativo a direitos básicos como educação, saúde, moradia e renda.
As políticas públicas devem transcender o atendimento emergencial, promovendo efetiva emancipação das classes vulneráveis. Programas sociais como o Bolsa Família precisam ser ampliados e fortalecidos, transformando-se de meros mecanismos de alívio da pobreza em instrumentos de inclusão social e autonomia duradoura.
A sustentabilidade dessas políticas depende fundamentalmente de uma reforma tributária progressiva. A taxação de grandes fortunas e rendas elevadas, combinada com a desoneração dos mais pobres, constitui medida essencial para reduzir desigualdades e financiar direitos sociais básicos.
Essas medidas, contudo, não são suficientes. É imperativo reestruturar o Estado para que cumpra plenamente suas funções estratégicas:
• Planejamento e indução do desenvolvimento
• Condução da política econômica soberana
• Garantia dos direitos fundamentais
Tal reorganização estatal deve eliminar espaços ocupados por estruturas paralelas que comprometem a segurança e o bem-estar coletivo, incluindo:
1. Milícias e crime organizado
2. Domínio do capital financeiro sobre a economia
3. Degradação ambiental dos biomas
4. Violação de direitos trabalhistas e sociais
Um Estado eficaz requer força institucional e capacidade de ação. A população deve ser mobilizada para defender seus direitos, numa articulação permanente entre governo, partidos progressistas e movimentos sociais.
Somente com essa abordagem integral será possível transformar as dinâmicas estruturais de exclusão, construindo uma sociedade verdadeiramente equitativa e cidadã.
Reforma Democrática: Participação Popular e Reforço das Instituições
A reforma democrática configura-se como eixo fundamental para edificação de uma sociedade substantivamente justa, inclusiva e participativa. Seu debate deve partir do princípio constitutivo de que a democracia transcende em muito o mero exercício do voto quadrienal, exigindo mecanismos permanentes de protagonismo popular nas decisões políticas e fortalecimento institucional como alavanca de transformação social.
Historicamente, o Partido dos Trabalhadores tem como marca programática a defesa intransigente da centralidade popular no processo decisório. Esta orientação decorre do reconhecimento de que os atuais mecanismos de democracia representativa revelam-se estruturalmente insuficientes para responder às demandas complexas da sociedade brasileira.
A reforma que propomos deve materializar-se em medidas concretas para:
1. Ampliar qualitativamente os canais de participação cidadã
2. Reestruturar as instituições públicas, tornando-as:
◦ Mais transparentes em seus processos
◦ Mais acessíveis à população
– Comprometidas com interesses coletivos
A Participação Popular como Pilar da Democracia
A ampliação da participação popular é um caminho essencial para democratizar o poder. O povo, composto pelas trabalhadoras, trabalhadores e setores historicamente marginalizados, precisa ter voz ativa na formulação de políticas públicas, na fiscalização dos recursos e na definição das prioridades do Estado. Para isso, defendemos mecanismos como:
1. Fortalecimento das Conferências Nacionais: As conferências setoriais, como as de saúde, educação e direitos humanos, são espaços em que a sociedade civil organiza suas pautas e dialoga diretamente com o poder público. É necessário garantir que as resoluções dessas conferências tenham caráter vinculante, assegurando que as deliberações populares sejam efetivamente levadas em conta.
2. Plebiscitos e Referendos Populares: É imprescindível aumentar a utilização de mecanismos de consulta suprapartidária, como plebiscitos e referendos, que possibilitem ao povo decidir sobre questões estruturais, como mudanças tributárias ou privatizações. Essa prática estimula o senso de cidadania e aproxima o governo das pessoas.
3. Plataformas de Participação Digital: A tecnologia pode e deve ser utilizada para construir modelos participativos mais inclusivos, com a criação de plataformas online que permitam consultas públicas amplas, sugestões legislativas diretas e avaliações constantes das políticas implementadas. Essas ferramentas democratizam o acesso ao debate político, especialmente em um país com dimensões continentais como o Brasil.
Reforma das Instituições Públicas
O fortalecimento das instituições democráticas é um requisito necessário para garantir transparência, eficiência e compromisso na execução das políticas públicas. No entanto, para que essas instituições funcionem verdadeiramente a serviço da população, é importante enfrentar alguns desafios estruturais:
1. Combate à Judicialização e ao Ativismo Judiciário: Atualmente, muitos conflitos políticos acabam sendo decididos no âmbito do Judiciário, que por vezes age de forma descolada da vontade popular. A reforma democrática deve incluir mecanismos para garantir que decisões judiciais sejam alinhadas às diretrizes constitucionais e não se tornem instrumentos de interesse político ou econômico.
2. Reforma do Sistema Eleitoral: É imprescindível revisar o modelo eleitoral adotado no Brasil. O financiamento público de campanhas deve ser fortalecido para reduzir a influência de grandes corporações e grupos econômicos no processo eleitoral. Além disso, é necessário ampliar o acesso de mulheres, negros e indígenas às instâncias de poder, e para isso devem-se ter políticas de indução dessa participação.
Tão importante quanto essa participação dos segmentos sub-representados no sistema político é politizar os processos políticos, eleitorais ou não, para que se compreenda a necessidade de defender determinado programa político, econômico e social comprometido com a classe trabalhadora. Não basta ser negro, ser indígena, ser mulher, ser jovem ou LGBTQIA+, mas defender uma política democrática e popular que melhore a vida das amplas maiorias sociais, que crie a progressividade no imposto de renda, que amplie a Educação Integral e as Universidades Públicas, que reindustrialize o Brasil com uma economia descarbonizada, que invista na reconstrução das cidades com urbanização e saneamento básico, e que neutralize as falsas polêmicas da direita midiática, que têm função diversionista.
É importante registrar isso porque a direita já teve representantes dos segmentos identificados como historicamente discriminados, mas que defendiam os interesses do capital financeiro ou dos muito ricos.
3. Meio Ambiente e Transição Justa
Construir um modelo de desenvolvimento que combine sustentabilidade e geração de empregos. O objetivo é implementar uma política pública robusta para a proteção ambiental, ao mesmo tempo que se fomenta uma economia verde, com foco na reindustrialização sustentável, em energia limpa, no incentivo ao agronegócio sustentável e no fortalecimento da agricultura familiar.
Posicionar o Brasil como líder global no combate às mudanças climáticas, garantindo soberania na gestão dos recursos naturais e alinhando preservação ambiental com desenvolvimento econômico não é apenas um objetivo ideológico, mas uma oportunidade única de crescimento para o país – desde que se compreenda o Brasil como uma nação soberana e cientificamente forte, e não apenas como agroexportadora e exportadora de minérios, no papel de neocolônia do imperialismo.
Defendemos o conceito do Brasil como “potência ambiental”, ideia defendida pelo cientista e atual conselheiro do BNDES Carlos Nobre. Essa visão representa muito mais do que uma simples proposta de política ambiental – trata-se de um projeto de nação que reconcilia desenvolvimento econômico com sustentabilidade, posicionando o país na vanguarda da nova economia verde global.
Nobre, um dos mais respeitados climatologistas brasileiros e pesquisador do IPCC, argumenta que o país possui todas as condições naturais e tecnológicas para liderar uma transição ecológica que seja, ao mesmo tempo, socialmente justa e economicamente rentável.
A Amazônia ocupa lugar central nesse projeto de potência ambiental. Ao contrário do modelo predatório de desmatamento que ainda persiste, Nobre propõe o que chama de “Terceira Via Amazônica” – um modelo de desenvolvimento baseado na bioeconomia de floresta em pé, que valorize os ativos ambientais sem destruí-los. Estudos coordenados por ele mostram que a floresta em pé pode gerar valor econômico até sete vezes maior do que atividades como pecuária extensiva ou monoculturas, que hoje dominam a região.
Isso seria alcançado por meio do desenvolvimento de cadeias produtivas baseadas em produtos florestais não madeireiros, fármacos derivados da biodiversidade e sistemas agroflorestais tecnológicos.
A proposta vai além da Amazônia, abrangendo todos os biomas brasileiros. Destacam-se o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e a Mata Atlântica, que possuem potencial igualmente impressionante para uma economia regenerativa. O Brasil já detém tecnologia de ponta em agricultura tropical sustentável, energia renovável e conservação ambiental, que podem ser a base para uma nova matriz econômica.
Transição Energética e Inclusão Social
A combinação entre nossa matriz energética limpa (com 85% de fontes renováveis) e o potencial de sequestro de carbono de nossos ecossistemas coloca o país em uma posição única na geopolítica climática.
No entanto, esse projeto exige rupturas com o modelo atual, pois ainda vivemos sob o que se chama de “visão colonial” do século XX, que trata a natureza como obstáculo ao desenvolvimento. Em seu lugar, propõe-se uma nova mentalidade que entenda os serviços ecossistêmicos como ativos estratégicos.
Isso implica mudanças profundas: desde a reformulação do sistema tributário para premiar práticas sustentáveis até a criação de um novo marco legal que valorize o capital natural.
A dimensão social é outro pilar essencial dessa visão. A transição para uma potência ambiental deve incluir as populações tradicionais – indígenas, quilombolas, ribeirinhos – como protagonistas, e não como obstáculos.
Pesquisas mostram como o conhecimento tradicional, combinado com ciência de ponta, pode gerar inovações disruptivas. Há exemplos concretos: a produção sustentável de açaí na Amazônia já movimenta mais de US$ 1 bilhão por ano, com benefícios diretos para as comunidades locais.
Os riscos de não adotarmos esse caminho são graves. O IPCC alerta que o desmatamento na Amazônia está aproximando o bioma de um ponto de não retorno, no qual a floresta tropical pode se transformar em savana – com impactos catastróficos para a agricultura, o regime de chuvas e a biodiversidade brasileira.
Oportunidade Histórica na Crise Climática
Entretanto, a crise climática representa uma oportunidade histórica: o mercado global de carbono pode valer US$ 100 bilhões até 2030, e o Brasil poderia captar parte significativa desses recursos com políticas adequadas. A concretização dessa visão exige um “Pacto Nacional pelo Desenvolvimento Sustentável”, envolvendo governo, setor privado, academia e sociedade civil. Entre as medidas concretas, estariam:
1. Zerar o desmatamento ilegal imediatamente e o legal até 2030;
2. Massificar a agricultura de baixo carbono;
3. Criar um sistema nacional de pagamento por serviços ambientais;
4. Estabelecer hubs de bioeconomia em todos os biomas;
5. Posicionar o Brasil como líder nas negociações climáticas globais.
Esse projeto não é uma utopia, mas uma necessidade estratégica. Em um mundo que caminha para a descarbonização, o Brasil tem a chance única de se tornar não apenas um fornecedor de commodities verdes, mas um criador de tecnologias e modelos de desenvolvimento sustentável passíveis de serem exportados globalmente.
Essa transformação, se realizada com justiça social e base científica, poderia posicionar o país no centro da geopolítica do século XXI – não como uma potência do passado, mas como arquiteto de um futuro sustentável.
4. Educação e Transformação Cultural
A educação deve ser vista como motor de transformação econômica e cultural, com foco na redução das desigualdades e na formação crítica da população.
O governo Lula tem implementado políticas educacionais significativas, que merecem reconhecimento. Entre os principais avanços, destacam-se:
◦ A expansão da educação em tempo integral;
◦ A revitalização da Rede Federal de Educação Técnica e Tecnológica – que forma anualmente mais de 500 mil profissionais qualificados;
◦ A recriação da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão). Esta secretaria tem sido fundamental para políticas inclusivas, atuando em diversas frentes:
◦ Educação indígena (que atende mais de 250 mil estudantes);
◦ Educação quilombola;
◦ Educação de jovens e adultos (EJA) – que beneficiou 3,2 milhões de pessoas em 2023;
◦ Programas de diversidade.
Desafios Estruturais no Ensino Superior
No entanto, persiste um desafio estrutural no ensino superior. Embora o PAC das Universidades em 2024 represente um avanço importante, com previsão de investimentos em infraestrutura, ainda não houve uma recomposição orçamentária adequada das instituições federais.
Contexto histórico:
1. Entre 2003 e 2015, houve crescimento progressivo nos orçamentos universitários, acompanhado da expansão do sistema federal (criação de 18 novas universidades e 173 campi);
2. A partir de 2016, ocorreram cortes acumulados de cerca de 30% no orçamento das universidades;
3. Durante o governo Bolsonaro, o desinvestimento chegou a níveis críticos, com contingenciamentos que superaram 40% em alguns anos.
Atualmente, as 69 universidades federais – que formam mais de 400 mil profissionais por ano e respondem por 95% da produção científica nacional – enfrentam dificuldades para manter suas atividades básicas. A recomposição orçamentária necessária representaria menos de 0,3% do orçamento federal, mas faria uma diferença crucial para essas instituições, historicamente bases do projeto progressista no país.
Lacunas e propostas:
Outra questão urgente é a ausência de um Plano Nacional de Educação Superior, já que estamos na metade do governo. Esse plano seria essencial para articular:
• As universidades com o projeto de desenvolvimento nacional;
• As políticas de ciência e tecnologia (com destaque para a retomada dos investimentos em pesquisa, que caíram 63% entre 2015 e 2022, mas agora registram forte expansão no governo Lula);
• A educação básica (formação de professores, curricularização da extensão, novas tecnologias educacionais e outras frentes);
• A educação integral e EJA (potencializando experiências bem-sucedidas, como as do Pronera).
Os laços entre esses setores já começam a ser reconstruídos após anos de desmonte, mas poderiam ser muito mais fortalecidos com um planejamento estratégico que compreenda:
• O papel das universidades na inovação tecnológica;
• Sua importância na formação de professores;
• Seu potencial como indutor de desenvolvimento regional (cada R$ 1 investido em universidades gera R$ 4,30 na economia local, segundo estudos da ANDIFES).
A construção deste plano de educação superior é urgente e estratégica. As universidades brasileiras demonstraram sua resiliência durante a pandemia, desenvolvendo vacinas, equipamentos e protocolos que salvaram vidas. Agora, precisam ser reconhecidas como pilares centrais do projeto de reconstrução nacional que o governo Lula propõe – não como despesa, mas como investimento estratégico no futuro do país.
Também há o desafio da aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), cujo projeto de lei foi entregue por Lula ao Congresso Nacional e seu relator foi definido, o deputado do PT de Santa Catarina Pedro Uczai. Temos pela frente o desafio de mobilizar e aprovar esse Plano, que foi resultado de uma grande Conferência Nacional de Educação e que contempla a questão do financiamento – o que entrará em contradição com o novo arcabouço fiscal e pode ser uma boa oportunidade para debater com a sociedade a questão da austeridade fiscal.
Austeridade para que e para quem? Pois não há austeridade fiscal para o pagamento dos juros da dívida pública, e a maioria do Congresso hoje nos aprisiona nessa armadilha.
Entretanto, durante o debate do “Novo Fundeb” em 2020, conseguimos ganhar a opinião pública e, no Congresso, conquistamos avanços que não se rebaixaram aos limites do teto de gastos, o que indica um caminho bom de mobilização da sociedade a partir de demandas concretas como a educação.
Aos 45 anos, o PT precisa de um reencontro consigo mesmo
“Nada de grandioso se fará sem a paixão. Se ela não for o motivo, ela será o motor de todos os grandes projetos humanos” Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
O Partido dos Trabalhadores (PT), completando 45 anos de existência, enfrenta um momento crucial que exige um duplo movimento: reencontrar-se profundamente com suas raízes e o projeto político que sempre orientou sua trajetória, enquanto desenvolve a capacidade de compreender as transformações no mundo do trabalho e na economia. Essas mudanças na base material da sociedade alteram radicalmente o cenário da disputa política e cultural na superestrutura social. O PT precisa assimilar não apenas as novas configurações do trabalho, mas também as mudanças geopolíticas globais, a sociabilidade contemporânea impactada pelas transformações tecnológicas, demográficas e culturais, além da urgência da crise climática.
Esse reencontro com as raízes transformadoras se manifesta na rebeldia consciente – na capacidade de indignar-se diante das injustiças, de sonhar com utopias e de lutar permanentemente por um mundo mais justo, compreendendo que a transformação social é um processo contínuo, como bem destacou Paulo Freire. Essa reconexão com o espírito crítico e antissistema torna-se essencial em um momento histórico marcado por intensa polarização e radicalização política global. Tais fenômenos não são acidentais, mas expressam uma realidade de desigualdades extremas: um mundo onde a extrema direita se mobiliza para preservar privilégios de uma minoria que concentra a riqueza gerada pela revolução tecnológica, enquanto amplas massas populacionais sequer têm a “sorte” de ser exploradas – tornando-se simplesmente descartáveis para a lógica do capital.
Diante desse cenário, qualquer tentativa de fugir da polarização revela-se ilusória. É fundamental enfrentá-la com um projeto alternativo sólido, ancorado em utopias coletivas. O PT tem contribuído significativamente para a esquerda mundial ao defender um socialismo democrático que valoriza a auto-organização dos trabalhadores. Essa concepção política reconhece que a força transformadora está na base social: são os trabalhadores, enquanto produtores de riqueza, que devem construir sua autonomia por meio de sindicatos, movimentos sociais e, finalmente, de instrumentos políticos partidários. Manter viva essa capacidade de organização e indignação torna-se crucial, especialmente em um contexto de ataques sistemáticos aos direitos trabalhistas e de precarização global do trabalho.
Contudo, é igualmente imprescindível compreender que o mundo mudou radicalmente. A disputa política não se restringe mais às estruturas sociais de décadas passadas, pois a base econômica da sociedade se transformou profundamente. Essa disputa ocorre hoje simultaneamente no campo da cultura, da educação, das redes digitais e dos movimentos sociais, paralelamente às transformações econômicas impulsionadas pelo neoliberalismo e pela aceleração tecnológica. Vivemos uma realidade onde a classe operária industrial tradicional diminuiu numericamente, enquanto crescem exponencialmente o subemprego, a informalidade e a exclusão do mercado de trabalho. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2023), mais de 2 bilhões de pessoas trabalham na economia informal em todo o mundo, muitas sem acesso a direitos básicos. Diante dessa realidade, não basta romantizar o passado; é preciso organizar as pessoas para exigir trabalho digno e proteção social em um cenário de capitalismo flexível e predatório.
A polarização atual não se limita ao campo eleitoral – configura-se como uma verdadeira guerra de valores. De um lado, o individualismo e o isolamento social, que fragmentam a solidariedade de classe; de outro, a necessidade imperiosa de respostas coletivas para crises estruturais como a desigualdade social e a emergência climática. Para enfrentar esse cenário, a esquerda precisa compreender as novas formas de exploração, dialogando com as diferentes frações da classe trabalhadora e suas formas de resistência – desde os entregadores por aplicativos até os povos originários em luta por seus territórios. Somente assim será possível reconstruir um projeto de emancipação que una tradição e inovação, raízes históricas e horizontes futuros.
Desde sua fundação, o PT carregou a missão de ser instrumento político das classes trabalhadoras na luta contra as desigualdades e pela construção de um Brasil mais justo. Durante décadas, o partido foi peça fundamental no processo de redemocratização do país, na formulação de políticas públicas progressistas e na transformação concreta de milhões de vidas. No entanto, o contexto político atual e as contradições internas apontam para a necessidade urgente de atualizar seu programa e suas práticas, sem jamais perder de vista sua essência transformadora.
Reafirmar os compromissos de transformação contidos no programa original deve ser um exercício coletivo e democrático, mas não se pode limitar a recuperar formulações do passado. A realidade contemporânea, fluida e complexa, apresenta novas situações de exploração que exigem compreensão sofisticada: a emergência climática, o crescimento do trabalho precarizado, os conflitos geopolíticos e os fluxos migratórios deles decorrentes, a expansão do crime organizado em escala global e a disputa política no ambiente digital hegemonizado pelas Big Techs capitalistas – todos esses elementos devem compor uma estratégia militante que envolva não apenas os dirigentes partidários, mas também filiados, trabalhadores, movimentos sociais e o povo que sempre sustentou a trajetória do PT. Trata- se de um processo que só terá êxito se o partido souber abrir-se para ouvir e incorporar ativamente a realidade das bases ao seu projeto político.
A Fragmentação Social como Estratégia de Dominação e a Reconstrução da Solidariedade
A manutenção do sistema de dominação na contemporaneidade passa necessariamente pela promoção deliberada da fragmentação social e pelo enfraquecimento sistemático dos laços de solidariedade do campo democrático. Esse processo não é espontâneo, mas resulta de uma combinação perversa entre as transformações no mundo do trabalho, a ascensão de discursos de ódio e a reconfiguração das interações humanas em ambientes digitais. Se, por um lado, essa estratégia beneficia claramente aqueles que concentram poder e riqueza, por outro, representa um desafio fundamental para as forças progressistas, que precisam responder com propostas concretas de reconstrução da coesão social.
A destruição dos laços tradicionais de solidariedade manifesta-se de múltiplas formas. No campo laboral, a precarização das relações de trabalho – marcada pela uberização, terceirização e informalidade – dissolve as identidades coletivas que antes se organizavam em torno da classe trabalhadora. Dados do IBGE (2023) revelam que mais de 40% dos trabalhadores brasileiros estão inseridos na economia informal, sem acesso a direitos básicos ou proteção social. Essa realidade não apenas aprofunda a vulnerabilidade econômica, mas também mina a capacidade de organização política, pois trabalhadores fragmentados têm maior dificuldade em reconhecer interesses comuns e mobilizar-se coletivamente. O sindicalismo e os movimentos devem mirar a organização desses setores com pautas amplas de cidadania (moradia, transporte, educação, saúde, cultura, emprego ou apoio a negócios).
Paralelamente, assistimos ao crescimento vertiginoso de fenômenos como xenofobia, racismo e LGBTfobia, frequentemente instrumentalizados por setores conservadores para dividir a sociedade e desviar o foco das causas estruturais da desigualdade. Relatórios da Anistia Internacional (2022) apontam um aumento de 30% nos crimes de ódio no Brasil na última década, evidenciando como o discurso de ódio tem sido eficaz em substituir a solidariedade pela desconfiança mútua. Além disso, as plataformas digitais – que não são neutras, seguindo algoritmos definidos por seus proprietários – tendem a reforçar bolhas ideológicas, criando espaços onde o diálogo é substituído por embates estéreis, polarização e fortalecimento dos interesses político-econômicos dominantes no Ocidente. Estudos acadêmicos demonstram que os algoritmos das redes sociais privilegiam sistematicamente conteúdos que geram engajamento através de emoções negativas, aprofundando assim a fragmentação do tecido social.
Reconstrução da Solidariedade em Novos Paradigmas
Diante desse cenário desafiador, torna-se urgente recuperar e reinventar os mecanismos de construção da solidariedade social. Historicamente, a esquerda brasileira soube fomentar essa coesão através de sindicatos combativos como os que emergiram no ABC paulista e no país inteiro nas décadas de 1970 e 1980, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e dos diversos movimentos sociais que ganharam força durante o processo de redemocratização. Esses espaços não apenas mobilizavam demandas específicas, mas criavam um robusto senso de pertencimento e identidade coletiva, elementos fundamentais para a resistência política e transformação social.
No contexto atual, porém, é preciso reconhecer que as formas tradicionais de organização precisam dialogar criticamente com novas realidades. O surgimento das plataformas digitais, por exemplo, trouxe consigo um novo proletariado – os trabalhadores de aplicativos como entregadores de comida e motoristas de transporte por plataformas – que enfrentam condições brutais de superexploração, mas que também desenvolvem novas e criativas táticas de resistência. A Associação Brasileira de Entregadores por Aplicativo (ABRA) exemplifica como a solidariedade de classe pode ser reconstruída mesmo em setores altamente precarizados. Da mesma forma, movimentos como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e a Coalizão Negra por Direitos demonstram como lutas por moradia digna e contra o racismo podem servir como eixos aglutinadores de comunidades inteiras, reconstruindo laços sociais em territórios periféricos.
A produção cultural também desempenha papel crucial nesse processo de reconstrução da solidariedade. Coletivos artísticos, saraus periféricos e diversos movimentos culturais não apenas oferecem alternativas simbólicas ao individualismo neoliberal, mas criam redes concretas de apoio mútuo e identificação coletiva. Essas iniciativas evidenciam que a disputa por hegemonia não se dá apenas no campo econômico ou político institucional, mas também – e talvez principalmente – no plano afetivo e das subjetividades.
O Mito do Empreendedorismo e as Alternativas Coletivas
Um dos maiores obstáculos à reconstrução da solidariedade é o discurso neoliberal do empreendedorismo, que busca convencer os trabalhadores de que sua precarização representa, na verdade, uma oportunidade de autonomia e realização pessoal. A realidade, contudo, desmente cabalmente essa narrativa ideológica. Pesquisas do IPEA (2022) indicam que 75% dos entregadores por aplicativo ganham menos de um salário mínimo, sem qualquer garantia trabalhista ou proteção social. Da mesma forma, dados do Banco Mundial (2023) revelam que a mobilidade social no Brasil é extremamente baixa, com menos de 5% dos indivíduos nascidos na base da pirâmide social conseguindo ascender ao topo.
Esses números evidenciam que a meritocracia é um mito funcional ao sistema, utilizado para justificar desigualdades estruturais e desmobilizar a luta coletiva. O empreendedorismo, em sua concepção original, refere-se à inovação na atividade econômica, não ao subemprego precarizado. No entanto, o termo foi habilidosamente apropriado pelo discurso neoliberal para encobrir situações de profunda exploração.
A alternativa a esse cenário de fragmentação não está na resignação individual, mas na construção coletiva de modelos econômicos baseados na cooperação e na solidariedade orgânica. Experiências internacionais de cooperativas de plataforma demonstram que é possível organizar os trabalhadores da economia digital de forma democrática, garantindo melhores condições laborais e distribuição mais justa dos lucros. Da mesma forma, iniciativas locais de economia solidária – como bancos comunitários e sistemas de moedas sociais – evidenciam que outro paradigma econômico não apenas é possível, mas já está sendo construído na prática por diversos movimentos sociais.
A Inclusão Estratégica dos Pequenos e Médios Empresários
É fundamental reconhecer que micro, pequenos e médios empresários devem ser ativamente integrados a um projeto progressista de transformação social. Esses agentes econômicos, frequentemente invisibilizados no debate político tradicional, constituem, na realidade, parte integrante da classe trabalhadora que busca garantir sua subsistência por meio do próprio empreendimento. Diferentemente do grande capital financeiro — essencialmente especulativo e divorciado da produção real —, esses empresários enfrentam contradições concretas com o sistema econômico dominante, sofrendo diretamente com a concentração de mercado, os juros abusivos e a concorrência desleal imposta pelas grandes corporações transnacionais.
Essa compreensão não é recente no pensamento petista. Desde seu V Encontro Nacional, realizado em 1987, o partido deixou claro que sua proposta econômica não se confundia com um modelo estatizante nos moldes da antiga União Soviética. Muito antes do chamado “socialismo de mercado” chinês ganhar projeção internacional, o PT já defendia uma visão plural e diversificada de economia, na qual a hegemonia política e cultural da classe trabalhadora articulava-se com um setor público estratégico — responsável por áreas essenciais como energia, infraestrutura e crédito —, sem jamais prever a estatização generalizada da economia.
Nesse sentido, o PT sempre compreendeu que pequenas, médias e grandes empresas, assim como cooperativas e iniciativas de economia solidária, podem ter papel importante a desempenhar em um projeto nacional de desenvolvimento. Dados do Sebrae (2023) mostram que as micro e pequenas empresas respondem por 30% do PIB brasileiro e 54% dos empregos formais no país, evidenciando seu peso decisivo na geração de renda e dinamismo econômico. Contudo, essas mesmas empresas são as mais afetadas pelas crises cíclicas do capitalismo e pela asfixia financeira imposta pelo sistema bancário — o que reforça sua contradição objetiva com a lógica do capital rentista e especulativo.
O Papel do Estado na Proposta Econômica do PT
A proposta histórica do PT nunca foi a eliminação da iniciativa privada, mas sim a construção de um modelo econômico em que o Estado exerça um papel indutor, condutor, planejador e definidor de diretrizes estratégicas para o desenvolvimento nacional. Isso implica um setor estatal dinâmico capaz de orientar a economia como um todo, garantindo políticas de crédito acessível, incentivos à inovação tecnológica e defesa ativa contra monopólios e oligopólios privados. Essa visão aproxima-se, em certa medida, das experiências antigas de economia mista em países europeus com forte tradição social- democrata (infelizmente hoje em grande parte capturada pelo neoliberalismo), onde o setor público atuava em sintonia com empreendedores comprometidos com o desenvolvimento nacional e a justiça social.
Assim, a base social do PT deve ser compreendida como uma aliança estratégica entre diferentes frações da classe trabalhadora – incluindo assalariados formais e informais, autônomos e pequenos produtores – e segmentos empresariais comprometidos com um projeto nacional de desenvolvimento. Essa visão constitui uma das grandes inovações do partido desde sua fundação: a capacidade de formular uma estratégia econômica que garanta a hegemonia política e cultural dos trabalhadores necessária para dirigir a sociedade, combinando um Estado forte e planejador com um setor privado diversificado, onde pequenos, médios e até grandes empresários atuem de forma coordenada com os interesses nacionais e populares. Essa concepção tem como consequência natural a necessidade de dialogar e trabalhar permanentemente com esses diversos setores sociais.
Longe de representar qualquer concessão ao liberalismo econômico, essa abordagem reflete as resoluções históricas do PT desde sua primeira década de existência, nas quais a esquerda brasileira compreendeu a necessidade de dialogar com todos os setores que têm interesse objetivo em romper com a dominação do capital financeiro e especulativo, o jugo do imperialismo e a destruição ambiental. Ignorar esse potencial estratégico significaria abrir mão de uma base social ampla e diversificada – e, consequentemente, enfraquecer decisivamente a luta por uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária e sustentável.
A Reconstrução da Solidariedade como Imperativo Histórico
Em última análise, a reconstrução da solidariedade social não representa apenas uma estratégia política entre outras, mas condição indispensável para a sobrevivência de qualquer projeto emancipatório no século XXI. Em um mundo marcado pela fragmentação acelerada, somente a capacidade de criar e fortalecer laços duradouros de confiança e
apoio mútuo permitirá enfrentar as forças que buscam manter seu domínio por meio da divisão sistemática dos trabalhadores e do povo.
A esquerda que não compreender essa dinâmica estará irremediavelmente fadada ao isolamento e à irrelevância histórica. Por outro lado, aquela que souber reinventar criativamente suas formas de organização e resistência terá não apenas a chance de sobreviver aos desafios do presente, mas de construir efetivamente um futuro verdadeiramente coletivo e emancipado.
O Desafio das Contradições Internas
Parte fundamental do desafio de repensar os setores sociais com os quais dialoga e desenvolver novas estratégias de ação política consiste em refletir criticamente sobre seu próprio funcionamento interno. O PT enfrenta atualmente estruturas burocráticas e centralizadoras que frequentemente dificultam a renovação necessária e reproduzem práticas personalistas incompatíveis com seu projeto democrático.
A conquista do financiamento público de campanhas, inicialmente concebido como mecanismo de transparência e combate à corrupção (e que de fato representou avanço democrático importante), precisa ter sua administração aprimorada e radicalmente democratizada. Além da questão específica do fundo partidário, o funcionamento das instâncias partidárias em geral necessita abrir-se efetivamente. E a cultura interna precisa renovar-se por meio da recuperação de uma visão utópica e “transcendente”, criando espaços para uma sociabilidade mais solidária e menos instrumental. Sem esse aprimoramento na gestão interna, o partido verá cada vez mais diminuída sua capacidade de conectar-se organicamente com os trabalhadores e movimentos sociais que sempre constituíram sua espinha dorsal histórica.
Nesse contexto complexo, a atualização programática do PT deve ser acompanhada por esforços concretos para dialogar com movimentos sociais independentes, coletivos juvenis, trabalhadores informais, setores empresariais ligados à produção real (com compromisso social e ambiental), e diversos outros atores que frequentemente se sentem alheios à dinâmica partidária tradicional. O partido precisa urgentemente expandir sua influência para além das estruturas institucionais e reencontrar-se com a estratégia de mobilização direta que marcou sua trajetória mais vigorosa e transformadora.
Inclusão das Pessoas com Deficiência na Construção Partidária
Considerando os avanços dos governos progressistas Lula e Dilma nos direitos das pessoas com deficiência no campo dos direitos humanos, entendemos que o conjunto do Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras nas três esferas (municipal, estadual e nacional), através de suas gestões eleitas e parlamentares, deverá defender os direitos conquistados ao longo dos cinco governos do PT.
Cabe salientar dois grandes marcos conquistados nos governos petistas: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ratificada no governo Lula em 2009 com força de emenda constitucional (Lei nº 6.949/2009), e o Estatuto da Pessoa com Deficiência no governo Dilma (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).
Neste sentido, entendemos que todos os governos e parlamentares eleitos pelo Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras deverão zelar, fortalecer e ampliar os direitos das pessoas com deficiência por meio de políticas públicas que garantam a dignidade humana para milhões de brasileiros e brasileiras com deficiência, segundo estatísticas do IBGE de 2022.
Entendemos que nenhum documento – seja projeto de lei ou qualquer outro manifesto – deve ser inferior a esses dois documentos conquistados com muita luta pelos movimentos sociais, instituições sindicais e o próprio segmento das pessoas com deficiência, apoiados e referendados por um governo progressista na garantia dos direitos humanos, na perspectiva da dignidade humana da Pessoa com Deficiência e suas famílias.
Também entendemos a importância e a necessidade de ampliar e fortalecer o setorial dos Petistas com Deficiência, tanto na esfera estadual quanto nacional.
Compreendemos que em todas as discussões internas do Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras, e na elaboração e construção dos planos de governo nas três esferas, deverão estar envolvidos na linha de frente de coordenação os setoriais estaduais e nacional dos petistas com deficiência.
Entendemos que na elaboração e construção dos planos de governo nas três esferas também devem participar movimentos sociais que defendam os direitos humanos e um governo progressista na garantia do Estado Democrático de Direito.
Compreendemos que os diretórios municipais, as macrorregionais e os setoriais estaduais e nacional, em época de pleitos eleitorais, deverão localizar, incentivar e apoiar candidaturas de pessoas com deficiência com igualdade de oportunidades, com recursos advindos do fundo partidário. Lembramos que na última eleição municipal as pessoas com deficiência não estavam na pauta eleitoral para receber fundo partidário.
Salientamos que em qualquer documento de disputa do Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras, como prevêem os congressos, deverão haver delegados e delegadas com deficiência para debater a construção de uma sociedade justa e igualitária, na garantia de direitos e de um Estado Democrático de Direito.
É importante e necessário que nas fichas de filiação do Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras conste questionamento sobre se o filiado tem algum tipo de deficiência ou se há pessoas com deficiência no núcleo familiar. Esse mapeamento propiciará a localização da militância e das pessoas com deficiência petistas na perspectiva de fortalecer e ampliar a luta de classes.
Entendendo que o segmento das pessoas com deficiência perpassa todos os demais segmentos, faz-se necessário pensar e articular a política pública de forma transversalizada, tanto dentro quanto fora do partido.
Reafirmar as Raízes para Construir o Futuro
Aos 45 anos de existência, o PT tem diante de si a oportunidade histórica de reafirmar suas raízes transformadoras enquanto se prepara criativamente para os desafios do futuro. Isso implica não apenas revisitar criticamente suas pautas históricas, mas também refletir profundamente sobre como reorganizar sua estrutura interna para dar espaço efetivo à participação democrática. Democratizar o partido em seu funcionamento cotidiano, renovar suas lideranças e abrir espaços amplos e inclusivos para debates substantivos são condições essenciais para que retome a força mobilizadora que caracterizou seus melhores momentos.
Esse reencontro com sua essência fundante deve traduzir-se em práticas concretas que aproximem o PT do povo e das bases populares, tornando clara e visível sua diferença qualitativa em relação à política tradicional baseada em personalismos ou decisões de cúpula. Ao recolocar seu programa político nas mãos dos diversos atores sociais aqui analisados – trabalhadores formais e informais, movimentos sociais, pequenos e médios empresários comprometidos com o desenvolvimento nacional, artistas, intelectuais e militantes culturais -, o PT pode recuperar sua capacidade de ser efetivamente um motor de transformação social.
Aos 45 anos, o PT enfrenta o duplo desafio e a dupla oportunidade de demonstrar que é muito mais que um partido político tradicional: é ferramenta histórica de emancipação social, coletiva e de transcendência cultural. Esse reencontro consigo mesmo não começará nas salas fechadas de reuniões partidárias, mas no diálogo direto, aberto e participativo com todos aqueles que ainda acreditam em sua capacidade de mudar estruturalmente o país.
O futuro do partido será construído com o povo em movimento – e essa será sua maior demonstração de vigor e relevância histórica como articulador de mudanças profundas. Isso exige que o partido se reconecte organicamente com suas bases tradicionais enquanto constrói pontes sólidas com novos sujeitos históricos, elaborando um projeto político que represente efetivamente toda a rica diversidade da sociedade brasileira.
Democracia Interna e Alianças Estratégicas
Precisamos abrir canais permanentes e institucionalizados de debate com filiados e não filiados, empreendedores comprometidos com o desenvolvimento nacional, ambientalistas, movimentos sociais e sindicatos para formular propostas verdadeiramente coletivas e representativas.
Plano de Participação Popular
Nosso objetivo é estabelecer diálogos regionais permanentes para que o Plano Estratégico de longo prazo seja construído com contribuição ativa de toda a sociedade. Ao olhar para o futuro, o partido tem o compromisso histórico de deixar um legado que mobilize permanentemente a sociedade, valorize os trabalhadores em todas suas frações de classe, os empresários verdadeiramente comprometidos com uma visão de mundo socialmente justa e ecologicamente sustentável, os diversos movimentos sociais, artistas, intelectuais, educadores e comunicadores populares. Um partido com compromisso intransigente com a proteção do meio ambiente e a construção de um país preparado para liderar os desafios civilizatórios do século XXI. Com coragem política, inovação programática e diálogo permanente, será possível transformar estruturalmente o Brasil.
Valorização dos Mandatos Legislativos em Todos os Níveis
Criar fóruns regulares de diálogo entre os deputados estaduais, vereadores, e o PT Nacional para alinhar estratégias, demandas regionais e pautas prioritárias, como a distribuição do fundo eleitoral entre outras.
Aprofundamento Democrático nos Processos de Decisão Interna
Implementar mecanismos digitais e assembleias regionais para que a militância possa opinar sobre a distribuição de recursos. As decisões sobre o orçamento devem envolver os filiados diretamente em um modelo de consulta.
Processo de Escuta Ampliada
Criar um processo contínuo de escuta com as secretarias, sindical, Agrário, mulheres, juventude, LGBTQIA+, Combate ao Racismo e indígenas, Meio Ambiente e com os setoriais que estão organizados no interior do partido e garantindo que suas perspectivas sejam incorporadas diretamente no planejamento e recursos do partido.
Fortalecimento Organizativo do PT Fortalecimento dos Setoriais
Estabelecer um percentual fixo do orçamento partidário destinado a fomentar os setoriais, com controle coletivo e transparência, garantindo que dirigentes dos setoriais tenham infraestrutura adequada para a mobilização local e nacional.
Planejamento Estratégico a Médio e Longo Prazo
Fomentar a criação e fortalecimento de diretórios municipais e núcleos de base nas regiões em que o PT tem menor presença, especialmente no Norte e Centro-Oeste.
Meta para Inserção do PT em Movimentos Populares
Criar agendas claras para a atuação do partido dentro de sindicatos, movimentos de juventude e movimentos rurais, urbanos e culturais.
Comunicação e Mobilização Digital
Desenvolver uma Plataforma Nacional de Mobilização Militante que unifique a comunicação entre filiados, simpatizantes e dirigentes, ampliando a participação horizontal e o alcance do partido.
Fundo para Comunicação de Base
Destinar recursos específicos para a produção de conteúdos locais e regionais que reforcem as campanhas do partido em diferentes espaços.
Criação de um Conselho de Avaliação das Políticas Petistas
Estabelecer um órgão composto por membros de todos os níveis do partido (municipal, estadual e nacional) para avaliar sistematicamente a execução das políticas dos governos petistas em todas as esferas.
Seminários de Avaliação e Coerência Partidária Seminários Periódicos de Avaliação e Avanços:
Instituir seminários regionais e nacionais com regularidade para avaliação das direções, ações e prioridades, promovendo a correção de rumos.
Essas propostas têm como foco:
1. Fortalecer a coerência interna
2. Ampliar a participação democrática
3. Valorizar os segmentos representativos
4. Promover a transparência
Além disso, ajudam a fazer com que o PT continue a ser uma referência consolidada na defesa da democracia e dos interesses populares.
Seminários Periódicos de Avaliação e Avanços
Instituir seminários regionais e nacionais com regularidade para avaliação das direções, ações e prioridades, promovendo a correção de rumos. Essas propostas têm como foco fortalecer a coerência interna, ampliar a participação democrática, valorizar os segmentos representativos e promover a transparência. Além disso, ajudam a fazer com que o PT continue a ser uma referência consolidada na defesa da democracia e dos interesses populares.