No bojo da celebração do aniversário de assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, a vereadora Moara traçou um panorama sobre a incompletude de verdadeiras conquistas que deveriam ter vindo a reboque da legislação. Assim, em teoria, uma norma geral e abstrata “pôs fim jurídico à escravidão”, questionando-se, ato contínuo sobre – na realidade – o que “137 anos depois […], de fato, foi abolido?”
A indignação acerca da oportunidade perdida ao se apresentar qualquer tema que mereça a cobertura de uma norma jurídica nacional – posto que quase 150 anos empós sua promulgação, e vigendo a Constituição Cidadã a mais de quarto de Século – chega a articulista à uma conclusão que atingiu a todos: “A abolição foi um ato sem justiça, sem transição, sem redistribuição”. O fechamento do ensaio, então, aponta para um espinhoso tema, e que beneficiará toda a comunidade trabalhadora nacional, de imediato, não só a dos ex-escravos (abolidos). A alteração constitucional da escala de trabalho, e pela CLT, chamada de “6×1”, onde precisamos trabalhar seis dias, para obtermos um dia de descanso.
Como indico no próprio título, a fundamentação nesta contribuição à discussão dos problemas sociais da escala de trabalho não será econômica, indicando benefícios para o trabalhador, para a sua família, para a cadeia econômica na qual se encaixa…. Sim, uma análise econômica do direito séria irá demonstrar (e fica o apelo à academia para efetuar tal pesquisa) que um processo eficiente de alocação de recursos escassos – que é o tempo do trabalhador e os ativos do empreendedor – melhorará o bem-estar do trabalhador sem prejuízo ao empreendedor (Ótimo de Pareto), ou de minimis atingindo um equilíbrio sem desperdícios (que aproxima ao Ótimo Kaldor-Hicks).
Todavia, urge discutirmos a incompletude jurídica da proposta de emenda constitucional que altera a “Escala 6×1”, que em teoria é irretocável como pauta de qualidade de vida e dignidade da pessoa humana, direito constitucional consagrado no âmbito interno, e reiterado nas relações internacionais do Estado Nacional. A realidade do texto proposto é a certeza da repetição do “peso de uma liberdade incompleta”.
A leitura do texto proposto (Proposta de Emenda à Constituição – PEC 08/25) prevê a adoção da carga semanal de quatro dias de trabalho e três dias de descanso. O texto ainda limita a duração do trabalho normal a 36 horas semanais. Atualmente, a Constituição estabelece que a carga de trabalho será de até oito horas diárias e até 44 horas semanais. Denota, na simplicidade textual, a falta de estudo sistêmico do problema, que se explicaria pelo ímpeto de assumir a narrativa da alteração como seu proponente, e atecnicidade, talvez deixando para a discussão nas casas legislativas federais, no qual os elementos primordiais da regulação da relação de trabalho seriam, consequentemente, acrescidos ao texto. Relendo o texto de Moara, temos a certeza de que isso não é suficiente. In verbis:
“Art.7°……………………………………………
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
Falta técnica legislativa por não regulamentar o básico: o texto proposto traz um problema matemático para o limite diário e semanal, uma vez que impede (i) jornada diária superior a oito horas, (ii) com a jornada semanal em trinta e seis horas, mas (iii) exige que tal jornada semanal seja dispersa em apenas quatro dias. O erro técnico em tal regulamentação já obriga uma jornada em um quinto dia (já que 4 dias x 8 horas = 32 horas semanais), ou a desconstrução da jornada de oito horas, obrigando a todos a de fato trabalhar nove horas diárias. Teremos uma hora extra obrigatória, com o seu aditivo correspondente, ou vamos optar por um texto que permita cinco dias de trabalho? Se o objetivo é limitar a jornada semanal (que hoje é de 44 horas, reduzindo-a para 36 horas), temos que em uníssono indicar que o texto atual é péssimo, malgrado a importância e urgência sobre a matéria de fundo.
Contudo, a mera redução jurídica da jornada semanal para 36 horas, em uma redação melhor elaborada, também não será capaz de entregar a melhoria pretendida. É importante que se veja o panorama geral do objeto que se pretende regulamentar, pois, no silêncio da norma, este é o nefasto resultado: continuaremos a ter tão somente um dia de descanso remunerado pelo empregador, independentemente do número de horas trabalhadas pelo empregado na semana, com uma possível determinação exclusiva do salário mínimo por hora.
Não podemos permitir que a alteração do inciso XIII do art. 7º da Charta Magna não se faça pela imediata adaptação, pelo fortalecimento, do direito ao DRS – Descanso Semanal Remunerado – garantido pelo seu do inciso XV, e com a alteração da norma celetista, que determinam:
Constituição
Art. 7º: […]
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;CLT
Art. 67 Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
O texto celetista trata, na verdade (e recapitulando, data de 1943) apenas do direito ao descanso semanal – o direito de não trabalhar por 24 horas ininterruptas – que se aprimorou com a sua suplementar remuneração já em 1949, com a promulgação da Lei 605, que dispõe:
Art. 1º Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.
[…]Art. 7º A remuneração do repouso semanal corresponderá:
a) para os que trabalham por dia, semana, quinzena ou mês, à de um dia de serviço, computadas as horas extraordinárias habitualmente prestadas;
A PEC, infelizmente, além de olvidar a integração de direitos já garantidos por lei ordinária ao bloco de constitucionalidade de direitos do trabalhador (com a alteração coordenada do inciso XV), também poderia ter que atravessar a própria discussão do conceito de salário mínimo, insculpida o art. 7º, inciso IV, que determina:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
A remessa da fixação por lei não é muito animadora em um cenário em que nenhuma regulamentação constitucional suplementar seja operada. Constitucionalmente, o salário mínimo não é calculado compulsoriamente por mês, e pressões no Legislativo Federal farão com que o salário se projete ipso facto ao seu cálculo por horas, talvez sem qualquer vício de irredutibilidade de salário para a maioria da massa trabalhadora, na hipótese de sua aplicabilidade imediata. Vejamos a Lei Federal 14.663/2023:
Art. 1º Esta Lei define o valor do salário mínimo a partir de 1º de maio de 2023, estabelece a política de valorização permanente do salário mínimo a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2024, […]
Art. 2º O valor do salário mínimo será de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais) a partir de 1º de maio de 2023.
Parágrafo único. Em decorrência do disposto no caput deste artigo, os valores diário e horário do salário mínimo corresponderão a R$ 44,00 (quarenta e quatro reais) e a R$ 6,00 (seis reais), respectivamente, a partir de 1º de maio de 2023.
Ao regulamentar o salário mínimo, a Lei Federal nº 14.663/2023 já prevê, mesmo que aritmeticamente, um salário mínimo por hora, hoje calculado em R$ 6,90 (seis reais e noventa centavos), vide Decreto nº 12.342/2024. Na forma em que estamos, um texto constitucional ruim levará a uma lei ordinária que aplicará o salário hora à jornada semanal de 36 horas. Matematicamente, o salário mínimo hoje mensal de R$ 1.518,00 (mil quinhentos e dezoito reais) cairá: 36 horas x R$ 6,90 = R$ 248,40 (semana) mais o DSR (equivalente a um dia de trabalho = R$ 44,00), totalizando por semana R$ 292,40, que aplicando-se 4,5 semanas/mês, teremos R$ 1.315,80 (mil trezentos e quinze reais e oitenta centavos). O trabalhador certamente, perderá com a aprovação tal como se encontra.
Para finalizar este react, é imperioso recordar que há lei ordinária específica sobre o Salário Mínimo, sem que haja qualquer menção ou vinculação ao mês de trabalho, ou sequer relacionado à escala de trabalho. Vejamos a Lei 8.542/1992:
Em definitivo, o Salário Mínimo pode ser (e já o foi) calculado pelo serviço diário do trabalhador, e sem que haja uma estreita normativa na Constituição Federal, que determine os limites para a lei ordinária, poderá regularmente voltar a sê-lo. Vejamos uma Lei Federal 8.222/1991, a título de exemplo:
Art. 7º Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, por dia normal de serviço, capaz de satisfazer, em qualquer região do País, as suas necessidades vitais básicas, bem como as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, conforme dispõe o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal.
Contagem, com sua tradição história em encabeçar as lutas sociais e seu protagonismo no movimento sindical, deve ser a liderança na aprofundada e real discussão desta pauta, bem como na apresentação de alterações à PEC que visem a garantir efetividade e aplicabilidade à mudança de paradigma nas relações entre o trabalho e sua correta remuneração.
Thiago Zanini é Secretário Municipal de Tecnologia da Informação em Contagem.