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Kaká Menezes: Estariam os evangélicos crescendo também na profundidade da fé?

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O último Censo das Religiões no Brasil confirmou o que já vínhamos percebendo: a igreja evangélica segue crescendo em número de fiéis. De todas as expressões religiosas no país, o segmento evangélico foi o que mais avançou nas últimas décadas. Esse dado merece ser comemorado — mas também questionado. Afinal, que tipo de crescimento é este? Que fermento tem feito essa massa crescer?

Jesus nos alertou sobre o “fermento dos fariseus” (Mt 16:6), um fermento que gera aparência, mas não substância; volume, mas não qualidade. Não é um fermento vivo, natural, que respeita o tempo e o processo do Reino de Deus, mas um fermento apressado, que infla rápido, mas não sustenta a massa no longo prazo.

O crescimento numérico da igreja evangélica é evidente, mas é legítimo perguntar: estamos também crescendo na profundidade da fé? No compromisso com o discipulado? Na formação de uma comunidade madura, serva, acolhedora, transformadora da realidade ao nosso redor? Ou será que, ao buscar a multiplicação de números, corremos o risco de perder o aspecto qualitativo da fé — aquele que Jesus mais valorizava?

Esse crescimento trouxe consigo um impacto real na sociedade e na política. É inegável que o espaço da igreja evangélica nas decisões do país aumentou. Boa parte deste movimento foi impulsionada pelo desejo legítimo de defender valores, proteger princípios éticos, influenciar a cultura de modo positivo. Mas há também o risco de confundir missão espiritual com projeto de poder. A tentação de transformar a influência religiosa em domínio político-cultural não é nova — e sempre cobrou um preço alto na história da Igreja.

No Brasil, esse desejo de influência máxima se manifestou especialmente no apoio a determinados projetos políticos, como a candidatura de Jair Bolsonaro, com o sonho de ver o país tornar-se majoritariamente evangélico — 60%, 70% da população. Um projeto de “Brasil evangélico” foi alimentado em muitas lideranças, vislumbrando um país governado, legislado e orientado pela cosmovisão das igrejas.

Mas o censo nos trouxe uma surpresa: o Brasil não caminha para ser uma nação homogênea em fé. Ao contrário, cresce a diversidade religiosa, aumentam os que se declaram sem religião e também o número de desigrejados — pessoas que um dia fizeram parte da igreja, mas que se afastaram, muitas vezes por frustração com promessas não cumpridas, escândalos ou uma vivência comunitária insatisfatória.

Esse dado nos convida à reflexão: o que foi oferecido a essas pessoas? Um evangelho da cruz, do serviço, da entrega — ou um evangelho da prosperidade, do sucesso e da realização pessoal? Será que a mensagem apresentada correspondeu à expectativa do Reino de Deus revelado em Jesus, ou foi moldada por interesses terrenos, pela lógica do mercado, do consumo e da busca de poder?

Esse não é um juízo de condenação. É um chamado à autocrítica amorosa, ao exame sincero. Deus não rejeita sua Igreja; Ele a purifica, a transforma, a convida sempre de novo a voltar à simplicidade do Evangelho.

O “projeto de Brasil evangélico”, tal como foi sonhado por alguns, parece mais distante. Mas talvez seja esta uma boa notícia. O Reino de Deus não depende de hegemonia religiosa, nem de poder político. Ele cresce como fermento discreto, pequeno, paciente — que transforma silenciosamente toda a massa.

A igreja brasileira tem uma missão nobre e insubstituível: ser sal da terra, luz do mundo, testemunha do amor de Deus. Não para dominar, mas para servir. Não para impor, mas para convidar. Não para triunfar sobre os outros, mas para caminhar com todos.

Talvez este tempo de revisão nos prepare para um novo ciclo — menos preocupado com números e influência, e mais atento ao chamado original de Jesus: fazer discípulos, cuidar dos pobres, amar os inimigos, promover a justiça, ser sinal vivo do Reino.

Kaká Menezes é ex-jogador de basquete profissional, pastor, teólogo e cientista político.

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