Eu tinha 18 anos quando uma amiga foi expulsa de casa e passou a viver comigo e com meus pais. Ela apanhava apenas por ser quem era, por amar quem amava. Durante dois anos, conviveu com feridas no corpo e na alma — marcas profundas deixadas pela intolerância. A namorada dela, ainda com 17 anos, enfrentava uma realidade ainda mais dura: já precisava tomar remédios para o coração, de tanto estresse acumulado por viver sob agressões, ameaças e o peso do silêncio.
Infelizmente, essa não foi uma situação isolada. Cresci vendo pessoas LGBTQIAPN+ sendo expulsas de casa, discriminadas na escola, afastadas da convivência familiar apenas por existirem fora dos padrões impostos. Muitas vezes, a violência vinha também de dentro — das palavras que ferem, dos olhares que julgam, dos silêncios que sufocam. E essas marcas, mesmo invisíveis, nos acompanham por toda a vida.
Lembro de um episódio aos seis anos de idade. Na escola, perguntaram quem eu achava mais bonito, e respondi com o nome de um menino. Bastou isso para que risos, comentários e apontamentos começassem. Até professores passaram a me corrigir, me isolar, me vigiar. Ali começou um ciclo de bullying, autocensura, dúvidas e medo. Anos de silêncio. Mas aprendi: nunca foi culpa minha.
Em Contagem, desde o segundo mandato de Marília Campos, a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ é garantida por lei municipal. Isso nos acolhe e fortalece nossa resistência — saber que a marcha não depende de uma autorização incerta, mas está inscrita em lei, traz uma segurança silenciosa. Muitos enxergam a Parada como festa. Mas, para nós, é celebração por estarmos vivos. É poder segurar a mão de quem amamos sem medo. É um ato de coragem, de enfrentamento. É, acima de tudo, um gesto político. Porque amar, para nós, nunca foi naturalizado. Amar, para nós, é resistir.
Durante o governo Bolsonaro, vivemos um tempo de sombras: políticas LGBTQIAPN+ foram desmontadas, conselhos desativados, conferências canceladas, orçamentos esvaziados. Discursos de ódio vindos do mais alto escalão legitimaram a exclusão. Foi um período de invisibilidade institucional — e de risco real às nossas vidas.
Mas em Contagem, resistir virou política de Estado. Sob a liderança da prefeita Marília Campos, a cidade seguiu na contramão do retrocesso. Marília manteve e fortaleceu os instrumentos de proteção, cuidado e cidadania: reativou o Conselho Municipal LGBT, criou a Casa de Direitos Humanos e o Núcleo de Referência LGBT+, implementou espaços de escuta, acolhimento psicológico, assistência jurídica, cursos de formação, rodas de conversa com famílias e, também, o Ambulatório Trans — um serviço raro no Brasil, presente em apenas 21 cidades. Esse ambulatório oferece cuidado real, com respeito à identidade de cada pessoa — ações que salvam vidas e devolvem dignidade a quem foi expulso do próprio lar.
Enquanto o Brasil fechava portas, Contagem mantinha janelas abertas — para o afeto, para a arte, para a política que humaniza. Conferências temáticas, atividades culturais e educativas, projetos de combate à violência e de fomento ao pertencimento ganharam força. Mesmo diante do desmonte nacional, aqui os direitos foram defendidos com firmeza e sensibilidade.
Com a reconstrução nacional iniciada pelo governo Lula, essas ações ganharam ainda mais respaldo e fôlego. Mas é importante reconhecer: em Contagem, a resistência nunca deixou de existir. E isso tem nome. Isso tem coragem. Isso tem liderança. Isso tem Marília Campos.
Porque resistir, aqui, vai além de sobreviver. É ter a quem recorrer. É ser ouvido. É ocupar espaços. É transformar a dor em força coletiva. É entender que o amor não é um privilégio — é um direito. E que ninguém solta a mão de ninguém quando o poder público estende a sua com firmeza, humanidade e compromisso com a justiça.
Contagem, hoje, é um lugar onde a exclusão perde espaço para o cuidado. Onde histórias de abandono se transformam em redes de apoio. Onde existir é possível — e amar também — sem pedir desculpas. É nesse chão que estamos construindo, juntos, uma cidade mais diversa, mais segura, mais humana. Uma cidade onde o orgulho floresce não apenas em um mês, mas todos os dias.
Hudson Bonatto é especialista em comunicação digital e em comunicação pública e governamental