topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Hamilton Reis: Não existe amanhecer em Gaza

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on print

Não tem flores em Gaza. Só cinzas. Não tem mães a chorar a morte dos filhos, porque as mães foram assassinadas. E não tem pais para chorarem a morte da esposa e de seus rebentos, porque toda a família foi exterminada.

Em Gaza tem um silêncio ensurdecedor, que não nos deixa dormir em paz. Tem o medo pairando no ar. O peso da bomba que cai e trucida a vida. O gosto amargo da destruição e do caos azeda o leite, amarga o café e tira o gosto bom do pão. A pomba branca que atravessa a fumaça e sobrevive ao odor de pólvora está irremediavelmente manchada de sangue. A inocência está perdida. A infância não brinca mais de futuro. Tudo é sombrio. A desesperança paira e o desespero invade as antigas esquinas, transformadas em escombros.

Na fila da fome, perfilada, está a vergonha dos abastados, que reclamam do muito e se esquecem dos que vivem do pouco, quase nada. A solidariedade está cerceada. A ajuda proibida. Porque o extermínio está em curso. Planejado de forma meticulosa. Com safadeza bélica, com farsa, com sadismo fúnebre, porque a verdade também está morta.

Não são humanos os nossos irmãos e irmãs de Gaza? Não sentem fome e frio, não merecem moradia, trabalho, dignidade? Não acreditam no mesmo Deus ao qual clama o resto da humanidade? Estão relegados à penumbra e não têm direito ao sol que nasce para todos?

Não existem árvores em Gaza. Só cinzas. Os pássaros foram afugentados para longe. O céu é dos drones, a terra outrora prometida é um cemitério de cadáveres insepultos, porque os mortos não conseguem enterrar os seus mortos.
Aos que têm fé o apelo é para que rezem por Gaza, porque em Gaza não tem templo para a oração, nem hospital para os feridos, nem escola para se ensinar. E no peito vazio, no coração despedaçado e no estômago que ronca, nem Jesus consegue entrar.

Em Gaza, não existe noite tranquila e nem dia sem sofrimento. Tristeza maior não existe. E nós, de novo diante de Guernica, insistimos no erro. Negamos o aprendizado, até nos dividimos perante a destruição, como se diante do massacre fosse possível se dar ao luxo de se ter duas opiniões distintas, uma que chora as vítimas e outra que defende o algoz.

Nós, que assistimos aos nossos pequenos ditadores arrogando grandeza, nós que relegamos a política a mera disputa de vaidades, como é que podemos sofrer por tão pouco? Nós que temos mesa farta e madrugadas aquecidas, não podemos esquecer que não existe amanhecer em Gaza. Porque esse é o retrato do inferno e o inferno é mais cruel e medonho do que a mediocridade que nos ronda.

Hamilton Reis é jornalista e advogado.

Outras notícias