O PT e a esquerda em geral de Minas Gerais e do Brasil precisa olhar com mais atenção e carinho a experiência de Contagem, liderada pela prefeita Marília Campos. Marília é um caso possivelmente único na esquerda brasileira, dentre as lideranças de cargos majoritários, que, ao invés de se estreitar, ela ampliou enormemente suas bases políticas e sociais nestes tempos de ódio e polarização política. Veja só: Marília nas três primeiras eleições que venceu para prefeita, em 2004, 2008 e 2020, obteve, em média, 42% dos votos no primeiro turno; já, em 2024, no auge da polarização, ampliou suas bases políticas e sociais, constituiu uma frente ampla de 16 partidos, e venceu no primeiro turno com 60,68% dos votos. Venceu nas oito regiões de Contagem, pela primeira vez também nas regiões Nacional e Ressaca; venceu em 64 dos 66 bairros, incluindo o bairro Eldorado em que mora com a família; e nos dois bairros em que perdeu próximos da residência de seu principal adversário obteve 46% e 49% dos votos; e foi a mulher mais votada no Brasil para prefeita no primeiro turno.(…) E a experiência de Contagem não é uma referência apenas para nossa Cidade; de forma surpreendente, até para mim, José Prata, Marília aparece em primeiro lugar em quatro pesquisas divulgada até agora para o Senado. Tudo indica que a liderança de Marília “ganhou corações e mentes” na Grande Belo Horizonte, onde se concentra provavelmente a maior parte da intenção de votos dela para o Senado e está se espalhando progressivamente para o interior. Marília, desde sempre, foi uma liderança muito afirmativa, coerente, carinhosa; e neste momento histórico, ela se agigantou politicamente porque “ela expressa um cansaço da sociedade mineira com a polarização extrema e com o ódio político”.
1-Marília faz “política com dois Pês: Propósito e Pertencimento”; tem enorme capacidade de “diálogo social” e para ela “política e economia andam de mãos dadas”. É preciso prestar a atenção nas palavras sábias do analista político Alon Feuerwerker: “Sem subestimar a economia, tampouco é demais olhar para aspectos mais subjetivos dos mecanismos de produção de opiniões políticas. O capital político dos governos sempre se beneficia de dois pês: propósito e pertencimento. Quando está claro a que veio o governo, e quando ele passa a sensação de querer o bem de todo mundo, e não só de sua turma. Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando. Por isso se diz que a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione”. (Poder 360, 17/3/2024).
É isto que sentimos em Contagem. Marília Campos tem uma aprovação de 81% da população porque se beneficia dos dois pês: Propósito e Pertencimento. Propósito porque está claro a que veio o seu governo, com um gigantesco plano de investimento e avanços muito grandes nas políticas públicas, especialmente na saúde, na cultura, na geração de empregos e em muitas outras áreas. Marília se beneficia também do pertencimento; ela não polariza, ela governa para todos e todas e seu governo gera esta enorme sensação de pertencimento. Nas mídias sociais da Marília quem a defende não são os funcionários do governo, mas pessoas do povo; nas ruas ela é saudada pela população e nunca sofreu escracho político.(…) Numa das pesquisas que circulou em nossa cidade nos últimos meses, podemos ver os números impressionantes segundo os diversos critérios da amostra. Veja só: a) Marília tem 81% de aprovação, sendo 81% entre mulheres e homens; b) por idade varia de 79% a 83%; c) por escolaridade varia de 78% a 84%; d) por renda varia de 79% a 86%; e) por religião tem 78% de aprovação entre os evangélicos e 83% entre os católicos; por ideologia tem 79% de aprovação de pessoas que se definem como de “direita”, 82% nas pessoas de “centro”, e 89% nas pessoas de esquerda. Alguns sectários afirmam que Marília é muito popular porque tem o apoio de muitos eleitores de “direita”. Ora, Lula, em 2010, terminou o governo com 80% de aprovação e todos nós o saudamos, com razão, de o “cara”, o presidente mais popular do mundo.
O petismo de Contagem incorporou os princípios adotados historicamente pela prefeita Marília Campos e muitas outras lideranças e o PT Contagem não é o partido da “lacração”. Não é somente Marília, mas também nossos deputados – Miguel Ângelo e Ricardo Campos – nossos vereadores(as) – Moara Saboia, Adriana Souza, Zé Antônio – bem como outras lideranças bem votadas nas eleições, dirigentes partidários e militantes sociais são praticamente todos e todas lideranças afirmativas e propositivas. Veja o caso recente de julgamento e condenação de Bolsonaro: Marília, como Lula, recomendou ao governo discrição neste assunto para não “politizar” a decisão do Judiciário, e nossas lideranças partidárias e sociais fizerem artigos e vídeos publicados em nosso Blog e nas redes sociais, sem lacração, sem deboche e ironia, um assunto sério como a democracia e o não à anistia foi tratado com emoção e indignação, mostrando a trajetória golpista de Bolsonaro; o quebra quebra da Praça dos Três Podes no dia 08/01/2023; os planos golpistas; planos para o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. E Marília deixa claro ao seu governo: não tem lugar para a militância “tropa de choque”; quem optar pela “lacração” não tem espaço no governo.
2-Governo Lula tem “muitos propósitos”, mas com a polarização política não tem gerado “pertencimento” mais amplo que lhe dê uma aprovação mais sólida entre 55% e 60%. A boa notícia é que Lula vem recuperando, gradualmente, a aprovação ao seu governo. O governo vem melhorando na política, na economia e na comunicação. Os dois primeiros anos do governo Lula foram muito problemáticos: faltavam eixos programáticos de amplo apoio popular; aprovação e revisão do arcabouço fiscal, que, mesmo sendo corretas, causou dificuldades enormes para um governo de esquerda; Lula dedicou tempo demais para uma agenda internacional e ficou muito distante das bases sociais que o elegeram e não visitou nenhuma vez diversos estados; o PT fez críticas e até oposição à política econômica, com duras críticas a Fernando Haddad, quando todos sabemos que a política econômica não é do ministro, é do governo; a comunicação do governo estava muito ruim. Depois de experimentar algum avanço, a aprovação do governo recuou muito, puxada pelas fake news do PIX.(…) Agora, mais recentemente, o governo Lula vem recuperando o apoio popular, como mostram as pesquisas divulgadas nesta semana pelo Datafolha, Quaest e Atlas/Bloomberg. No Datafolha, Lula aparece com 48% de aprovação e 48% de desaprovação; na Quaest, Lula tem aprovação de 46% e desaprovação de 51%; e o melhor resultado é da Atlas/Bloomberg, onde a aprovação de Lula de 50,8% supera a desaprovação de 48,3%. Como resultado da melhoria na aprovação popular, Lula assumiu a liderança nas pesquisas de intenção de votos para 2026 no primeiro e no segundo turnos, em percentuais acima da margem de erro das pesquisas.
Considero que o governo Lula tem realizações e entregas compatíveis com uma aprovação majoritária de 55% a 60% da população, mas a polarização política impede este reconhecimento popular mais consolidado. A última pesquisa Quaest apresenta estabilidade de aprovação do governo Lula, mas tem-se boas informações para o governo: a) como em toda pesquisa que apresenta estabilidade, o governo tem motivos pra comemorar e pra se preocupar. O governo vai poder comemorar, por exemplo, a alta aprovação de seus programas. O gás do povo, recém lançado, já é amplamente conhecido e aprovado por 67% da população; b) o governo também pode celebrar o aumento no número de notícias positivas sobre o governo. Entre maio e setembro, passou de 19% para 27% o percentual de brasileiros impactados por notícias positivas e caiu o impacto de notícias negativas, de 52% para 45%; c) o governo também pode celebrar a melhora na percepção sobre o mercado de trabalho. Depois de 8 meses, finalmente aumentou o número de brasileiros que afirmam que está mais fácil conseguir um emprego hoje comparado a um ano atrás; d) o governo também tem bons motivos para comemorar o sucesso da defesa da soberania nacional frente aos EUA (64%) e a aliança comercial com os BRICS que é aprovada pela maioria (53%). Dentre as informações negativas para o governo Lula, a Quaest apresenta: a) mas o governo deve estar em alerta, já que as 2 notícias negativas mais lembradas espontaneamente remetem a dois fatores bastante prejudiciais para a imagem do governo: crise do INSS e aumento de inflação; b) mas a economia continua pesando contra. Não é coincidência que a recuperação do governo foi interrompida justamente quando a percepção sobre a inflação de alimentos parou de melhorar: 61% continuam vendo preços de alimentos mais caros nos mercados; c) Diante das vitórias e derrotas, vale destacar que o governo não conseguiu mudar, porém, a percepção majoritária de que o país segue na direção errada (58%); mesmo tendo recuperado sua popularidade, o governo não conseguiu recuperar o sentido de rumo do país. Isto é um problema porque se o país está na “direção errada” pode estar gestando um sentimento de mudança e não de continuidade; d) Lula também não conseguiu ainda mudar a percepção majoritária (61%) de que ele perdeu a conexão com o povo. Conhecido como o pai dos pobres, deixar de ter esse atributo pode ser fatal para o incumbente.(…) Veja o que diz a Quaest: “Mesmo tendo recuperado sua popularidade, o governo não conseguiu recuperar o sentido de rumo do país”; na minha opinião é a polarização que explica a falta de uma aprovação mais sólida do governo Lula. Como disse Alon Feuerwerker: “Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando”. Ou seja, falta “pertencimento político” para alavancar a popularidade de Lula.
Afora as pesquisas, os números da economia são muito bons no governo Lula, considerando que vivemos uma crise severa da globalização neoliberal, que deverá durar ainda muitos anos. Veja só: a) fizemos um estudo sobre a taxa de crescimento da economia nos 30 anos do Plano Real, que indicaram que o crescimento médio nos governos do PT foi de 3,01%, quase o dobro do crescimento nos governos não petistas de apenas 1,67%; nestes quase três anos do governo Lula, a taxa de crescimento tem repetido os mesmos 3% em média, uma das maiores do mundo; b) Vinicius Torres Freire, colunista da Folha/UOL, afirma que Brasil com Lula tem a situação do mercado de trabalho a “melhor desde sempre”: “A taxa de desemprego em julho foi de 5,6%. O rendimento médio do trabalho (“salário”) está crescendo a 3,8% ao ano, em termos reais —além da inflação. A proporção da população em idade de trabalhar que está ocupada é a maior desde que há dados oficiais comparáveis (2012). A situação deve ser a melhor desde sempre”; c) a inflação está em queda e segundo Fernando Haddad, a inflação do terceiro governo Lula será a mais baixa desde o Plano Real em 1994: “A inflação acumulada em 4 anos será, pela primeira vez, inferior a 20%”; d) o câmbio, que o mercado aterrorizava com estimativas acima de R$ 7,00 está em torno de R$ 5,30; e) o arcabouço fiscal, que muitos criticaram no PT evita a disparada da dívida pública; trata-se de um avanço em relação ao teto de gastos, que limitava à inflação, e agora os gastos podem subir pela inflação, mais 70% do crescimento da receita; f) muitos programas sociais foram lançados, ampliados e retomados e são aprovados pela maioria da maioria da população, aprovação que foi pesquisada pela Quaest para quem os conhece: Minha Casa, Minha Vida (89%); Farmácia Popular (88%); Bolsa Família (80%); tarifa social de energia (74%); Gás do Povo (67%); Isenção IR até R$ 5.000,00 (60%); Crédito do Trabalhador ((51%); IR para super-ricos (46%); Desenrola (40%). Um programa fundamental ainda muito pouco conhecido é o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento; g) o governo encaixou outra grande bandeira popular, com boa possibilidade de aprovação nos próximos anos, o fim da escala 6X1, com a adoção da escala 5×2 na proposta de José Dirceu. Repetimos aquilo que dissemos antes: as realizações do governo Lula são compatíveis com aprovação de 55% a 60% da população; o problema é político que é a polarização.
3-Por que o governo Lula surpreendeu, “não polarizou e sumiu” no julgamento e condenação de Bolsonaro. Já mostrei em artigos anteriores as mudanças políticas no governo Lula e a “suavização” do presidente nos últimos meses: “A minha sogra, Silvia Campos, mãe da Marília, sempre acompanha os noticiários das TVs e, repetidas vezes, nos últimos anos, me falou: “José, o Lula está muito bravo”. Na minha opinião, grande parte dos milhões de “lulistas”, como minha sogra, gosta mesmo é do “Lulinha, paz e amor”; o homem que vai ao encontro de sua gente; que fala da democracia e da justiça social com palavras simples e profundas; que brinca com as pessoas; que chora, quando fala da fome, por exemplo; que se emociona, quando visita as fábricas e cai nos braços dos operários; que visita as favelas e abraça pessoas simples. Em meio a dureza da disputa política, é este Lula que está de volta. Lula, em vez das “falas inflamadas” está falando de forma mais “suave”, está reduzindo a temperatura da “polarização política”; está mais “dialogal” e “sedutor”. É este o Lula, em uma conjuntura que está ficando muito favorável à esquerda, que poderá ampliar a base social de seu governo e vencer as eleições de 2026, um feito histórico para o Brasil e o mundo numa época em que quase nenhum governo de países democráticos consegue se reeleger.
Agora, mais recentemente, na reta final do julgamento e condenação de Bolsonaro, o governo Lula surpreendeu, “não polarizou e sumiu” durante uma semana. O site UOl resumiu porque disso: “Lula evitou inflar polêmicas. Crítico da anistia, o petista costuma criticar o ex-presidente em quase todos os seus discursos, com incentivo da comunicação do governo —mas não fez isso desta vez. O presidente só falou em entrevistas e seu alvo principal. Nos poucos eventos nesta semana, não falou do julgamento. Ele voltou suas declarações às conquistas e entregas do governo, como também costuma fazer, e reclamou da taxação dos Estados Unidos, como também se tornou cotidiano, mas não do adversário”.(…) Isso foi uma orientação para todo o governo. Geralmente, o ministro Sidônio Palmeira e outros integrantes da Secom (Secretaria de Comunicação) estimulam que Lula siga o antagonismo com Bolsonaro. A avaliação é que, mais do que a polarização, contrapor números é benéfico para o governo. Mesmo quase no quarto ano de mandato, Lula segue falando sobre como “pegou o país destruído” e, agora, procura mostrar resultados diferentes dos dois governos. Com o julgamento, é diferente por dois motivos. Primeiro, por ter sido preso com aval do mesmo STF, o próprio Lula quis seguir, durante todo o processo, o tom de que “todo mundo tem direito à defesa e a um julgamento justo”. Dar um incentivo à corte poderia parecer um dissenso. Em segundo lugar, a cúpula do governo não queria indicar torcida ou interferência. Nenhum lulista escondia querer a condenação de Bolsonaro e ela era dada como certa no Planalto, como aconteceu, mas houve a orientação de que isso não transparecesse publicamente. A ideia é que este “clima de torcida” só ajudaria politicamente a oposição. Desde que Bolsonaro foi indiciado, aliados e a família do ex-presidente têm pregado o discurso de injustiça, que se intensificou nas duas últimas semanas, e qualquer aparente estímulo do Planalto seria visto como mais um incentivo para esta narrativa. Lula tampouco falou da condenação. Isso ficou a cargo de ministros do governo, que também, em sua maioria, optaram por um tom mais ameno, e para o presidente do PT, Edinho Silva. Ministros não queriam um novo “Grande dia”, em referência ao próprio Bolsonaro, que comemorou a saída do ex-deputado Jean Wyllys do país em 2019, durante seu governo. As provocações ficaram com o PT. O partido se organizou em grupos no WhatsApp e no Telegram para criar memes e figurinhas sobre o julgamento e a condenação e distribuir nas redes sociais, ironizando o ex-presidente”.(UOL, 13/09/2025).
Este é o nosso principal problema atualmente: o governo Lula, sobretudo depois da nomeação de Sidônio Palmeira para a Secretaria de comunicação e a eleição da nova direção do PT, presidida pelo Edinho Silva, vem adotando posições menos voluntaristas e mais politizadas baseadas na escuta popular e nas pesquisas de opinião; já a maior parte dos parlamentares do PT e da militância social foram entregues as tarefas mais despolitizadas de realizar “provocações”, “criação de memes e figurinhas” e “deboche e ironias” contra Bolsonaro.
Temos que adotar – governo Lula, PT, e militância social – a estratégia indicada pelo governo na matéria do UOL: “A avaliação é que, mais do que a polarização, contrapor números é benéfico para o governo”. Já mostramos em outras publicações que mais de 80% das eleições dos últimos dois anos em todo o mundo foram vencidas pela oposição; isto é um indicativo que nos parece óbvio de que a polarização é boa para quem é oposição, no caso brasileiro a extrema direita; governo só perde com esta estratégia. A polarização, o nós contra eles, trata os eleitores de Bolsonaro como um “bloco único”, como “gado”, como se diz, o que impede de abrir diálogo com segmentos mais moderados que votaram em Bolsonaro mas que podem ser ganhos para o voto em uma Frente Democrática; ou seja, a polarização empurra eleitores de centro para a extrema direita. A polarização somente interessa a oposição, no caso brasileiro à extrema direita, que, não sendo governo, não tendo nada a mostrar, age como uma “metralhadora giratória”; governo é avaliado, majoritariamente, pela gestão, pelas entregas que faz em termos de políticas públicas e investimentos em obras. A polarização é “economicista” e eu, José Prata, como economista acho isto um absurdo: não tem como dar certo “atropelar politicamente” uma pessoa e querer ganha-la para o nosso lado “com bandeiras econômicas”: menos imposto de renda, mais empregos, etc. Por isso entendo que neste tempo histórico, mais do que nunca, política e economia precisam andar de mãos dadas.
4-A estratégia das eleições majoritárias – presidente, governadores e senadores – e não das eleições proporcionais – deputado federal e deputado estadual – é que deve ancorar a disputa de 2026. O Brasil é um dos poucos países democráticos do mundo, cujo sistema eleitoral é de “lista aberta”, onde o cidadão e cidadã vota “na pessoa”, ao contrário do sistema de “listas partidárias” onde se vota na “lista do partido”; existe ainda o sistema distrital misto onde metade dos eleitos são pelo voto individual majoritário e metade pela votação em listas partidárias. Nosso sistema eleitoral é quase impossível de mudança porque deputados foram eleitos com base nele e a população prefere também “votar na pessoa” e “não no partido”. Este sistema é fragmentado e são dezenas, centenas, milhares de campanhas proporcionais; o sistema é muito caro porque o financiamento público não é para a chapa mas para milhares de candidatos; e o sistema é profundamente autofágico porque o adversário de um candidato(a) não é outro(a) do partido oponente, mas sim o candidato(a) do próprio partido que lhe ameaça a vaga entre os eleitos, que é definida pelo coeficiente eleitoral mais as chamadas sobras. Veja só: o principal adversário de um candidato(a) do PT por exemplo para deputado estadual e deputado federal, em 2026, é outro candidato do próprio PT. É por esta razão, dentre outras, que as eleições majoritárias para presidente, governadores e senadores é que deve ancorar nossa estratégia para 2026 e não as campanhas para deputado federal e deputado estadual. É esta estratégia mais politizada e unificadora que garantirá bons resultados nas eleições majoritárias e que irá “puxar” um bom desempenho do PT e da esquerda nas eleições proporcionais.
Veja porque a disputa proporcional não pode ancorar nossa estratégia para 2026 e nem para outras eleições futuras. A polarização, que é liderada pela representação proporcional, não é uma disputa política, é uma marcação de posição. Disputa política significa que você tem como meta tirar apoiadores do outro lado; quem polariza não dialogo porque o objetivo não é convencer gente do outro lado, mas crescer entre os apoiadores da bolha progressista. A polarização interessa à representação parlamentar individualizada que temos no Brasil, é autofágica, porque visa disputar apoio e votos com os companheiros do próprio partido, que os ameaça na eleição; aí então a disputa é para ver quem é mais radical, debochado, irônico e lacrador. A polarização não interessa às lideranças majoritárias, que precisam ser mais consensuais para vencerem as disputas majoritárias
Para que tenhamos campanha forte dos candidatos majoritários já no primeiro turno das eleições de 2026 – presidente, governadores e senadores – é preciso criar, como fizemos em Contagem, soluções criativas para unificar a militância nas ruas. Nossa experiência mostra que não tem muita viabilidade no primeiro turno a criação de comitês unificados “Lula presidente” por exemplo. Isto porque não tem viabilidade de reunir organicamente os candidatos proporcionais que são adversários entre si num mesmo espaço orgânico que funcione politicamente. Nossa solução em Contagem, em 2022 e 2024, foi menos orgânica e mais “movimentista”. Adotamos uma ampla agenda de rua semanal – Sextou, caminhadas, etc -, convocamos a militância para as ruas e lá superamos nossa autofagia, rivalidades das candidaturas proporcionais e nos reunificamos nas ruas na disputa contra os nossos adversários de extrema direita. Isto funcionou em Contagem em 2022, com Lula e Kalil, e, em 2024, com Marília Campos. Sugiro que este modelo organizativo seja replicado em 2026 em Contagem e que seja adotado em outras cidades.
5-A estratégia para 2026 deve ser a vitória de Lula no primeiro turno; isto porque caso se confirme uma única candidatura do campo progressista de Lula e diversas candidaturas de direita e de extrema direita, os adversários irão se unificar no segundo turno com grandes chances de nos derrotar. Tudo indica que o quadro de candidaturas em 2026 será muito diferente de 2022. Na eleição de 2022, Lula foi o candidato da esquerda e centro esquerda, ele quase ganhou as eleições no primeiro turno com 48,43% dos votos; mas tivemos diversas candidaturas democráticas e da esquerda mais radical: Simone Tebet (4,16%), Ciro Gomes (3,04%), Soraya Thronicke (0,51%) e outras micro-candidaturas de esquerda com pouquíssimos votos: Léo Péricles, Sofia Manzano, Vera do PSTU, que somaram 0,11% dos votos. Já a extrema direita esteve mais unificada em torno de Bolsonaro, que obteve 43,20% dos votos e Felipe Ávila teve apenas 0,47% dos votos. Veja como mesmo assim os resultados foram muito apertados: Lula cresceu no segundo turno 2,47% e venceu com 50,90% dos votos; Bolsonaro cresceu 5,9% e fechou com 49,10% dos votos.(…) Veja o quadro de candidaturas de 2026: Lula deverá ser o único candidato expressivo do campo progressista; a direita, se sair unificada, a eleição vira plebiscito logo no primeiro turno; se o caminho da direita for de múltiplas candidaturas no primeiro turno, um dos nomes vai liderar a preferência do voto de direita e a tendência de uma grande unificação no segundo turno. As candidaturas de oposição a Lula, se fragmentadas, serão da família Bolsonaro e de governadores do Sudeste, Sul e Centro Oeste, que são vinculados ao “centro bolsonarista”. Ou seja, se em 2022 Lula ampliou muito pouco no segundo turno, mesmo tendo apoios formais ou informais de candidaturas derrotadas de centro e de esquerda; em 2026, a ampliação da votação no segundo turno será ainda mais difícil dado o perfil de direita das candidaturas que não forem ao segundo turno.(…) Por isso mesmo, é preciso potencializar ao máximo a votação de Lula já no primeiro turno, com os votos progressistas, mas já com o apoio de muitos eleitores de centro e da direita democrática, garantindo-lhe a vitória sem a necessidade do segundo turno. Pesquisas recentes da Quaest em quatro dos oito cenários pesquisados e da Atlas Intel dão a vitória a Lula no primeiro turno. Veja só: não se trata de arrogância nem superestimação de nossas possibilidades eleitorais; o quadro eleitoral de 2026 exige que nossa estratégia seja a vitória em primeiro turno.(…) Veja a seguir algumas análises e estratégias que defendo para a esquerda em 2026.
a)Mariana Holanda, na Folha S.Paulo, fez uma análise interessante da disputa de “radicais” e “pragmáticos” pelo protagonismo da direita nas eleições de 2026. Disse ela: “Quase três anos separam o momento em que Jair Bolsonaro (PL) teve 58 milhões votos na eleição presidencial de 2022 e a sua condenação a 27 anos de prisão por liderar a trama golpista. Na época da derrota, aliados tentaram convencê-lo a aceitar o resultado e se tornar o líder da oposição no país. Mas ele decidiu viajar para os Estados Unidos e só retornou três meses depois, quando começou a responder a processos na Justiça e buscou, por fim, incorporar o papel de liderança da direita. Agora, condenado e já em prisão domiciliar, Bolsonaro deixa como legado uma direita fragmentada, com a ascensão de uma ala mais radicalizada e outra que busca sobreviver à sua sombra.(…) A condenação aumenta as incertezas sobre o bolsonarismo. Uma ala mais pragmática quer manter alianças do PL com o centrão, é menos ideológica com pautas ditas conservadoras e calcula os passos para aumentar as chances de derrotar o petismo no próximo ano. O outro grupo rechaça acordos políticos, defende sanções a autoridades brasileiras, é radicalmente crítico ao Judiciário e diz que o Brasil é uma ditadura. Os integrantes dessa segunda ala, hoje capitaneada por Eduardo nos Estados Unidos, tem atuação vista por alguns como mais combativa e radical que a do próprio ex-presidente. O deputado tem uma leitura de cenário distinta da dele e é mais avesso às composições políticas.(…) Esses aliados e apoiadores do ex-presidente falam dos movimentos da ala favorável a encontrar um sucessor como uma traição a Bolsonaro. Eles também defendem que ele deve seguir até o último momento como candidato. Em outra frente, a ala pragmática próxima a Bolsonaro busca criar uma frente ampla de direita para enfrentar Lula, mas sem desgarrar do ex-presidente. O principal nome é o de Tarcísio. Espremido entre as críticas de alas mais radicais e pressionado a manter postura mais moderada, o governador tem buscado se equilibrar entre a incerteza se continuará candidato à reeleição em São Paulo ou se disputará a Presidência no próximo ano. O grupo mais pragmático quer trazer o bolsonarismo mais para o centro, como uma estratégia eleitoral –acreditam que será a forma de expandir votos– e de sobrevivência. A consequência da radicalização de Bolsonaro, afirmam, levou-o à condenação de 27 anos e três meses pelo STF. Ao contrário da ala mais radical do bolsonarismo, eles defendem diálogo com ministros do Supremo, numa tentativa de apaziguar a relação ou mesmo buscar acordos –ainda que não fique claro com quem ou que tipo de acordo. Tanto para os mais radicais quanto para os mais pragmáticos, há um consenso de que nenhum dos dois grupos pode romper com o ex-presidente. Eles rivalizam pelo protagonismo político e eleitoral no campo, mas sem abandonar Bolsonaro”.(Folha S.Paulo, 14/09/2025).(…) Conclusão da analista: “radicais” e “pragmáticos” não pretendem abandonar Bolsonaro, ou seja, ou estarão unidos no primeiro turno ou se unirão numa grande frente de direita no segundo turno.
b)É preciso sair da defensiva no debate dos “valores” e da cultura e defender o “Brasil da diversidade”. Em todo o Brasil marqueteiros e outros “especialistas” em comunicação defenderam que os candidatos do PT nas eleições municipais de 2024 fugissem do debate dos “valores” que seria a pauta preferida da extrema direita. Marília, em Contagem, não aceitou estas recomendações e enfrentou o debate que é uma prioridade para uma parcela da população. Mas Marília venceu a disputa no debate dos valores porque adotou uma concepção universal de defesa da pluralidade e dos direitos humanos, não adotou um discurso identitarista voltado apenas para as bolhas. Para nós, da esquerda, os direitos humanos são universais e todos os cidadãos e cidadãs devem ser respeitados(as): raça, gênero, orientação sexual, religião, classe social, idade, pcd. Queremos a diversidade política, diversidade religiosa, diversidade de orientação sexual, diversidade de raça, diversidade de gênero, diversidade no futebol, queremos diversidade. Precisamos assumir, sem medo, nossa defesa da cultura e do lazer da população. Em Contagem, para quem não sabe, a oposição centralizou a disputa no combate “aos shows e reforma de praças” defendendo, de forma demagógica, que a prioridade única seria “melhorar a saúde”. Nossa ofensiva nasceu da observação que fizemos da vida cotidiana dos candidatos da oposição. Vimos nas mídias sociais de um dos principais oposicionistas, que ele e sua família, nas férias e feriados prolongados, sempre viajavam para as melhores praias e lugares do Brasil e da América do Sul. Ou seja, a oposição tinha restrição ao direito da cultura e do lazer para os pobres, mantendo como um direito somente dos mais ricos. Marília assumiu então a “defesa da cultura, do lazer e dos esportes de graça para a população” e as pesquisas indicaram grande apoio a esta política democratizadora.(…) E precisamos assumir de forma clara a defesa da pluralidade política; é um direito de todos e todas serem de esquerda, de centro e de direita. Bolsonaro foi julgado, condenado e não deve ser anistiado não porque é direita, ou melhor de extrema direita, mas porque é um golpista, que sempre defendeu ao longo de sua vida saídas autoritárias, e, no governo, trabalhou pela implantação no Brasil de uma ditadura militar.
c)Precisamos trazer o Brasil para a agenda política e programática, centrada na defesa da democracia, do Estado Social e da soberania nacional. Portanto, o que defendemos é isso: o PT precisa adotar a defesa do “Brasil da diversidade”, deve defender a “cultura, esportes e lazer” de graça e esvaziar a guerra política e cultural que alimenta o bolsonarismo. Precisamos trazer o Brasil para a agenda política e programática, centrada na defesa da democracia, do Estado Social e da soberania nacional.(…) A democracia, a maior conquista da humanidade, como define meu amigo Ivanir Corgosinho, deve ser defendida de forma estadista e grandiosa, deve ser defendida com indignação contra o autoritarismo, e com emoção por vivermos em um regime de liberdades. A democracia não se confunde com atitudes rebaixadas e individualistas, que se explicitam no “sentimento de vingança”; e na base do “deboche” e da “gozação”. A democracia não pode ser transformada em um “caso de polícia” como temos feito atualmente (o “Toc, Toc, Toc, aqui é a Polícia Federal”), esta peça foi criada por uma dissidente do bolsonarismo, como vingança, e não serve à esquerda.(…) Precisamos defender o nosso Estado Social, o mais amplo e robusto dos países em desenvolvimento; só nós, brasileiros, temos SUS, INSS e previdência dos servidores; CLT; educação pública desde a creche até o doutorado; assistência social como política pública; cultura lazer e esportes de graça e outras políticas públicas.(…) Devemos lutar também pela soberania nacional, de forma correta como reconhecimento da autodeterminação dos povos, e sem o isolacionismo, queremos uma integração justa e mais igualitária do Brasil no mundo.
Muitos dizem, com razão, que quem dita a “pauta política” vence as disputas eleitorais. Podemos ganhar a pauta das eleições, mas os desafios são muitos. (…) Na defesa da democracia, a opinião pública, conforme pesquisas de opinião, tem estado majoritariamente ao nosso lado. Pesquisa Quaest revela que o julgamento acabou trazendo mais problemas do que soluções para o ex-presidente: consolidou-se a percepção de que houve uma tentativa de golpe, 55% contra 38%, envolvendo Bolsonaro e os militares e também cresceu o percentual que acredita que Bolsonaro participou ativamente do plano para tentar dar um golpe (54%), contra 34% que acreditam que o ex-presidente não esteve diretamente envolvido no plano. E muito importante: existe uma maioria social expressiva que discorda da anistia aos golpistas. Pelo Datafolha 54% são contra anistia para Bolsonaro e 39% são a favor; a rejeição à anistia é ainda maior aos golpistas de 8 de janeiro de 2003, 61% são contra e somente 33% são a favor. Na pesquisa AtlasIntel, a rejeição à anistia é de 57,3% e 40,6% são a favor. O desafio é manter esta rejeição à anistia de forma elevada e continuada.(…) A defesa do Estado Social é fundamental, a esquerda, em particular Lula, tem enorme identidade com estes direitos, mas o desafio é convencer a população que os direitos correm sério risco de continuidade em um governo de direita no Brasil. Os principais candidatos, nas reuniões com os empresários, afirmam para quem quiser ouvir, que irão desvincular verbas da saúde e da educação, que irão desvincular o salário mínimo dos benefícios sociais e irão acabar com os ganhos reais do mínimo; que farão uma reforma administrativa radical; falam na privatização da previdência social. Mas veja só: a população não está ligada nos riscos de supressão de direitos sociais. Conclusão de Felipe Nunes da pesquisa Quaest: “Mas os programas parecem ter perdido efeito político, uma vez que mais brasileiros acreditam que eles passaram a ser direitos (65%) e não benesses que exigem gratidão política (29%)”. Seria um enorme avanço se os programas sociais não fossem mais políticas de governo, no caso dos nossos governos, mas programas de Estado, mas, infelizmente, isso não corresponde à realidade. Alertar a população dos riscos ao Estado Social será um enorme desafio nas eleições de 2026.(…) Finalmente, temos o tema crucial da soberania nacional, onde o governo Lula tem ampla aprovação. Pesquisa Quaest alerta: “Mas parece que o efeito do tarifaço bateu no teto. A popularidade do governo ficou estável mesmo com 49% acreditando que Lula tem se saído melhor que Bolsonaro e seus aliados diante do embate com os norte-americanos”. Tem sido noticiado a repercussão contra a extrema direita dos efeitos eleitorais negativos do tarifaço em eleições pelo mundo. Dois casos citados – Canadá e Austrália -, onde o tarifaço levou a derrota da extrema direita, que antes liderava as pesquisas, mas é preciso considerar que nestes dois países o tarifaço foi em pleno processo eleitoral, e no Brasil será mais de um ano depois das medidas de Trump. Portanto, é um desafio manter o tema soberania nacional com força no próximo período, sendo que a oposição vai explorar o fato de uma eventual continuidade do tarifaço.
d)O Brasil precisa ampliar os investimentos públicos e privados para ter um crescimento sustentado e para continuar ampliando os direitos sociais. A continuidade das conquistas sociais no Brasil passa por um crescimento econômico sustentado, o que requer uma forte ampliação da taxa de investimento no Brasil – privada e pública, dos atuais 17% para 25% do PIB, média dos países desenvolvidos. Não tem como aumentar direitos com o aumento da carga tributária, que já está em patamar elevados de 32% do PIB. E é por isso que a reforma tributária do governo Lula do consumo e da renda tem sido “neutra”, ou seja, está sendo feita uma redistribuição mais progressiva da carga tributária, como no caso da isenção do IR até R$ 5 mil, redução do imposto até R$ 7 mil e tributação mais forte dos milionários e bilionários, e sem o aumento da carga tributária. O Brasil precisa baixar os juros e para isso precisa arrumar de forma mais sustentada a situação fiscal e, sobretudo, aprovar uma meta de inflação mais realista e compatível com o crescimento econômico; a meta de 3% fixada no governo Bolsonaro, na série histórica de 45 anos do IPCA, só foi alcançada durante três anos. Ou seja, meta de inflação muito baixa é para perpetuar juros muito elevados. E com juros elevados, a dívida pública ficará incontrolável e os investimentos privados não serão ampliados, porque especular será mais lucrativo do que produzir. E o Brasil precisa desarmar algumas “bombas fiscais”, como, por exemplo, a tentativa de mudar o modelo de previdência social, do pacto de gerações, para a previdência capitalizada, já exigida para estados e municípios, que abre rombo de R$ 18,3 trilhões nas finanças públicas no Brasil, o que é uma catástrofe para as finanças públicas nas próximas décadas, o que exigirá um ajuste fiscal selvagem muito superior ao que é feito atualmente para o pagamento da dívida pública.
e)Mais do que nunca é a Frente Ampla para a eleição da presidência da República e para os governos estaduais que vai derrotar a extrema direita. Existe um consenso bastante amplo na esquerda da necessidade de constituição de uma Frente Ampla para derrotar a extrema direita nas eleições de 2026. O Brasil teve desde a redemocratização apenas dois partidos com projetos nacionais: PT e PSDB até 2014 e PT e o movimento político que liderou o PL posteriormente. Foram estes partidos que encabeçaram as chapas presidenciais em todo o período. Os outros grandes partidos de centro – PSD, PP, União Brasil, MDB, Republicanos – não tem homogeneidade política e ideológica nacional, são mais federações estaduais. Antes do processo de polarização que vivemos atualmente, não havia a clivagem regional tão marcante como atualmente, PT e PSDB eram fortes em todas as regiões, faziam amplas coligações para a presidência da República e para governos de coalizão, o PT principalmente com o MDB, e o PSDB com o PFL. Com a polarização, a partir de 2015, a política no Brasil ganhou uma clivagem regional muito grande, o PT mais forte no Nordeste e Norte e a extrema direita mais forte no Sudeste, no Sul e no Centro Oeste. Mesmo assim, PT e PL continuaram como partidos nacionais, mas os partidos de centro racharam nacionalmente, são mais próximos ao PT e PL nas regiões onde estes partidos são mais fortes.(…) Veja só: não é uma tarefa fácil para os partidos de centro lançarem candidaturas à presidência da República ou participarem de coligações formais com PT e PL; a tendência é que em cada Estado o candidato a ser apoiado é o que lidera a clivagem política local. Desta forma não se deve ter ilusão: defendemos a Frente Ampla, mas Lula provavelmente não vai conseguir trazer para a coligação formal nenhum grande partido de centro, o vice será Geraldo Alckmin e a ampliação política será de setores dos partidos e diversos Estados, em particular naqueles onde Lula é mais forte.(…) A esquerda ganha a eleição presidencial se tiver um grande desempenho no Nordeste e também no Norte; com um bom desempenho no Sudeste, em particular em Minas Gerais e no Rio de Janeiro; com redução da frente da direita em São Paulo, especialmente na região metropolitana; e com um bom desempenho também no Rio Grande do Sul. Neste sentido, o apoio de segmentos dos partidos de centro será fundamental no Nordeste e Norte, e serão fundamentais o PSD no Rio de Janeiro, com Eduardo Paes, e em Minas Gerais, com Rodrigo Pacheco.
f)A eleição para o Senado será fundamental, o “progressismo” precisa se unificar em torno de dois candidatos; não existe espaço para a marcação de posição e para a autoconstrução partidária ou de segmentos. Em primeiro lugar é preciso dizer que não é uma tarefa fácil a extrema direita ter a maioria do Senado em 2026. O colunista César Felício, do Valor Econômico, publicou um longo artigo em que afirma que a nacionalização da eleição para o Senado como quer o bolsonarismo é improvável, porque esta eleição é muito vinculada aos governos estaduais. Ele disse que o avanço do bolsonarismo puro-sangue tende a ser temperado pela força dos governadores: “O Senado deve caminhar para a direita em 2026, mas não necessariamente para o bolsonarismo, em que pese o empenho do ex-presidente Jair Bolsonaro em eleger seus três filhos e sua mulher para a Câmara Alta. O foco do bolsonarismo no Senado está bem explicado. Uma maioria bolsonarista no Senado coloca na mesa a arma do impeachment de ministros do Supremo. Essa ameaça poderia levar a uma negociação que reabilite Bolsonaro. As incógnitas ainda são muitas, com 54 cadeiras a se renovar (duas por Estado), mas três fatores freiam a potência da nacionalização da disputa pelo Senado. Dois deles estão profundamente interligados: o interesse de governadores em fim de mandato em disputar uma cadeira e a prioridade que lideranças regionais e o próprio eleitor dão à disputa para os governos estaduais. Estes dois são os fatores mais importantes. Há 15 governadores que não descartam de maneira cabal disputar o Senado e que, entrando em cena, no mínimo, são competitivos. Apenas um, o coronel Marcos Rocha, do União Brasil de Rondônia, pode ser considerado um bolsonarista raiz. Dez estão no campo da direita. Provavelmente apoiarão uma agenda liberal na economia e conservadora nos costumes, mas o compromisso com pautas como impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal é mais duvidoso. Na eleição dupla para o Senado, não há sublegenda. O eleitor vota duas vezes e se elegem os dois mais votados, independentemente do partido. Isso aumenta o risco no momento de se estabelecer a aliança com dois nomes fortes, sobretudo se existir um só adversário forte na outra chapa. O terceiro fator é o peso das emendas parlamentares na disputa, que torna o ar mais rarefeito para nomes novos, sobretudo nos menores colégios eleitorais. Ganham vantagem deputados federais que almejam a cadeira de senador ou senadores que tentam um novo mandato”.(Valor Econômico, 26/06/2023).
Esta avaliação menos aterrorizante não deixa de ser um alívio para a esquerda e o progressismo. Mas os desafios são muitos: a) será preciso uma sólida aliança com o centro não bolsonarista, em todo o País, mas sobretudo nos pequenos estados do Norte e Centro Oeste, onde o PT é fragilíssimo; b) uma boa notícia é que, além de candidaturas fortes no Nordeste e Norte, o PT, nas primeiras pesquisas, aparece de forma competitiva em estados do Sudeste, como em São Paulo, com Fernando Haddad; Benedita da Silva, no Rio de Janeiro; e Marília Campos, em Minas Gerais; c) a eleição no Senado não tem segundo turno e não tem espaço para marcação de posição e autoconstrução partidária por parte da esquerda, em especial do PSOL; será preciso a unificação do progressismo em torno de dois nomes mais competitivos. Nossa estratégia deve ser a mesma utilizada no segundo turno na França para barrar a extrema direita: vamos lançar apenas dois candidatos ao Senado e quem não tiver viabilidade eleitoral não deve se candidatar.
g)A eleição para a Câmara dos Deputados continuará sendo um grande desafio para a esquerda, sobretudo num sistema eleitoral de lista aberta e com as emendas impositivas. Toda vez que a Câmara Federal adota posições que discordamos profundamente, como no caso recente da PEC da Blindagem e da urgência para a anistia para os golpistas, a militância social de esquerda lança como meta a esquerda eleger a maioria dos deputados federais. Não é simples isso; na verdade é quase impossível. O PT, por exemplo, atingiu 86 deputados federais em 2010, mesmo com coligação proporcional; em 2022, mesmo sem coligação e apenas com Federação, foram eleitos apenas 68 deputados federais. Veja só: nos países que elegem os seus parlamentares através das listas partidárias, do voto distrital, ou mesmo do voto distrital misto (voto distrital e lista partidária), como são eleições mais politizadas, o número de votos para o Parlamento fica muito próximo dos votos para o presidente e para o líder que almeja ser primeiro ministro. No sistema proporcional de lista aberta que temos no Brasil, a representação no Parlamento é mais fragmentada e nenhum partido isoladamente alcança nem 20% dos eleitos. Isso também explica a sub-representação das mulheres; na lista fechada, as mulheres são bem posicionadas nas listas, seja em função da legislação ou pela pressão que elas exercem sobre os partidos, e o número de mulheres eleitas é muito grande, acima de 30% a 50%. Na lista aberta, é cada uma para si mesmo. As emendas impositivas milionárias também dificultam a renovação e a mudança mais profunda na correlação de forças entre os partidos, porque como alguém diz: “perder a eleição beira a incompetência” ou então é fruto das dificuldades de se compor chapas competitivas.
O PT tem limites para um grande crescimento da bancada federal na Câmara dos Deputados: é um partido muito frágil nos municípios e prefeitos e vereadores são peças fundamentais na eleição de deputados; o PT é fortíssimo no Nordeste, sempre elegeu muitos governadores na região, mas a representação na Câmara dos Deputados não está à altura da força do Partido na região.(…) O PT já foi mais forte na Câmara dos Deputados, mesmo quando tinha coligação e isto implicava na perda de 10 a 20 deputados em cada eleição. O PT tinha mais força quando tinha mais prefeitos e vereadores. No passado, antes das perseguições a que foi submetido o nosso Partido, até 2012, a representação parlamentar era muito universal, tinha berço político, quase sempre, nos grandiosos movimentos sociais das décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. Deputados das maiores cidades viraram prefeitos de suas cidades; suplentes assumiam e o partido crescia; vereadores nas pequenas eram também eleitos prefeitos e assumiam os seus suplentes. Veja um estudo que fiz somente de Minas Gerais, com a quantidade de deputados e vereadores que foram eleitos prefeitos de cidades médias e grandes de Minas Gerais: Patrus Ananias, Célio de Castro, Marília Campos, Maria do Carmo Lara, Jesus Lima, Chico Ferramenta, Chico Simões, Gilmar Machado, Elisa Costa, Cecília Ferramenta, Maria José de Teófilo Otoni, Pompílio Canavez. Temos também dezenas de vereadores(as) que se tornaram prefeitos nas décadas a que nos referimos nas pequenas e médias cidades. E, Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte, foi eleito governador de Minas Gerais. E, mais recentemente, mesmo com polarização forte, Marília Campos, então deputada estadual, e Margarida Salomão, deputada federal, se elegeram e reelegeram prefeitas. O certo é que nossa representação parlamentar perdeu muito a conexão com a vida municipal e optaram pela representação orgânica de segmentos sociais e ou por uma representação mais fragmentada nos Estados. São poucos(as) os parlamentares, diferente do passado, que são competitivos nas disputas majoritárias, especialmente para prefeitos(as). Veja só: o PT tem atualmente 180 deputados federais e estaduais e, nas últimas eleições elegemos somente seis prefeitos(as) nas maiores cidades do Brasil, sendo três já eram prefeitos e apenas três eram deputados.(…) Portanto, sem reassumir o sentido municipalista dos seus primeiros anos de criação, com o jeito petistas de governar e legislar, dificilmente o PT vai avançar de forma expressiva por dentro do sistema eleitoral de lista aberta. E o PT tem mais uma contradição: o Partido é mais forte na Câmara dos Deputados no Sudeste e no Sul onde é frágil nos cargos majoritários; e, no Nordeste, não sei por quais razões, o PT é muito forte nos governos estaduais, mas tem uma representação parlamentar muito pequena.(…) Com todas estas dificuldades não acho crível avaliações que podemos, junto com outros partidos de esquerda, ter maioria no Congresso Nacional. No caso do PT considero que será um avanço sair dos 68 para 80 deputados federais. Claro que um resultado dos sonhos seria eleger 90 deputados federais, sobretudo com a superação de dificuldades que temos, sobretudo no Nordeste e no Norte. A ver.
h)Mais do que estratégias políticas corretas é a “esperança de futuro” que abrirá portas e janelas de novos tempos. José Luís Fiori iluminou a nossa militância política em Contagem e é uma das nossas principais referências teóricas do petismo local, quando fez um diagnóstico do “tempo histórico” da extrema direita, que é o fim das épocas da globalização neoliberal, que deixam um rastro de desigualdade, desesperança, guerras, conflitos políticos e religiosos, ódio e ressentimentos. No artigo “Revolta e esperança”, José Luís Fiori diz: “Vivemos uma verdadeira guerra entre duas visões da humanidade, absolutamente antagônicas e, ao mesmo tempo, no caso brasileiro, entre duas concepções opostas – de estado, de sociedade, de economia, de sustentabilidade, de cultura, de civilização e de futuro. Neste momento é fundamental que os progressistas apresentem à sociedade brasileira um projeto de futuro que seja inovador e que seja diferenciado, combinando uma verdadeira estratégia de guerra contra a desigualdade, com um projeto simultâneo de construção de uma nação, popular e democrática, e de uma grande potência pacificadora capaz de influenciar as gigantescas transformações mundiais que estão em pleno curso. É fundamental neste momento conscientizar e conquistar o apoio de todos os brasileiros para um novo projeto de futuro solidário e compartilhado por todos, capaz de vencer a distopia teológica e ultraliberal da salvação de cada um por si, mesmo que seja contra todos os demais, com a benção de Deus e a mão invisível do mercado. Nesta hora, mais do que nunca, é preciso inovar e apresentar com coragem e absoluta clareza, ideias e projetos, mas sobretudo, um “sonho de futuro” capaz de sintonizar com a imaginação e a esperança de todos os brasileiros”.(Outras Palavras, 13/10/2022).
José Prata Araujo é economista.