O Prêmio Brasil Sem Fome, iniciativa do Governo Federal por meio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), reconheceu Contagem entre as 20 cidades do país por suas boas práticas em Segurança Alimentar e Nutricional e Agroecologia. Vinculada ao Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares e à Estratégia Alimenta Cidades, Contagem é hoje uma referência nacional pela solidez de sua política pública e pelo protagonismo na luta contra a fome.
A cidade foi premiada por sua Política Municipal de Segurança Alimentar, Nutricional e de Agroecologia, que há duas décadas garante o acesso à alimentação saudável, combate o desperdício e fortalece as agriculturas urbana e familiar, contribuindo efetivamente para o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Trata-se do reconhecimento de uma política pública que alia compromisso, sustentabilidade, transparência e inovação, promovendo o direito humano à alimentação adequada e saudável.
A história dessa política remonta a 2003, quando o Brasil deu um passo decisivo ao reconhecer a fome como um problema estrutural e coletivo, e instituiu o programa Fome Zero e o Sisan. Nesse contexto, o Governo Federal convocou estados e municípios a construírem suas políticas locais de segurança alimentar, oferecendo apoio técnico e financeiro para a criação de equipamentos públicos — como bancos de alimentos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias — e para a estruturação de marcos legais que garantam a continuidade das ações.

Contagem respondeu pioneiramente a esse chamado. Sob a liderança da prefeita Marília Campos, o município tomou a decisão política de organizar sua própria política de segurança alimentar, sancionando, em 2005, a Lei nº 3.944, que instituiu o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (COMSAN) e o Fundo Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (FUMSAN). A aprovação dessa legislação, resultado de forte articulação entre poder público, sociedade civil e legislativo, consolidou a base institucional necessária para o avanço da política.
A partir desse marco, Contagem estruturou programas e ações que se tornaram referência nacional: implantação do Banco de Alimentos, das Cozinhas Comunitárias, do Centro Municipal de Agricultura Urbana e Familiar (CMAUF), do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, posteriormente, dos Restaurantes Populares, além do Programa de Educação Alimentar e Nutricional. Essas iniciativas ampliaram o acesso à alimentação saudável, fomentaram a agricultura urbana e familiar e consolidaram a integração com políticas de saúde, educação, habitação e desenvolvimento social.
Em 2009, a Lei nº 4.276 fortaleceu esse arcabouço ao instituir o Sisan no âmbito do município, com estrutura formada pela Conferência, Conselho e Política de Segurança Alimentar, organizada em quatro programas: fornecimento de alimentação preparada e de baixo custo; abastecimento e complementação alimentar; agricultura urbana e familiar; e educação alimentar e nutricional. Essa lei representou não apenas uma sistematização das ações existentes, mas a consolidação de uma política pública permanente.
Com base nessa trajetória, Contagem construiu uma política pública sólida, intersetorial e participativa, que atravessou governos, crises e retomadas. A partir de 2021, com o retorno da prefeita Marília Campos, a cidade reafirmou seu papel de vanguarda, reorganizando serviços com transparência e ampliando a articulação entre governo e sociedade civil.
Destacam-se, nesse período, o fortalecimento do CMAUF, que fomenta as agriculturas urbana e familiar e oferece alimentos saudáveis por meio de feiras e hortas comunitárias; a modernização do Banco de Alimentos, com rede ampliada de doadores e uma Cozinha Pedagógica para capacitação em educação alimentar e nutricional; a requalificação dos Restaurantes Populares, que, atuando de forma integrada com as Cozinhas Comunitárias, atendem diariamente mais de 4.000 pessoas, sendo 2.300 dessas, públicos mais vulneráveis, famílias cadastradas nas Cozinhas Comunitárias, população em situação de rua e emergências.
Neste arranjo institucional integrado, as Cozinhas Comunitárias foram ampliadas de duas para sete, ampliando o atendimento de 800 refeições/dia para 2.200 refeições/dia atualmente. Além disso, a reestruturação do PAA, conecta produção local e regional com a agenda alimentar urbana, beneficiando agricultores urbanos e familiares e garantindo acesso à alimentos de qualidade para públicos vulneráveis à insegurança alimentar, atendidos pela rede socioassistencial cadastrada.
Essa experiência prática reflete uma compreensão contemporânea e urgente: os sistemas alimentares estão diretamente ligados ao clima e ao território. Em tempos de emergência climática, políticas alimentares sustentáveis são também estratégias de mitigação e adaptação por reduzirem emissões, valorizarem a biodiversidade e fortalecerem a resiliência das comunidades locais. Em Contagem, essa integração se manifesta na valorização das agriculturas ecológicas, na promoção da agroecologia e na articulação entre segurança alimentar, meio ambiente, proteção social, economia solidária e saúde pública — dimensões que conectam o direito à alimentação com a justiça climática.
Assim, a política municipal insere Contagem num movimento global que reconhece o papel das cidades como protagonistas da transformação dos sistemas alimentares, articulando o combate à fome com a transição ecológica e climática. Essa abordagem valoriza a sociobiodiversidade, fortalece circuitos curtos de produção e consumo e reforça políticas estruturantes, como a alimentação escolar, como instrumentos de desenvolvimento local e de justiça socioambiental.
A permanência e o fortalecimento dessa política se sustentam em um marco legal robusto, que assegura sua continuidade e efetividade, e em um amplo processo participativo que envolve conselhos, conferências e feiras populares. Essa estrutura garante que o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) seja uma política de Estado, e não de governo, enraizada em princípios de equidade, justiça social, participação popular, sustentabilidade e transparência.
Em fase de construção, o III Plano Municipal de Segurança Alimentar, Nutricional e de Agroecologia de Contagem será um novo marco para a consolidação dessa trajetória. Ele reafirma o compromisso histórico do município com a segurança alimentar, a soberania dos territórios e a transição climática justa — mostrando que, quando uma política pública é bem estruturada, participativa e sustentável, ela floresce, resiste às adversidades e segue garantindo proteção social, sustentabilidade e saúde para todas as pessoas.
Maria Aparecida Rodrigues de Miranda é Superintendente de Segurança Alimentar Nutricional e Agroecologia de Contagem.
