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Ivanir Corgosinho: A hegemonia pela confiança – o modelo de governança de Marília Campos

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Governar não é uma tarefa simples, especialmente no caso de prefeituras pequenas e médias, como a de Contagem. Os administradores públicos enfrentam limitações estruturais significativas: escassez de recursos, dificuldades para medir resultados e assegurar a qualidade do gasto, além do crescimento contínuo das demandas sociais. Há, ainda, entraves burocráticos e o risco constante de uma obra ser interrompida, de faltar medicamentos em uma unidade de saúde, de servidores públicos entrarem em greve ou de um financiamento aguardado não ser aprovado. Esses fatores, junto a muitos outros, tornam a gestão uma atividade complexa e sujeita a imprevistos.

Isso significa que conquistar e manter uma opinião pública favorável ao governo por longo tempo é um dos objetivos mais difíceis, especialmente sob as condições das grandes transformações comportamentais nas sociedades contemporâneas. Tais mudanças têm levado a um processo extremo de fragmentação e segmentação das relações sociais. Entraram em voga novas formas de ser e fazer as coisas, pautadas em noções como “conteúdo personalizado”, “atendimento por demanda”, “descentralização de plantas”, nichos de consumo, empreendedorismo, mérito e, enfim, uma miríade de mudanças que realçam as diferenças e as particularidades. Baseadas na singularidade e na autonomia individual, essas novidades enfraquecem as referências coletivas e tornam mais difícil a construção de consensos duradouros.

O advento das redes sociais e da internet agrava essa situação. As pessoas passaram a ter acesso a uma quantidade inédita de informações e perspectivas. Vivemos num caos informacional que leva os indivíduos a buscarem segurança no reforço de suas crenças e opiniões, formando bolhas de sentido que polarizam a esfera pública. O ambiente de radicalização política e a manipulação de informação são outros complicadores que bloqueiam o diálogo e a compreensão entre diferentes grupos. Com a disseminação de notícias falsas e informações manipuladas, as pessoas podem ter dificuldade em distinguir entre o que é verdadeiro e o que não é, impulsionando uma fragmentação ainda maior das opiniões e interesses.

Esse contexto ajuda a explicar por que os gestores municipais enfrentam tanta dificuldade em alcançar altos índices de aprovação. Segundo pesquisa PoderData, em dezembro de 2024, apenas 32 % dos entrevistados avaliavam os prefeitos com “ótimo” ou “bom”, enquanto 41 % os classificam como “regulares” e 19 % como “ruins” ou “péssimos”. O dado revela que menos de um terço da população manifestava aprovação clara, enquanto a maior parte adotava uma posição intermediária — nem de apoio nem de rejeição. Essa predominância de avaliações “regulares” sugere um ambiente de cautela, desconfiança e baixa identificação com as lideranças locais. Em grande medida, esse padrão reflete as condições sociais em que as percepções políticas se formam: um ambiente fragmentado, de incerteza, sujeito a ruídos comunicacionais e de vínculos frágeis entre governantes e governados.

Nesse cenário, a aprovação de Marília Campos à frente da Prefeitura de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é um fenômeno que desafia a compreensão. Desde 2021, a prefeita vem alcançando taxas de aprovação que oscilam entre 70% e 80%, números que impressionam tanto pela dimensão quanto pela longevidade. Frente aos desafios mencionados, a estabilidade da petista mineira convida a uma pergunta inevitável: qual é o segredo?

O que determina a boa avaliação do governante municipal?

A aprovação de um governante está relacionada, naturalmente, às entregas de sua gestão em termos de obras, serviços e políticas públicas. É vital que ele construa as condições necessárias para atender às demandas da comunidade em áreas como educação, saúde, obras de infraestrutura ou segurança pública, dentre outros. Esses temas são insumos primários no relacionamento entre os moradores e o Poder Público. Uma má prestação de serviços significa notas baixas e, com elas, um esfriamento das relações e um afastamento que pode sepultar pretensões políticas. Entretanto, a gestão eficaz de serviços públicos não é a única coisa que importa para as pessoas. Parte significativa da avaliação de um governo é ditada pelo juízo que a população faz da liderança. Importa o grau em que as pessoas veem a si mesmas e seus valores representados naqueles que governam, se existem evidências de corrupção ou não, se os processos de tomada de decisão são democráticos, etc. Trata-se, enfim, do problema da confiança na liderança e seus métodos e no processo de governo.

Geralmente, quem diz alguma coisa sobre o tema acaba resvalando para as soluções weberianas sobre os tipos de autoridade, destacando a liderança carismática como a que melhor explicaria a ascendência dos líderes populares sobre as “massas”. Divirjo desse caminho como chave explicativa, tanto quanto discordo da interpretação mais simples, que traduz carisma como simpatia e poder de comunicação. O carisma, em Weber, é uma qualidade atribuída que faz a liderança ser percebida como dotada de forças ou características excepcionais. Tais qualidades pessoais permitem que o líder exerça influência profunda e emocional sobre os outros, inspirando admiração, lealdade e até devoção, sem depender de autoridade formal ou retribuição de algum tipo. O problema é que esse tipo de vínculo é instável por definição: é unilateral, não se baseia num cálculo racional e dificilmente resiste à frustração. Quando as expectativas não são correspondidas, o encanto se desfaz e o líder deixa de liderar. Por isso, o carisma, assim entendido, não é funcional nas democracias, especialmente quando envolvem a participação popular. Nelas, a adesão da população não depende de qualquer predicado excepcional do governante, mas da confiança — um sentimento que só pode existir em relações de reciprocidade. A confiança pode ser abalada, mas, diferentemente do carisma, ela não se dissolve ao primeiro tropeço: é fruto de identificação, reconhecimento e continuidade na experiência de governo. Obviamente, a prefeita é carismática e inspira empatia, mas isso tem pouco a ver com a longevidade de sua aprovação. Por isso, é necessário refletir sobre o estilo de liderança de Marília, quem sabe fundamentando um modelo replicável em outras experiências.

Este artigo propõe uma hipótese: ela conquistou o que denomino “hegemonia pela confiança”, na qual a figura da prefeita é percebida como garantia de que o objetivo da administração é, de fato, o bem-estar das pessoas e que elas não serão ignoradas nas decisões que as envolvam. Essa confiança se apoia na correspondência entre discurso e prática via resultados concretos em obras, serviços e práticas em um modo de governar que não ignora as pessoas – ao contrário, as inclui.

Trata-se de uma fase inicial no processo de construção da hegemonia, no sentido gramsciano do termo. A diferença entre o conceito clássico e o de “hegemonia pela confiança”, tal como proponho, é que neste a legitimidade da liderança ou projeto político ainda tem um forte componente afetivo e pessoal, que suplanta as dimensões programática e institucional. Dessa forma, ela se constrói na rotina das tensas relações instituição/liderança/população e não pode ser explicada por um fator isolado, mas pela combinação de dimensões complementares que, articuladas, formam seu núcleo essencial. Essas dimensões, em parte, são atributos pessoais da prefeita. Em parte são institucionais e referem-se à gestão municipal. Neste texto, proponho que essas dimensões são a eficiência administrativa, o sentido humanista e universal das ações, a participação popular e a identidade política mediadora de Marília Campos.

O desempenho administrativo como base da aprovação e da confiança

Estudos clássicos sobre governos locais mostram que a apresentação de resultados objetivos e a boa governança são variáveis centrais na legitimação de governos municipais, especialmente quando tornam visível e palpável a presença do Estado na vida cotidiana.

Em Contagem, desde 2021, a gestão Marília Campos consolidou uma sólida reputação de eficiência, com investimentos visíveis em todas as áreas prioritárias: escolas de educação infantil, unidades de saúde, praças, obras de drenagem e contenção de risco, pavimentação de vias e mobilidade urbana, etc. Isso se deve à combinação de uma gestão local eficiente com a retomada do crescimento econômico do país impulsionado por estímulos federais do governo Lula e pela recuperação pós-pandemia e, ainda, à capacidade de articulação de parcerias com os governos federal, estadual, parlamentares, empresários, etc.

O impacto dessas realizações ultrapassa a dimensão técnica: elas materializam a presença do governo no cotidiano e geram o sentimento difuso de que há alguém cuidando da cidade, enfrentando os problemas e fazendo a vida melhorar. Esse sentimento é reforçado por indicadores econômicos e sociais — como a abertura de novas empresas, a geração de empregos formais e a atração de investimentos externos, — que confirmam a ideia de que a cidade está em movimento e atrai confiança também de fora. O volume de investimentos privados no município desde 2021 chega a R$ 13 bilhões, de acordo com os cálculos da prefeitura e foram gerados 38.811 empregos de carteira assinada de 2021 a setembro de 2025, conforme o CAGED. Com este número, Contagem tem a segunda economia de Minas que mais gera empregos formais.

É importante registrar que, neste caso, o protagonismo não está apenas na liderança pessoal de Marília. Ela, certamente, tem um papel central no processo. Ela é a chefe da equipe, é quem define prioridades, assume publicamente os compromissos, dá rosto e voz aos avanços e responde pelos tropeços.

Todavia, a eficácia da gestão depende do trabalho coletivo e da capacidade de coordenação política e técnica. O que tem acontecido é que também a avaliação da gestão como um todo — e da maioria dos serviços monitorados — apresenta, de forma consistente, índices significativos de aprovação no período em foco, ainda que em percentuais inferiores ao da prefeita.

Esse resultado é fundamental para que os moradores desenvolvam expectativas e vínculos de confiança também com a administração – passo sem qual não será possível avançar para uma forma mais adensadas de hegemonia, ou seja, aquela baseada numa cultura de consumo de serviços públicos, compartilhamento de valores coletivos e cultura institucional.

O humanismo universalista como sentido da ação

O campo da política é território de conflitos e de concórdia. Pensamos e agimos em colaboração uns com os outros, mas também pensamos e agimos em competição uns contra os outros, pois temos interesses, valores e visões de mundo distintos, conforme o lugar que ocupamos no mundo. Por essa razão, nas democracias, a direção política da sociedade precisa seguir princípios e diretrizes que, compatibilizando essas dimensões, tenham como meta a prosperidade geral.

Trata-se de reconhecer, como valor central, a dignidade igual de todas as pessoas e, a partir daí, buscar políticas que traduzam esse reconhecimento em prática. Isso significa priorizar políticas públicas que promovam o desenvolvimento; atendam vulnerabilidades de forma preventiva e redistributiva; reduzam as áreas de opacidade, desconfiança e suspeita, permitindo que a competição se dê em termos saudáveis; apostem na aproximação entre lideranças e cidadãos; combatam privilégios e promovam a igualdade e a inclusão social, nos termos de um projeto humano universal.

O humanismo é uma das mais generosas correntes filosóficas já concebidas. Coloca a dignidade do ser humano no centro de suas preocupações, realçando a igualdade dos indivíduos uns perante os outros, e rechaça, por esta mesma razão, toda forma de obscurantismo, autoritarismo e opressão. Defende, ainda, a ideia de que as hierarquias, sendo construções humanas, podem ser transformadas ou mesmo eliminadas. Já o universalismo é uma ideia fundamental para a promoção da justiça social ao afirmar que ninguém deve ficar à margem do progresso, pouco importam suas origens de classe, sexo, etnia ou credo. Ambos — o humanismo e o universalismo — são princípios éticos que informam as noções de bem e de justo, sem as quais não é possível um programa de ação que promova a busca da felicidade por todos e por cada um.

Marília tem um compromisso claro e  atestado por sua biografia, com esse humanismo universalista como via para a promoção do desenvolvimento e do bem-estar coletivo. Trata-se de uma convicção filosoficamente enraizada na base de sua visão de mundo, nas relações que estabelece com os moradores da cidade, em sua luta contra privilégios, além de orientar o programa de governo desenvolvimentista e inclusivo que propõe para a comunidade. Trata-se de um compromisso que guarda laços profundos com a identidade que a prefeita mantém com a cidade e seus moradores, assim como manteve, no passado, com outras comunidades.

Sua presença constante nos bairros, na fiscalização das obras e nos equipamentos municipais transmite a ideia de uma ética do cuidado e da atenção que cria vínculos afetivos e de reconhecimento mútuo: a prefeita se mostra acessível, atenta e disponível, e a população responde com confiança e lealdade política.

Sua comunicação reforça esse laço. Marília utiliza suas redes sociais de modo franco, informativo e transparente, não apenas para divulgar realizações, mas também para reconhecer limites e expor os problemas enfrentados pela cidade. Em diversas ocasiões, é a primeira a apontar publicamente falhas de seu próprio governo e estimula a auto-organização da população para que reivindique suas demandas junto à administração. Essa postura aproxima o governo da vida real das pessoas e contribui para a formação de uma percepção pública de autenticidade e compromisso com a transparência.

Esse compromisso assume também formas simbólicas poderosas. Desde os mandatos anteriores, a prefeita publica mensalmente o seu contracheque nas redes sociais, permitindo que qualquer cidadão saiba exatamente quanto ela recebe. O gesto, simples e constante, comunica integridade, honestidade e reforça a percepção de que não há privilégios ocultos nem motivos para desconfiança.

Finalizando, como observa Pierre Rosanvallon (2006), nas democracias contemporâneas a confiança política depende cada vez mais da visibilidade e da capacidade de o governante se deixar ver, explicar e responder. A legitimidade política, portanto, não se constrói apenas pelo voto, mas pela exposição cotidiana à avaliação pública. Ao contrário da legitimidade fundada apenas na autoridade institucional ou na popularidade episódica, a legitimidade pela visibilidade nasce da exposição constante e da responsabilidade compartilhada.

Participação popular e corresponsabilidade democrática

Outro elemento decisivo para compreender a sustentação da aprovação de Marília Campos é o modo como sua gestão concebe e pratica a participação popular. Desde o início, a prefeita tem reafirmado que governar é um ato coletivo — que envolve diálogo permanente, deliberação pública e corresponsabilidade social. Essa compreensão democrática não se reduz a instrumentos formais, mas orienta a própria cultura administrativa do governo.

As estruturas participativas — conselhos, conferências, audiências, comissões de acompanhamento de obras, enfim, o Sistema Municipal de Participação Popular — funcionam como espaços de diálogo e aprendizado coletivo. Neles, a população não apenas apresenta demandas, mas também acompanha decisões, compartilha diagnósticos e ajuda a definir prioridades. Um aspecto fundamental desse modelo é a organização territorial da participação. Os conselheiros e conselheiras territoriais são eleitos por regiões, o que significa que cada representante decide sobre questões que afetam diretamente o seu bairro e a sua vizinhança. Essa vinculação territorial tem um enorme impacto motivacional: ao perceber que as decisões tomadas refletem as necessidades concretas de seu entorno, o participante sente que sua contribuição é útil e transformadora. Isso aproxima o governo do cotidiano das pessoas, fortalece laços comunitários e cria uma rede capilar de legitimidade política que amplia o capital político e a confiança nas gestões locais.

Assim, mais do que um valor republicano, a participação se converte em força social e política, capaz de sustentar o governo em longo prazo. Ao envolver a comunidade nas decisões, a gestão distribui legitimidade e constrói uma base de apoio mais ampla e enraizada. Os conselhos e fóruns populares não apenas validam políticas, mas também produzem defensores do governo — cidadãos que se sentem parte da administração e a defendem publicamente porque veem nela o reflexo de suas próprias escolhas.

Nesse sentido, a participação popular atua de modo complementar às entregas materiais: se as obras e serviços consolidam a confiança na capacidade administrativa, a participação reforça a confiança política, criando vínculos de lealdade e engajamento. Essa lógica participativa expressa o que Boaventura de Sousa Santos (2002) chamou de democratização da democracia: um processo em que as formas de poder se tornam mais permeáveis à sociedade e o Estado se reconfigura como espaço de aprendizado e experimentação cidadã.

Identidade política mediadora e neutralização da rejeição partidária

Finalmente, outro elemento decisivo é a identidade política mediadora que Marília Campos representa. Embora filiada ao Partido dos Trabalhadores e com trajetória ligada ao movimento sindical cutista, a prefeita construiu uma imagem que transcende as fronteiras partidárias. Uma de suas marcas é a ampla disposição ao diálogo com todas as forças políticas interessadas em apoiar o desenvolvimento da cidade. Dessa forma, mantém um produtivo relacionamento com o governo federal, protagonizado pelo PT, e busca igualmente soluções e parcerias com o governador Romeu Zema (mesmo sob divergências), com as prefeituras da Região Metropolitana, com a Câmara Municipal e com o segmento empresarial.

Essa postura ampla, que evita a polarização e aposta em pactos e consensos, não pode ser confundida com oportunismo ou pragmatismo vulgar. A capacidade de diálogo de Marília vem de seu humanismo universalista, já mencionado, mas também se fundamenta em um forte princípio republicano e democrático: reconhecer explicitamente a legitimidade da oposição e a prioridade dos interesses da população em relação às disputas partidárias. Por isso, como costuma afirmar, “passada a eleição, é preciso descer do palanque e governar para todos”.

A materialização dessa diretriz está nas realizações distribuídas por todas as regiões da cidade — não apenas onde obteve mais votos — e num conceito de cidade próspera, pacificada e feliz. Esse conceito se expressa em grandes investimentos em espaços e momentos que favorecem a convivência, a partilha e a urbanidade: desde as reuniões do sistema de participação até os shows gratuitos, corridas, praças e parques revitalizados e comemorações públicas que reafirmam o sentido coletivo da vida urbana: um estado de permanente de convivência pacifica, afetiva e solidária entre as pessoas em público estimulando os indivíduos e grupos de indivíduos a lidar com suas diferenças de gostos, hábitos etc.

A atitude conciliadora jamais significou fugir do bom combate. A prefeita tem travado batalhas difíceis e assumido posições firmes em diversas ocasiões: a luta contra privilégios, a defesa dos direitos da comunidade LGBTQIAPN+, a implantação de cotas raciais nos concursos públicos, a questão do Rodoanel, a demarcação com seu próprio partido no episódio da nova lei do ICMS da Educação, além de não hesitar em dizer “não” a demandas dos moradores quando essa é a atitude correta.

A capacidade de dialogar sem abrir mão das convicções amplia a base social do governo e neutraliza a rejeição ideológica. Não é incomum ouvir eleitores afirmarem: “não voto no PT, mas voto nela” — frase que revela como o desempenho, a presença e a coerência pessoal desarmam as barreiras partidárias.

Conclusão: a hegemonia pela confiança

A combinação entre eficiência administrativa, humanismo universalista, participação popular e identidade política mediadora explica a aprovação elevada e duradoura da prefeita Marília Campos. Mas, só explica à medida que essas quatro dimensões convirjam para um significado comum. Como vimos, este significado é a confiança. Estamos falando da crença de que o objetivo da administração é, de fato, o bem-estar das pessoas, que elas não serão ignoradas nas decisões que as envolvam e de que há um real empenho no enfrentamento dos problemas que afligem a comunidade. Portanto, trata-se de um sentimento que se apoia na evidencia do alinhamento entre discurso e ação via resultados concretos em obras, serviços e praticas. Neste modelo, a liderança adquire uma ascendência sobre as pessoas que, como antecipei, denomino “hegemonia pela confiança” inspirado na concepção gramsciana de hegemonia.

No sentido clássico, a hegemonia é concebida como a capacidade de uma classe ou grupo social de dirigir moral e intelectualmente a sociedade, produzindo consentimento ativo por meio da cultura, de aparelhos ideológicos (escolas, partidos, sindicatos, etc) e da política. Tem, portanto, um sentido ideológico e institucional e nasce daquilo que Gramsci chama de “consentimento ativo das massas”. Dessa forma, a hegemonia pressupõe certo nível de identificação ideológica e programática construída via um trabalho contínuo de persuasão que visa reestruturar o senso comum e orientá-lo em direção a certos valores e projetos.

O conceito de “hegemonia pela confiança”, apoia-se nesta concepção, mas parte do pressuposto que a construção da hegemonia é um processo que se inicia nas relações sociais cotidianas por meio de interações que fortalecem o reconhecimento mútuo e a formação de laços de confiança entre lideranças e base social. Trata-se, dessa forma, a um momento específico, prévio e necessário para o avanço rumo a estágios mais adensados e complexos na formação de consensos políticos e simbólicos. Nesse estágio, as pessoas não aderem por convicção doutrinária —- não se trata de consentimento ativo. O que acontece é que as pessoas reconhecem a legitimidade moral da liderança na defesa de um programa de melhorias implícito e incipiente (as melhorias) e se sentem representadas por ela.

A “hegemonia pela confiança”, nesse sentido tem um inevitável componente personalista e relacional que se expressa em posicionamentos fortes como “eu odeio o PT, mas voto na Marília”, no qual o vínculo afetivo supera as afinidades ideológicas. Nesse caso, a confiança, não é mero afeto: é a forma de manifestação de um relacionamento marcado pela reciprocidade e sustentado pela combinação entre direção político programática, liderança moral e corresponsabilidade democrática. É evidente a potência deste esquema na organização do consenso social.
Todavia, dado o peso de seu componente afetivo, pessoal e relacional, o modelo pode se perder caso, por algum motivo, a prefeita não esteja mais disponível. Além disso, o salto para uma hegemonia plena, no sentido gramsciano, exige que a confiança relacional depositada em Marília evolua para uma confiança institucional e impessoal, e se torne uma cultura.

Nesse sentido, são sintomas extremamente positivos, o crescimento contínuo da aprovação da Prefeitura — e de maioria dos serviços avaliados — ainda que em patamares inferiores aos da prefeita e a transformação da participação popular em política de Estado por meio da aprovação da Lei Municipal nº 5443, de 29 de dezembro de 2023, que criou a Política Municipal de Participação Popular e Cidadã — PMPPC e do Sistema Municipal de Participação Popular e Cidadã de Contagem — SMPPC. O desafio estratégico é ampliar esse processo.

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

REFERÊNCIAS

Confederação Nacional de Municípios. Pesquisa sobre as principais dificuldades encontradas nos municípios. Brasília: CNM, 2022. Disponível em: https://cnm.org.br/storage/biblioteca/2022/Estudos_tecnicos/202205_ET_GMUN_Pesquisa_sobre_principais_dificuldades_encontradas_municipios.pdf?_t=1695392714. Acesso em: 14 nov. 2025.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Maquiavel, notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

PODER360. Prefeitos terminam mandatos bem-avaliados por 32%, diz PoderData. 23 dez. 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poderdata/prefeitos-terminam-mandatos-bem-avaliados-por-32-diz-poderdata/. Acesso em: 11 nov. 2025.

ROSANVALLON, Pierre. A contrademocracia: a política na era da desconfiança. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

WEBER, Max . Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 2. Vol. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa São Paulo: Editora UnB, Imprensa Oficial. 1999

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