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Ivanir Corgosinho: A requalificação do Poder Local em Contagem

A assim chamada “globalização”, cujo fim vem sendo anunciado já há algum tempo por autores das mais diversas matrizes ideológicas, foi um processo de concentração e fusão extremada de capitais. Impulsionadas pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), as empresas transnacionais – em especial as estadunidenses — viram crescer suas chances de controle dos mercados mundiais e apostaram numa “nova ordem mundial” marcada pela irrelevância dos governos nacionais como instâncias reguladoras da economia e atores principal nas relações internacionais, e no fim das fronteiras estabelecidas pelos mercados locais.

De acordo com os defensores dessa nova ordem, o arranjo internacional estabelecido pelo Tratado de Paz de Vestfália (1648), cujo grande pilar de sustentação foram os Estados nacionais, tornou-se ineficiente ante aos novos atores sociais emergentes, tais como os blocos comerciais, ongs e os empreendedores individuais e frente, ainda, à agilidade e flexibilidade permitidas pelas modernas tecnologias de miniaturização, processamento e distribuição de dados. Assim, em sua dimensão política, a globalização significou um ataque frontal à soberania dos Estados-nação; uma ameaça a identidades e pertenças basilares, como as nacionalidades e, finalmente, um desastre para os negócios nativos nos países de economia periférica e subordinada, particularmente no caso da indústria.

A reação — previsível — à globalização veio, naturalmente, pelo fortalecimento de seu oposto. Por toda a parte no mundo ocidental, tivemos a retomada do nacionalismo, da apologia aos estados nacionais fortes, e o crescimento dos movimentos sociais respectivos a estas ideias, especialmente no campo político de direita e de extrema-direita. Provavelmente, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit), em 2016, seja o melhor exemplo deste fenômeno de reversão.

Neste ambiente, também ganhou espaço aquilo que Milton Santos chamou de “retorno do território(1), ou seja, uma espécie de novo municipalismo que identificou as cidades como lugar mais favorável à realização dos direitos fundamentais dos cidadãos e para a realização de experimentos democráticos que levassem ao aperfeiçoamento da democracia representativa via a adoção de mecanismos de participação direta.

Como registrou Ladislau Dowbor, “nem tudo é global: a qualidade das nossas escolas, das nossas ruas, a riqueza cultural da nossa cidade, o médico da família, as boas infraestruturas de esporte e lazer, o urbanismo equilibrado, tudo isso depende iminentemente de iniciativas locais(2). A participação da população nas decisões públicas que dizem respeito às demandas da comunidade contribuiria para dar maior legitimidade e eficiência às ações do governo; com o adensamento de uma cultura democrática e cidadã e, enfim, para a maior transparência e lisura no trato com a coisa pública.

No caso do Brasil, como observam diversos autores, este projeto esbarra tradição clientelista que ainda caracterizam as práticas políticas em âmbito municipal.

Como se sabe, o clientelismo é forma de intermediação de interesses que remonta ao período colonial e que chegou aos dias atuais aproveitando-se da ampliação do campo de atuação dos municípios, determinada pela Constituição de 1988.

Com efeito, a Carta Magna elevou o município à condição de ente federado, mudando seu status e importância na efetivação de políticas públicas. Determinou, ainda, uma forte descentralização de grande parte dos serviços públicos transferindo para a alçada municipal a competência para resolver assuntos relacionados com o saneamento básico, saúde, transporte público e ensino fundamental. Naturalmente, este incremento da quantidade de benefícios que o município passou a oferecer, significou também um acirramento da disputa entre os atores do Poder Local pelo controle de sua repartição.

É necessário ressalvar que o Poder Local, como qualquer poder, é uma correlação de forças que envolve sujeitos e interesses diversos (políticos, empresários, lideranças e movimentos sociais, lobistas, etc.), envolvidos em dinâmicas de competição e cooperação, alianças e conflitos(3). Não diz respeito, portanto, apenas à Prefeitura ou à Câmara de vereadores, mas às múltiplas instituições sociais atuantes no território e suas estratégias de ação – entre elas, inclusive, o clientelismo como meio legítimo de formação de capital politico.

Dai ser fundamental que, chegando ao poder, os partidos de vocação republicana, democráticos e populares, promovam a participação popular e assegurem a universalidade do acesso aos serviços, obras e investimentos públicos, evitando que apenas os eleitores deste ou daquele político seja beneficiado. A participação é um direito estabelecido da cidadania, e como observou o professor Bruno Reis, “cabe às instituições, e à elite política, não apenas proteger esse direito, mas propiciar meios suficientemente diversificados para seu pleno exercício, e tomar as providências devidas para dar-lhe consequência(4).

Bruno também observa que, no Brasil, o PT é a força política que mais tem produzido inovações institucionais tanto pela multiplicação das instâncias de representação política quanto pela promoção de novos protagonistas. “(…) embora a proliferação de conselhos já fosse uma tendência identificável na transição desde meados dos anos 1980, essa tendência se acelera e a presença de representantes da ‘sociedade civil’ intensifica-se sob administrações petistas(5), afirma o professor.

Esta ação — a proliferação de fóruns de participação e o empoderamento de novos atores —tem como efeito requalificar o Poder Local ao torná-lo mais diverso, mais plural e ao criar um polo de influência capaz de atrair parcelas dos atores tradicionais. É, por exemplo, o caso de vereadores que participam do processo de mobilização popular pra eleger representantes aos fóruns de participação ou a adoção, pelas Câmaras, de práticas participativas como ocorre em Contagem.

Feitas tais considerações, devemos compreender que, provavelmente, por mais que os métodos de gestão sejam modernizados, o clientelismo dificilmente desaparecerá já que é uma estratégia eficiente na formação de reservas de mercados eleitorais. Ainda assim, as experiências de Contagem, tanto nos dois primeiros governos de Marília Campos (2005 a 2012), quanto agora, com sua volta à Prefeitura mostram que a abertura de canais de participação popular nos processos de decisão e o incentivo à auto-organização da sociedade civil, com consequente reforço do controle social e da transparência, têm o condão de inibir o essas práticas. Mais que isso, contribuem para a requalificação das relações o Poder Local em função da publicização das negociações políticas, do acirramento da competição com a chegada de novos atores e pela constituição de mecanismos de accountability mais eficientes.

NOTAS

(1) SANTOS, Milton. O retorno do territorio. En: OSAL : Observatorio Social de América Latina. Año 6 no. 16 (jun. 2005). Buenos Aires : CLACSO, 2005.
(2) DOWBOR, Ladislau. O que é poder local? 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. Disponível em: <http://dowbor.org/artigos/01repsoc1.pdf>.
(3) FISCHER, Tânia. Poder local: um tema em análise. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 4, 1992, p. 105-113.
(4)REIS, Bruno P. W. Da democracia participativa à pluralidade da representação: breves notas sobre a odisseia do PT na política e na ciência política brasileira. Revista Sociedade e Estado – Volume 29 Número 1 Janeiro/Abril 2014 113.
(5) Idem

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