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A silenciosa maioria progressista, por Joseph Stiglitz

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Políticas públicas inovadoras e bem planejadas podem expandir o espaço de ação de todos, ampliando radicalmente o reino da liberdade

Valor Econômico, 08/12/2022

O mundo deu um suspiro de alívio neste mês quando a temida “onda vermelha” de vitórias republicanas nas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos não se materializou. Embora os republicanos tenham assumido o controle da Câmara dos Deputados por uma pequena margem, os democratas mantiveram o do Senado. Os eleitores americanos parecem ter rejeitado a hipocrisia e o extremismo republicanos, negando vitórias a muitos candidatos apoiados por Donald Trump que haviam falado mentiras sobre o resultado das eleições de 2020 e colocado em dúvida princípios democráticos essenciais.

Sem dúvida, sempre existe o risco de interpretar de forma errada o resultado de uma eleição, dada a complexidade dos fatores que motivam os votos individuais. Ainda assim, no meu ponto de vista, o eleitor médio racional deve ter reconhecido os sucessos históricos dos últimos dois anos. Graças ao projeto de lei de recuperação econômica (o Plano Americano de Socorro) do presidente dos EUA, Joe Biden, o país teve a recuperação mais forte entre as economias avançadas do mundo, reduzindo a pobreza infantil quase pela metade no período de um ano.

Biden também supervisionou a aprovação do primeiro grande projeto de lei de infraestrutura do país em várias décadas; a primeira grande resposta legislativa dos EUA às mudanças climáticas, a Lei de Redução da Inflação; e um grande projeto de lei de políticas industriais, a Lei da Ciência e Chips, que reconhece o papel-chave do governo para ajudar a modelar a economia. E todos esses projetos foram aprovados apesar de um Congresso historicamente difícil.

Os feitos de Biden não se limitaram às leis. Ele indicou a primeira mulher negra para a Suprema Corte e emitiu decretos executivos para aliviar a dívida de empréstimos estudantis, para melhorar a fiscalização contra trustes e para atualizar a regulamentação financeira para a era das mudanças climáticas. Ele recolocou os EUA no Acordo de Paris sobre o clima e obteve claros avanços na retomada do papel de liderança dos EUA no cenário mundial. Embora tenha recebido pouco crédito por isso, a história provavelmente mostrará como sua gestão da questão Rússia-Ucrânia foi magistral.

Agora que o eleitorado americano parece ter rejeitado o extremismo republicano, alguns argumentarão que Biden deveria inclinar-se à direita, para arregimentar o elusivo “centro”. Mas essa é a maneira errada de ler o resultado das eleições de meio de mandato de 2022, porque o eleitorado não parece estar buscando algum tipo de divisão salomônica do bebê.

Consideremos a questão do aborto. Quaisquer que sejam suas crenças sobre aborto – ninguém é entusiasta dele – os
americanos têm sinalizado que concordam, em termos gerais, que a decisão deveria ser deixada para a mulher, não para o governo.

O centrismo é a abordagem errada para a maioria das outras grandes questões diante dos eleitores. Não é extremismo de esquerda dizer que a economia americana não vem atendendo à maioria dos americanos. E a sensação de injustiça é agravada pelo fato de que deveríamos estar agindo muito melhor do que estamos.

Os EUA são um país extraordinariamente rico e muito mais rico do que muitos outros que proporcionam condições de vida melhores para seus cidadãos. Os erros dos EUA são uma questão de escolha. Ou, mais precisamente, são resultado de decisões tomadas por um sistema político que não reflete os interesses da maioria de seus cidadãos, porque foi capturado para servir a interesses especiais.

Portanto, embora a esmagadora maioria dos americanos acredite que o salário mínimo federal deveria ter um forte aumento- no mínimo duplicado -, não há aumentos desde 2009. Da mesma forma, a maioria dos americanos acredita que todos deveriam ter acesso a atendimento médico como um direito humano básico, ainda que divirjam sobre a melhor maneira de proporcioná-lo. Também é aceito em termos gerais que todos os que podem se beneficiar de ensino universitário deveriam poder cursá-lo, independentemente da renda de seus pais e sem ficarem sobrecarregados com dívidas de dezenas de milhares de dólares. E todos os americanos querem uma aposentadoria segura e acesso a moradias decentes que possam arcar.

Não é extremismo de esquerda defender soluções no âmbito da política econômica para esses problemas ou defender que se proteja nosso meio ambiente, se aumente nossa segurança econômica, se fortaleça a concorrência e se garanta que todos tenham suas vozes ouvidas em nosso sistema político. Os que estão à direita tentam retratar essa agenda progressista como um exagero radical, mas a maioria dos eleitores não acredita nisso. Na verdade, a agenda progressista tornou-se uma agenda centrista.

Um princípio básico da agenda progressista sustenta que é melhor enfrentar a maioria dos grandes problemas  – especialmente no século XXI – de forma coletiva, em vez de individual. Outro princípio é que qualquer ação coletiva bemsucedida precisa ser alcançada de forma democrática e inclusiva.

Hoje, enfrentamos desastres naturais, pandemias e mudanças climáticas – todas elas ameaças que transcendem o indivíduo e as fronteiras.

O direito de uma pessoa de não usar máscara ou não se vacinar invade o direito de outra pessoa à segurança contra um vírus contagioso. O direito individual de portar uma AR-15 tem afetado, com demasiada frequência, o direito à vida de muitos outros.

Políticas públicas inovadoras e bem planejadas podem expandir o espaço de ação de todos, ampliando radicalmente o reino da liberdade. Há uma ironia sutil aqui: ao obrigar as pessoas a pagar impostos, podemos ampliar as oportunidades A eleição de 2022 mostra, no mínimo, que uma grande parte do eleitorado quer deixar a política trumpista para trás. Eles têm consciência dos desafios que há pela frente e de que, juntos, podemos fazer um trabalho melhor para solucioná-los, por meio de um debate civilizado e bem informado. Os americanos estão cansados de xingamentos e de táticas intimidatórias.

A maioria dos americanos, quer eles percebam ou não, apoia uma agenda progressista e sua promessa de proporcionar padrões de vida melhores para todos.

Tradução de Sabino Ahumada.

Joseph E. Stiglitz é economista e professor na Universidade Columbia. Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001.

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