topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

André Luan: Breves notas sobre o nacionalismo e a luta contra o entreguismo cultural

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on print
O abraço modernista de Lula e Getúlio. Fonte: OpenAI/feita com comando do autor

Bota o retrato do Velho outra vez, bota no mesmo lugar! Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar! O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar!

(Jingle da campanha de Getúlio Vargas a Presidência do Brasil-1950)

A minha eleição teve significado muito maior e muito mais profundo. Porque o povo me acompanha na esperança de que meu governo possa edificar uma nova era de verdadeira democracia social e econômica

(Discurso de Getúlio Vargas no primeiro de maio de 1951)

Cuidarei de atacar a exploração das forças internacionais. São os eternos inimigos do povo, que não querem ver a valorização do homem assalariado.

(Lula em reunião ministerial, no dia 26 de agosto de 2025)

Um espectro voltou a rondar novamente no Brasil, o espectro do nacionalismo.

Esse fantasma que colocou as elites em alvoroço não aparecia no Brasil desde pelo menos 1964, quando tínhamos um programa político (As Reformas de Base) aliado a toda uma discussão intelectual sobre os destinos do nosso desenvolvimento. A ideia de uma revolução brasileira estava na ordem do dia. Mais do que um conceito, era uma categoria ampla, que tinha substância semântica tanto para setores mais à esquerda, democráticos, reformistas e de ruptura radical, como também para os setores mais reacionários e golpistas. Não à toa, o golpe em 1964 foi chamado de revolução.

Parece que realinhamos com o fio da história perdido em 1964 depois dos ataques recentes que sofremos dos Estados Unidos. A palavra “soberania” começa a ganhar força e ter significado entre as maiorias populares. Mas, mais importante do que a própria palavra, existe outro giro em curso, esse o mais importante do ponto de vista da “pedagogia política” progressista: a retomada do verde e amarelo e do azul e branco. Começamos nesse sete de setembro a dar uma demonstração de força no combate ao entreguismo cultural.

Esse fenômeno, que entregou as cores da bandeira do Brasil ao setor reacionário e neocolonial (alguém ainda duvida de que se Trump elegesse Eduardo Bolsonaro como interventor norte-americano no Brasil ele não aceitaria essa tarefa? ) desde pelo menos 2013. Lembro-me bem que, à época, já em 2014, durante a Copa do Mundo, eu era ridicularizado entre os camaradas da minha antiga organização política ao torcer para a Seleção e usar a camisa. É certo que aquela versão não deu muita sorte e eu acabei passando a blusa para frente. Afinal, urucubaca de 7 a 1 a gente não guarda, não é mesmo? Mas os motivos que levaram ao espanto de utilizar a camisa da Seleção por antigos camaradas eram outros: “ora, como é possível você utilizar o verde e amarelo numa hora dessas? Você quer se confundir com um reacionário”, diziam.

Engraçado é que o nacionalismo latino-americano sempre teve uma verve de mistura, seja no Brasil seja entre os nossos vizinhos. A bandeira sempre foi um escudo protetor, um amálgama simbólico que nos diferenciava entre aqueles que queriam fazer do país um protetorado norte americano ou um satélite de quem quer que seja; e as minorias neocoloniais organizadas fundamentalmente pelo setor financeiro, sócias menores dos gringos estadunidenses.

Esse era o espírito de Alberto Guerreiro Ramos, um intelectual que agora tem que urgentemente voltar a ser lido nas universidades e nos círculos de formação política. Guerreiro Ramos foi um sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), uma espécie de think tank do Ministério da Educação do governo Juscelino Kubitschek nos anos 1950. O velho Guerreiro, como era conhecido, confrontava uma visão de sociologia despretensiosa e puramente “científica”. Para o autor, uma sociologia de valor deveria ser acompanhada dos dilemas e problemas nacionais. Não existira, na visão do Guerreiro, uma possibilidade de fazermos ciência social desconectada da nossa realidade. Caso contrário, estaríamos estimulando uma visão cosmopolita, de costas para o Brasil profundo e de frente para o Atlântico norte, que em nada impulsionaria as lutas necessárias a serem travadas, dentre elas a de termos uma inteligência autêntica nas universidades e uma indústria nacional própria. Assim o autor define a redução sociológica:

No domínio restrito da sociologia, a redução é uma atitude metódica que tem por fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social. A redução sociológica, porém, é ditada não somente pelo imperativo de conhecer, mas também pela necessidade social de uma comunidade que, na realização de seu projeto de existência histórica, tem de servir-se da experiência de outras comunidades. (GUERREIRO RAMOS, pg.71).

Portanto, a redução é um processo analítico mais amplo e em nada significa simplificação. Também não pode ser confundido com a ideia de que deveríamos exigir que toda a intelectualidade fosse romântica e buscasse um retorno à antiguidade ou as nossas origens, pura e simplesmente. A noção da política que cria um horizonte temporal que busca resgatar o passado – Koselleck chamaria isso de um estrato do tempo calcado em um futuro-passado – é coisa de quem quer resgatar Roma ou o Reich perdido. Ou, seja, é coisa de alemão ou italiano ressentido.

Do ponto de vista do camarada Guerreiro Ramos, a ideia de projeção do futuro nacional é de síntese. Ou, se quisermos recuperar uma noção perdida nos tempos da arte moderna de 1922, a metáfora oswaldiana da antropofagia indígena: o que vem de fora não é copiado e transplantado “na tora” , como meu tio cearense diria. O que vem de fora é deglutido e transformado em uma outra síntese, ou seja, o passado serve para conduzir um passado e presente – ou, melhor, a experiência- que deixam de ser como tal, que não se copia, pelo contrário, se reinventa a partir dele.

Com isso, projeta-se um presente-futuro.

Quem também conseguiu fazer isso com audácia foi o professor-menino lá de Montes Claros e ministro-chefe da Casa Civil de João Goulart, nosso querido Darcy Ribeiro. A sua ideia expressa na obra O Povo Brasileiro de que o Brasil seria a “Nova Roma” traduz um pouco esse pensamento. Não é a velha Roma fascistóide que Darcy queria resgatar, mas a possibilidade de ser uma capital do encontro das culturas e das raças que negue inclusive a Roma Antiga, e que fosse de fato uma Brasília, o encontro do caipira com o businessman de Xangai.
A direitona neocolonial é inculta. Tem ódio e nojo do povo brasileiro. A sua elite intelectual adora estimular escritos em inglês nas manifestações e ama colocar a nossa bandeira abaixo da bandeira estadunidense ou – quem diria- israelense! Mal sabem eles que foi graças a Oswaldo Aranha que Israel existe. Oswaldo Aranha, ele mesmo, ministro de Getúlio Vargas, outro nome que causa arrepio na minoria neocolonial.

Pois bem, quase 70 anos depois, vemos que estamos no caminho certo. Começamos a separar o joio do trigo, mostrando quem de fato defende a fronteira nacional. Ao retomarmos a bandeira e colocarmos ela como uma força política das maiorias políticas e sociais em defesa da pátria, dos nossos recursos naturais e estratégicos, mostramos quem de fato quer ver o Brasil se tornar uma potência mundial.

Fico feliz em ver que nosso Presidente tem estudado a história de Getúlio Vargas e recuperado cada vez mais sua retórica nacionalista. Cada vez mais Lula tem se enxergado como a utopia getulista, afinal, o velhinho sonhava com a ideia de ter um operário no poder. O nacionalismo é a única força histórica capaz de superar a polarização política e trazer as maiorias que votaram na minoria neocolonial para nosso front.

O nacionalismo é a força política criadora que consegue fazer com que discutamos um nacional – desenvolvimentismo arrojado e adequado à realidade brasileira. É preciso fazer a aliança entre a técnica mais avançada com nossos valores culturais. É preciso fazer uma IA nossa que seja capaz de falar tupi-guarani. É preciso fazer com que nós criemos uma fábrica de motores que usa combustão 100% de etanol e de outras energias renováveis. É preciso criar um sistema ferroviário que conecte a Amazônia com o Sudeste e que seja melhor, mais barato e eficiente do que a malha ferroviária criada na primeira revolução industrial inglesa e aquela feita atualmente pelos chineses. É preciso pensar em como poderíamos criar zonas econômicas especiais que pudessem ter multinacionais instaladas exclusivamente em determinadas cidades, visando a troca de tecnologias e que pudessem ser utilizadas pelos setores públicos e privados nacionais. Esse é o desafio do tamanho do Brasil.

Sem essa força criadora do ponto de vista ideológico não conseguimos convencer trabalhadores do ramo da ciência a estarem conosco. Sem essa visão ideológica, não conseguimos criar uma pedagogia política do interesse nacional e que seja traduzida na defesa das aspirações das maiorias populares. Sem essa visão, deixamos o entreguismo cultural florescer no seio do nosso povo, que vai achar mais interessante ouvir e obedecer intelectuais estadunidenses (ou neocolonizados nascidos no Brasil), do que construir uma intelectualidade própria, seja na religião, nas universidades ou na cultura em geral.

Portanto, é bom ver Lula e Getúlio se abraçando, mesmo num hiato de mais de 70 anos. É nesse passado que poderíamos criar uma Nova Roma, que faça o gaúcho e o sertanejo brasileiro se encontrarem com gente das mais diversas nacionalidades, sem que isso signifique subordinação ou neocolonialidade, mas sim uma conversa que sinalize a troca multilateral.

Em 2026, para que essa energia se mantenha, não tenhamos dúvida: vamos colocar o retrato do “novo velhinho” outra vez, sem medo de ser feliz!

André Luan Nunes Macedo é professor de história econômica e ensino de história da Universidade Federal de Viçosa.

Outras notícias