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André Luan: Considerações sobre o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. O que Contagem tem a ver com isso?

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“Subimos depois pelos grandes afluentes do Amazonas para ver e conviver com a gente feliz que lá está. Sua função principal é ver a mata viver e crescer com seus milhões de seres vivos e tudo registrar para o Lexomundo, que é a grande universidade do mundo. Cuidam também de facilitar a vida da mata, só deixando tocá-la no que pode ser retirado sem prejuízo. Vivem em comunidades de amplas casas muito ventiladas, dispostas em círculo ao redor de uma grande casa-templo, que é sua comunicação com o mundo e seu centro de entretenimento e de estudo. Ali, quem sabe ensina tudo o que sabe a quem não sabe. Há comunidades dessas especializadas na cultura do saber botânico, zoológico e, sobretudo, ecológico, que estão sempre em comunicação com os centros de pesquisa lá de fora”
Darcy Ribeiro, Ivy Marãen: A Terra Sem Males, Ano 2997

Imagine que no Brasil você poderia se comunicar com um “ChatGPT Tupi-Guarani”, ou seja, que escreve respostas de acordo com a língua dos povos originários.

Pense que nós poderíamos ter grandes centros de dados próximos a região de Furnas-MG para refrigerar os grandes modelos de linguagem (LLMs) (1) que se utilizam de recursos renováveis, vindos diretamente das águas das hidrelétricas.

Imagine que poderíamos ter em Contagem uma explosão de startups que poderiam ser contratadas para pensarem em soluções de uso da inteligência artificial para o setor público e privado.

Agora, pense que o setor público de Contagem, com a tecnologia de hoje, no curto prazo, já poderia ser “anabolizada” com a inteligência artificial, produzindo análises preditivas na rede pública municipal de ensino, cruzando dados e encontrando perfis de alunos que porventura, sob os mais variados motivos, saem das escolas ou tendem a repetir de ano. Além disso, poderia ser criado, com as informações coletadas pela Ouvidoria do Município e o Programa de Vilas e Favelas, um mapa de demandas georreferenciados, que seriam atualizados e entregues na mão da Prefeita Marília Campos semanalmente, conforme fossem coletados, caso houvesse novas atualizações.

Recorte do mapa feito por um dos robôs do Sistema Juscelino, do Gabinete da vereadora Adriana Souza. Qual seria o poder organizativo se um sistema desses fosse desenvolvido para a Prefeitura de Contagem?

Imagine que um chatbot poderia fazer um mapeamento e produzir o georreferenciamento de cada árvore da cidade. Esse mapeamento, feito pelos cidadãos de Contagem, que nos daria a altura e o diâmetro de cada tronco, poderia depois ser analisada por uma IA voltada especificamente para isso. Com essas informações seríamos capazes de ter uma das primeiras “meteorologias de sequestro de carbono” do país, buscando com isso aumentar uma cadeia produtiva da economia do conhecimento destinada especificamente para os empregos verdes.

Exemplo de desenvolvimento de mapa georreferenciado a partir de um chatbot experimental voltado especificamente para o registro de árvores. Em homenagem ao nosso grande lutador Chico Mendes, batizei-o de “Chico”. Ao clicar em um destes círculos- árvores – apareceria ao lado os detalhes da árvore.

Se estivéssemos no ano de 2015 falando propostas como essas e dizendo que é possível fazer essas ações “para ontem”, o caro leitor provavelmente chamaria o autor deste texto de maluco. Não que não seja. Um pouquinho de loucura e literatura não faz mal a ninguém.

Brincadeiras a parte, ao lermos o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) e acompanhar as práticas recentes do Gabinete da vereadora Adriana Souza, podemos perceber como a Inteligência Artificial pode ser utilizada para acelerar na solução de problemas e melhorar nossas capacidades científicas na política. Ultimamente, temos utilizado o termo “TecnoPolítica”, mostrando que é possível caminhar lado a lado com a IA, fazendo o uso crítico e entendendo-a como uma assistente, e não substituta, da tomada de decisões humanas.

O PBIA é uma iniciativa que deve orgulhar todo cidadão brasileiro. Trata-se de um documento que pode definir a posição estratégica do país no cenário global, visando sua autonomia técnico-científica e a disputa da vanguarda produtiva mais avançada do século XXI.

O PBIA busca atacar o problema do desenvolvimento da IA em cinco grandes eixos: 1) Infraestrutura e desenvolvimento de IA; 2) Difusão, formação e capacitação em IA; 3) IA para melhoria do serviço público ; 4) IA para inovação empresarial; 5) Apoio ao processo regulatório e de governança da IA. Cada um deles são apresentados diferentes programas e propostas, com ações coordenadas no curto, médio e longo prazos. Esse talvez seja o grande mérito do Plano: a sua construção metodológica. Ele não é uma carta de intenções, sem prazos irrealizáveis ou atemporais. Pelo contrário. Sua organização já parte de algumas iniciativas em andamento, apresenta as necessidades mais imediatas e nos conduz a um conjunto de propostas que poderiam ser executadas em três e cinco anos.

Do ponto de vista orçamentário, o PBIA irá contar com um investimento global de R$ 23 bilhões até 2028. É um investimento robusto e que conta com o entusiasmo do Presidente Lula, segundo o economista Caetano Christophe Rosado Penna(2), um dos formuladores do PBIA. Esse orçamento tem os níveis de investimento público similares aos da União Europeia, como nos lembra a Ministra Luciana Santos (3). Portanto, o país tem a intenção de se colocar estrategicamente no cenário da “corrida pela inteligência artificial”.

Para os olhos do senso comum, nosso desenvolvimento em IA seria modesto. Mas, ao analisarmos os esforços dos setores público e privado vemos que o país já conta com alguns elementos interessantes, como os melhores supercomputadores da América Latina, além de estar entre os vinte primeiros países de produção acadêmica em IA no mundo (BRASIL, 2025, p.22). Entretanto, grande parte destes pesquisadores não ficam no Brasil, buscando melhores salários e condições de trabalho no exterior, produzindo “fugas cerebrais” danosas para o desenvolvimento do país.

Outro aspecto interessante mencionado no PBIA são os sinais de interesse e potencial na indústria brasileira para a adoção de IA. A grande maioria enxerga a IA como ferramenta disruptiva (75%) e é quase uma unanimidade o interesse destas empresas em desenvolver projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) (BRASIL, 2025, p.23). A análise de grandes dados na economia por IAs voltadas para esses setores permitiria uma previsão de demanda e de manutenção preditiva da manufatura, especialmente para as pequenas e médias empresas. Nesse sentido, é possível enxergar num horizonte próximo a importância de saber competências, técnicas e habilidades de uso da IA para a integração no mundo do trabalho das próximas décadas do século XXI.

No caso da política é possível enxergar um movimento semelhante. Ao equiparmos o gabinete da Adriana Souza com diferentes assistentes de inteligência artificial para a realização de tarefas específicas, como a organização de demandas (Juscelino) , planejamento estratégico situacional (Carlitos) e na consultoria de regras sobre o regimento interno da Câmara, auxílio na elaboração de projetos de Lei e Ofícios (Lucerna) e organização e automação das agendas (Bela) conseguimos dar um salto de qualidade na nossa intervenção política.

Tais experimentos, em especial o do Juscelino, nos mostra que o setor público pode- e deve- utilizar dos grandes modelos de linguagem para organizar suas demandas e possibilitar uma visualização em tempo real dos problemas de forma mais acessível e dentro do ritmo acelerado da política. Até o momento, o gabinete já captou mais de 800 demandas, todas elas visíveis por mapas georreferenciados que se atualizam ao longo do tempo e a partir das demandas do gabinete. Tais mapas nos permitem ver como estamos progredindo com os trabalhos, se as demandas foram solucionadas, os temas das demandas, etc. Graças ao esforço da militância e dos assesssores esse trabalho foi possível. O Juscelino fez somente o papel de aumentar a produtividade, liberando parte da assessoria de tarefas repetitivas e enfadonhas, como cadastrar demandas do gabinete de rua.

Segundo a Coordenadora de Gabinete e Agenda , Izabela Gonçalves Dias, “é de extrema importância esses robôs que a gente utiliza hoje, dentro da resolução de demandas, dentro da política também, porque ele consegue falar para aquele vereador, onde que ele tem que trabalhar mais, onde que ele está em déficit, em qual região que ele vai estar em déficit, então vai ser gerado, como eu acho, um valor mesmo das regiões, onde que a gente tem mais demandas, onde que a gente tem menos demanda, onde que é necessário trabalhar mais, quais são os setores que a gente está conseguindo resolver mais demandas, quais são os setores que estão mais em déficit, então assim, vai gerar um indicativo do que fazer dentro do mandato.”

No caso do Juscelino, Izabela ressalta que “ele pode indicar para a vereadora onde que ela tem que trabalhar mais, onde que ela tem que ir atrás da população para poder estar gerando mais demandas também”. Quanto às agendas, a assistente “Bela” – nome dado em homenagem à própria Coordenadora – é utilizada para melhorar o desempenho dos registros. Segundo a “Bela humana” , “Hoje eu consigo solicitar a Bela que ela monte a agenda, eu consigo, por exemplo, quando é atendimento no gabinete, colocar para ela que eu quero os atendimentos, por exemplo, de 45 em 45 minutos o intervalo e ela vai me dar a quantidade de pessoas que serão atendidas naquele dia, conforme o horário de início e o horário de término. Nós temos problemas quanto a identificação do calendário. Por exemplo, hoje é sexta-feira, dia 4 de julho, ela colocou para mim que hoje era dia 4 de julho, quinta-feira, né, mas isso aí a gente consegue visualizar e corrigir de forma bem fácil. Então a forma que ela monta a agenda é uma forma muito bacana que ela coloca até nos caracteres de imagem e tudo conforme a temática da agenda”.

Portanto, percebe-se, de acordo com a experiência da Coordenadora de Agendas do Gabinete da Adriana Souza que a IA não faz tudo corretamente. É preciso sempre da intervenção humana para conseguir dar uma espécie de “toque final” nos resultados. No entanto, muito do trabalho que era feito manualmente agora é realizado de forma automatizada, liberando-a de tarefas repetitivas . O tempo dedicado às tarefas políticas e de maior imaginação institucional é também liberto, uma vez que não é mais consumido pelo tempo da repetição e dos excessos burocráticos.

Diante deste quadro, em que temos uma expertise feita por um gabinete do campo progressista e um certo know-how na utilização destes chatbots para tarefas que contribuem para melhorar nossas capacidades organizativas, é de suma importância que a Prefeitura de Contagem se aproveite desta relação e busque com isso trocar experiências. Ao mesmo tempo, é preciso que a secretaria de Tecnologia da Informação inicie um debate sobre o Plano Brasileiro de Inteligência. Só em formação e capacitação o PBIA prevê um orçamento de R$ 1,5 bilhões (BRASIL, 2025, p.30). É possível articular possibilidades de captação destes recursos. A janela de oportunidades é agora, uma vez que boa parte destes recursos, ao que parece, ainda devem ser repassados para os entes federados, estados e municípios por meio de projetos.

Para além dos exemplos dados, é possível fazer de Contagem um polo que atraia os investimentos públicos necessários para se integrar de forma mais intensa a essa cadeia produtiva. Assim como Contagem foi vanguarda da prática produtiva mais avançada do século XX para o Brasil – a indústria nos seus mais variados ramos, da construção civil à metalúrgica – é possível fazer dela, sob a liderança da Prefeita Marília, uma vanguarda que desenvolva alguns setores da economia da Inteligência Artificial, visando o bem-estar e o desenvolvimento sustentável, pilares cruciais para a construção de uma cadeia produtiva desta natureza adaptada à realidade brasileira.

Por que vemos uma urgência nessa matéria? Pois ainda, como havíamos dito, os recursos do PBIA ainda precisam ser devidamente alocados nos médio e longo prazos. Quanto ao curto prazo, a inteligência artificial ainda é um tema explorado por poucos. No caso da Universidade Federal de Viçosa, meu novo local de trabalho, percebe-se um ambiente de abertura para as discussões sobre o tema. Ao mesmo tempo, existem, além de resistências, um grupo muito reduzido de pesquisadores dedicados ao tema no conjunto da universidade. Recentemente, a Pró-Reitoria de Ensino desta universidade reuniu os professores em grupos de trabalho para apresentar diretrizes gerais de boas práticas de uso da IA no ambiente acadêmico. Trata-se de uma iniciativa muito positiva, uma vez que buscou-se fazer um esforço de discussões no conjunto da comunidade, a partir da realização de levantamentos e pesquisas de opinião. No futuro de curto prazo, a UFV almeja realizar atividades de formação para a comunidade acadêmica.
Refletindo sobre o contexto de Contagem, não seria interessante que a Secretaria de Educação organizasse também uma pesquisa de opinião sobre a Inteligência Artificial no seio da comunidade escolar? Não seria interessante oferecer uma formação sobre o tema para professores, funcionários e estudantes? De que maneira poderíamos refletir sobre boas práticas de uso da IA nas escolas de Contagem? Do ponto de vista da Secretaria de Tecnologia da Informação, não seria interessante saber os quadros internos que mais utilizaram a IA com frequência, buscando com isso reunir um conjunto de funcionários do governo que tivessem familiaridade com as ferramentas de IA e,com isso, pudessem pensar em estratégias de uso no interior do governo?

O PBIA ampliou a janela de oportunidades para o país. Ele é um documento que pode selar nosso passaporte para o futuro, rompendo com os grilhões da dependência dos grandes centros econômicos, visando com isso o desenvolvimento nacional voltado para o bem-estar de todos os brasileiros.

Contagem não pode e não merece ficar na fileira de trás nessa corrida. Pelo contrário. A cidade já é um exemplo de governança, atingindo altos índices de desenvolvimento humano, como um índice de desigualdade social menor que a média nacional. Contagem hoje conta com um índice 6 de equipamentos de tecnologia disponíveis nas escolas públicas municipais e índice 7 de estrutura de equipamentos culturais e esportivos, de acordo com a Plataforma Cidades Inteligentes, do Ministério da Ciência e Tecnologia4. Lembrando que, de acordo com este índice, o número 7 é considerado o nível máximo, ou seja, de otimização. Provavelmente, das cidades médias do Brasil, Contagem é vanguarda na luta pelo bem-estar social. Cabe agora ser a vanguarda da Inteligência Artificial brasileira, encampando essa luta.

Torço para que Marília consiga entender o desafio de nosso tempo e fazer de Contagem um polo reflexivo sobre o uso da IA em suas mais variadas dimensões, seja no setor público ou privado. Assim como Darcy Ribeiro de forma literária projetou um Lexomundo no meio da Amazônia, uma espécie de universidade indígena high-tech, espero que Marília consiga alimentar os nossos sonhos de aliar progresso e bem-estar social para as maiorias de nossa cidade disputando os rumos da inteligência artificial. Afinal de contas, um pouco de literatura e “loucura” não faz mal a ninguém.

André Luan Nunes Macedo é professor da Universidade Federal de Viçosa

 

Referências

(1) Lembrando que LLM é a sigla em inglês para Large Language Model, ou Grande Modelo de Linguagem. O ChatGPT é um tipo de LLM que possui diferentes versões, assim como o Gemini da Google, a Maritalk (uma iniciativa brasileira de criação de LLM) e o DeepSeek, sua versão chinesa.

(2) Para quem quiser ver a opinião de Caetano Penna, recomendo esse diálogo com o economista Paulo Gala : O plano de IA do Brasil.

(3) Ver: Luciana Santos: investimento público em IA no Brasil alcança patamar internacional — Agência Gov.

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