As manifestações convocadas por setores da esquerda tomaram as ruas do Brasil com duas bandeiras centrais: o repúdio à PEC da blindagem parlamentar e a rejeição à anistia aos responsáveis pelos ataques ao Estado Democrático de Direito em 8 de janeiro de 2023. Há tempos a esquerda e o campo popular não conseguiam mobilizar tantas pessoas, sobretudo diante do esvaziamento dos atos de 1º de maio e do Grito dos Excluídos em 7 de setembro, que não rivalizaram com as mobilizações da extrema-direita.
O que explica, então, esse retorno da força popular às ruas? O gatilho parece estar no acúmulo de prerrogativas pelo Congresso Nacional, que nos últimos anos tem avançado sobre competências típicas do Executivo, transformando o presidencialismo brasileiro em algo cada vez mais próximo de um semipresidencialismo de chantagem. A apropriação de fatias crescentes do orçamento por meio das emendas parlamentares é o exemplo mais evidente.
Nos últimos meses, alguns movimentos do parlamento despertaram indignação popular. O primeiro foi a derrubada da proposta do governo Lula de reajustar alíquotas do IOF incidentes sobre bancos, casas de apostas e criptoativos. Ao rejeitá-la, o Congresso mostrou-se protetor dos interesses do andar de cima, em detrimento da maioria da população. O episódio abriu espaço para um debate mais franco sobre a luta de classes, expondo quem defende os interesses do povo e quem se coloca ao lado dos super-ricos.
Na sequência, o governo propôs isentar do imposto de renda trabalhadores que recebem até R$ 5 mil e conceder descontos significativos para quem ganha até R$ 7 mil, compensando a renúncia fiscal com a tributação de lucros e dividendos superiores a R$ 1 milhão mensais. Mas, em vez de votar medidas que beneficiariam milhões de brasileiros, o Congresso preferiu priorizar uma PEC absurda que amplia a blindagem dos parlamentares contra investigações e dar urgência a um projeto de anistia destinado a salvar Bolsonaro e seus cúmplices, condenados por atentar contra a democracia.
Essas duas iniciativas acenderam a fagulha de revolta em uma sociedade cansada de ver seus representantes legislativos agirem em causa própria. A mobilização não foi exclusiva da esquerda: partidos, movimentos sociais, entidades civis, artistas e setores amplos da população se somaram ao chamado. A pauta contra a impunidade, em um país que historicamente falha em punir seus algozes, mostrou-se capaz de unir diferentes vozes.
O desafio da esquerda é transformar essa indignação em agenda concreta. É hora de avançar na reforma do imposto de renda, na taxação das grandes fortunas e na luta pelo fim da escala desumana de trabalho 6×1. Trata-se de abrir uma janela de diálogo com parcelas cada vez mais amplas da sociedade, resgatando o fio da luta de classes e recolocando no centro do debate público aquilo que, de fato, muda a vida do povo: mais justiça social e tributária.
Bernardo Gomes de Souza Teixeira é assessor de Relações Institucionais da Secretaria de Governo da Prefeitura de Contagem/MG e Dirigente Municipal do PCdoB Contagem/MG