topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Contagem fez-se cais de Porto Príncipe, por Lucas Fidelis

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on print

De minhas andanças e perambulações, pela cidade de Contagem, ao longo de todos esses anos, raramente me deparei com pessoas naturais de outros países.

Por vez ou outra, acabava cruzando o caminho de missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecidos como mórmons, provenientes, sobretudo, da cidade norte-americana de Salt Lake City, no estado de Utah.

Aproveitava e desenferrujava o inglês; e curioso e detalhista como sempre fui, fazia as vezes de interlocutor cultural; e, também, no prosaico e intenso intuito de rememorar, tempos de outrora, estimulando minhas memórias afetivas em solo estadunidense.

Ocorre que, nos últimos tempos, temos tido um fenômeno de uma grande onda de migrantes, principalmente haitianos, refugiados que encontraram, em Contagem, a sua Port-au-Prince . E, mais do que isso, um porto seguro de desafios e esperanças.

A Praça Tancredo Neves tornou-se meu núcleo empírico. No cenário, o Palácio do Registro, dando o tom de suas formas. Idiomas e estilos, e cores de vestimenta, traçam os contornos da atmosfera. A língua francesa e o dialeto crioulo ressoam juntamente do mineirês e do idiossincrático arrulho e cântico dos pássaros. Uma torre de babel que só .

Os haitianos ocupam os espaços públicos, se divertem, buscam se integrar com o ambiente; e, com olhares, inebriados, admirados e ingênuos, flertam com um admirável mundo novo e desconhecido.

Com a curiosidade arraigada, arrisquei-me num francês, assim, meio mambembe. Da parte dos novos habitantes, um esforço no português; e uma mímica universal recíproca que nem o Esperanto poderia absorver.

Loucos por futebol, um tema inevitável: o “jogo da paz”, realizado em 2004, nas terras haitianas, em que a Seleção Brasileira enfrentou a Seleção do Haiti. Um grande acerto diplomático.

E, ainda, da controversa Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti- MINUSTAH . Não olvidamos do ex-padre Jean-Bertrand Aristide.

Em comunicação truncada, lamentamos sobre os constantes terremotos que assolam o país, um dos mais miseráveis do mundo, destruindo de forma nefasta os esforços de toda uma vida e as quimeras mais íntimas.

O assunto, ainda, atravessou a conturbada história política e econômica da terra natal. Os desmandos da ditadura dos Duvallier – de Papa a Baby Doc. A milícia sanguinária dos Tontons Macoutes . As lembranças de Cité Soleil , Martissant e Grande Bel Air . As belezas do Mar do Caribe. Sobre amenidades e quiprocós do cotidiano. E as saudades dos familiares que deixaram para trás.

Faltou-me repertório material e idiomático- embora tenha sobrado entusiasmo- para abordar sobre o primeiro país a abolir a escravidão nas Américas. E o primeiro a se tornar independente pelo líder Jean-Jacques Dessalines.

De tudo isso, fez-me lembrar de um emblemático caso reportado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “Pessoas Dominicanas e Haitianas expulsas vs. República Dominicana” , em que descendentes haitianos nascidos em território dominicano foram deportados sem qualquer vínculo com o país de seus genitores.

A desumana imposição da apatridia- condição daqueles que não são titulares de qualquer nacionalidade. Práticas hostis e de aversão ao povo haitiano. Toda essa questão vem de um extenso processo político-jurídico entre os dois países, com diversas violações aos direitos humanos, na “Isla Hispaniola” , de Cristóvão Colombo.

Os migrantes, refugiados e apátridas haitianos buscam seus caminhos pelo mundo. Reverberam seus sentimentos e angústias entre acolhedores e detratores. Da detração, o atual mandatário do Brasil, que, quando parlamentar, reforçou com dizeres de “escória do mundo” .

Ao revés, das estarrecedoras práticas do governo federal, seguindo a linha humanitária, sobretudo dos protocolos e ditames internacionais, com a sua referência magna na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Município de Contagem acolhe os refugiados do país mais pobre das Américas.

O governo de Marília Campos respeita e cumpre os direitos humanos fundamentais elencados na Constituição da República Federativa do Brasil e, sobretudo, na Convenção Americana dos Direitos Humanos.

O Pacto de San José de Costa Rica se faz presente nas ações progressistas das políticas públicas da cidade.

De toda guarida humanitária, e recrudescimento dos direitos humanos, aos migrantes, refugiados e apátridas, podemos citar a criação, do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População Imigrante, como um importante elo entre as pontas.

Um grande reconhecimento da promoção de práticas de integração migratória, seja local ou externa, é a certificação com o selo MigraCidades 2021, da qual o Município fora agraciado, por intermédio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, pela Organização Internacional para as Migrações- OIM- agência da ONU para as questões migratórias- e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS.

Podemos mencionar, ainda, na atual gestão, a realização da Festa da Bandeira do Haiti; a promoção pela Guarda Civil Municipal de um jogo beneficente promovendo o fortalecimento dos laços fraternos e culturais; a apresentação da culinária caribenha; entre outros diversos eventos; demonstrando, ademais, a valorização e importância da intersetorialidade das políticas públicas, envolvendo os departamentos de Desenvolvimento e Defesa Social, Direitos Humanos, Educação, Esporte e Saúde, dentre outros.

Destaca-se, a enunciação do Secretário de Direitos Humanos e Cidadania, fonte retirada do acervo jornalístico da municipalidade, Marcelo Lino, nos seguintes termos: “Ao celebrar a bandeira do Haiti hoje, em um espaço público, nós queremos sinalizar para cada haitiano aqui presente que vocês, na nossa cidade, não são um problema. Vocês fazem parte da construção da cidade que nós queremos: mais justa, mais humana, mais diversa e mais igualitária. Vocês são bem-vindos, queridos e amados. Podem ter certeza que Contagem tem no seu DNA o acolhimento” .

Declaração típica daqueles que detêm a capacidade de interpretar o mundo com uma intrínseca sensibilidade visceral.

Indubitavelmente, o Governo Marília imprime esforços e procedimentos no cumprimento da cartilha dos Direitos Humanos.

Obviamente, sob um viés crítico, há muito que ser fomentado e executado. E, substancialmente, o planejamento para que gestões seguintes não desmantelem o que tem sido edificado. Contagem é o segundo município de Minas Gerais com o maior número de migrantes. Uma responsabilidade de todos. Da sociedade civil e das esferas governamentais e administrativas em suas competências comuns. Percorrendo por questões adversas e intrincadas, naturalmente, quaisquer políticas públicas possuem suas lacunas e defasagens; e, por conseguinte, devem ser aprimoradas, revisitadas e ajustadas conforme os resultados apresentados.

Nessa toada, as camadas governamentais, de forma coesa, devem buscar, sobretudo, dentro do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o respeito ao princípio pro homine , ou seja, práticas que melhor protejam o ser humano, tendo em vista que a primazia é, sempre, da pessoa humana; igualmente, devem-se observar as estratégias e ditames do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, especialmente na integração do refugiado à comunidade local, em todos os seus espectros.

E, se, de cada porto, um cais, Contagem cria pontes entre os povos; abre suas fronteiras e oportunidades; aponta as direções para uma nova perspectiva de sonhos e esperanças. Transforma-se num oásis repleto de novas possibilidades. Um bálsamo para aqueles que já não vislumbravam prismas muito favoráveis.

Com o impacto cultural, o caminho, todavia, é árduo. A senda é, um tanto quanto, estreita. Os obstáculos, imensos. Porém, a marca indelével histórica, de resiliência e luta dos novos habitantes, oriundos da “Pérola das Antilhas” , ancorará os novos sentidos que a vida coloca na cota de seus destinos.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e Servidor Público do município de Contagem.

Outras notícias